"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

sábado, 30 de março de 2013

Estou com medo.




De repente eu tenho medo do escuro. Eu nunca tive medo do escuro, sempre fui uma criança racional e controlada de mais para ter medo de algo tão bobo. Mas agora as coisas se inverteram, meu cérebro não consegue mais ser racional e o descontrole faz parte do meu dia-a-dia. Na verdade o medo não é do escuro, mas sim dos monstros que a escuridão guarda. Me sinto paranoica de novo... É um dos piores sintomas. Fico olhando para trás o tempo todo, será que eu vi o que eu vi? Será que eu ouvi o que eu ouvi? Às vezes giro no mesmo lugar e tenho certeza que alguém está brincando comigo, como um esconde-esconde. Procuro dentro dos armários, atrás das portas, nos cantos mais escuros e nada... Mas eu sinto, eu sinto o tempo todo. Tem algo ou alguém atrás de mim. Sei que tem. Sei tanto quanto sei que nesse momento estou viva. Mas quem? O que? Às vezes tenho medo do meu monstro sair do meu peito e me atacar, me matar... Mas esse é um medo diferente. Há esses dois medos, medo do que há dentro de mim e medo do que há fora de mim. O medo do escuro é esse medo do que há fora de mim. Às vezes eu sinto os dois medos ao mesmo tempo, o que faz eu ter a sensação de que não há saída ou que eu esteja encurralada. Saio tateando pela casa com os olhos bem abertos, como se assim eles pudessem me mostrar só o que é real.

Tenho medo. Olho para todos os lados de novo e de novo. Nada consegue convencer minha cabeça de que está tudo bem, de que nada vai me atacar ou me fazer qualquer tipo de mal. Me sinto cuada como eu sentia quando era menor. Quero desaparecer. Medo é um dos piores sentimentos do mundo. Me pergunto o que está me deixando mais paranoica. Se é algo que eu estou fazendo ou se essas coisas pioram aleatoriamente. Faz meses que eu venho desenvolvendo alguns tipos de medos. Não sei por que. São coisas infantis se você parar para pensar, bobas, mas que são capazes de me dominar por completo, impedindo que eu me comporte normalmente em situações do cotidiano. Às vezes eu tenho a impressão de que adiei minha infância até estourar agora que sou mais velha, não só por causa dos medos infantis mas porque vários sintomas e comportamentos da personalidade borderline se parecem com os comportamentos que uma criança temperamental teria. Ao menos eu me vejo assim muitas vezes, principalmente quando tenho ataques de fúria, choro por tudo e tenho medos absurdamente irracionais.

Sim, é infantil. Mas ainda assim olho para os lados e para trás, checo os cantos e lugares onde algo ou alguém poderia se esconder, não consigo evitar. Minha psicóloga diz que tudo bem ter medo, só não pode deixar o medo te dominar. Não sei se o medo me domina, talvez às vezes, quando eu faço coisas realmente esquisitas, como quando eu entro em pânico por algum motivo. Eu odeio me sentir assim. Essa sensação de quem tem algo por perto, de que algo muito ruim vai acontecer... Faz com que eu fique o tempo todo, ao mesmo tempo, alerta e desligada. Alerta me concentrando nas minhas sensações, muitas vezes baseadas em fatos irreais e por isso, vou estar desligada, sem prestar atenção no que acontece a minha volta. Essa combinação favorece minha paranoia porque, como eu não vou estar prestando atenção no mundo ao meu redor, tudo o que acontecer nele vai me assustar, me deixando mais tensa ainda. É um ciclo. Como grande parte da minha vida, um ciclo vicioso que eu entro e não consigo mais sair.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Pessoas extraordinárias


(inspirado na música Not your kind of people - Garbage)

Nós não somos o seu tipo de pessoa. Nós não sorrimos de volta, não respondemos seus sinais, nós não abraçamos e não beijamos. Só permanecemos observando de longe. Você não entende? Nós não somos o seu tipo de pessoa. Sua piada não tem graça e o que você diz não faz sentido. Nós não queremos fazer parte do seu grupo, da sua tribo, dos seus ideais e o que quer que seja. Sua roupa não faz diferença, nem o jeito como fala ou o skate em seus pés. E a música que toca em seus fones de ouvido, também pouco nos importa. Nós não somos seu tipo de pessoa. Somos invisíveis e anulados. Você não entende. A curiosidade faz sua cabeça balançar e suas pernas estão inquietas. Você também lembra, não lembra? Não, não venha. Nós não somos. Não responderemos suas perguntas, não tornaremos sua vida mais fácil, nem aquietaremos isso que se acendeu em seu peito. Não venha. Isso o que você sente só nos diverte um pouquinho. Distantes, desligadas, em outro lugar. Tanto faz. Seu nome, nós nunca lembraremos, tampouco seu rosto. Você morreu para nós. Nós não somos o seu tipo de pessoa. Nós nunca vamos te elogiar, porque elogios só servem para quem realmente os merecem e você não é esse tipo de pessoa. Você pode ir embora agora, tanto faz. Você pode se sentir ofendido, isso também nos diverte um pouquinho. Isso mesmo, continue fingindo que não nos vê e nós fingiremos a mesma coisa. Um teatro de verdadeiros idiotas. É a vida.

Nós não somos o seu tipo de pessoa. Nós não te seguiremos, não nos manteremos caladas frente as burrices que saem de sua boca. Os tímidos também falam e é melhor você ouvir quando eles abrem a boca. Os tempos mudaram. E nós não somos o seu tipo de pessoa. Nós não nos importamos com o que você pensa ou deixa de pensar, não ligamos para suas fantasias e seus medos nos divertem um pouco. Quem é fraco agora? Nós podemos fazer você se arrepender por ter nascido, do mesmo jeito que você fez conosco quando éramos só crianças indefesas. Adivinha só, nós crescemos. Nós não somos o seu tipo de pessoa. Não somos mais suas vítimas, não somos. Você nos observa de longe e eu sei que você treme de medo, sei que desvia os olhos. E isso nos diverte um pouco. Não, não venha, porque você vai se arrepender. Nós não somos o seu tipo de pessoa. Só desista, se renda, é a sua vez de experimentar o inferno. Afinal ele já foi nosso lar por tempo de mais. Agora sim, venha, venha e troque de lugar conosco. Vai doer por um tempo mas você se acostuma com a dor. Ninguém vai ouvir seus gritos, ninguém vai aparecer para te salvar e você finalmente entenderá... Que nós nunca fomos o seu tipo de pessoa.

terça-feira, 26 de março de 2013

Tudo para dar certo



Você tem tudo para dar certo. É sempre assim. Família, amigos, dinheiro, casa, terapia, psiquiatra, remédios, blá, blá e blá. Você tem tanta sorte, você tem tanto isso, tanto aquilo. Por que você faz isso? Por que você é assim? Você faz de propósito? Você quer chamar atenção? Quem me dera... Quem me dera que tudo isso fosse só sobre chamar atenção. Quem me dera se eu tivesse todo esse "tudo" que tanto me dizem. Quem me dera se o mundo fosse lindo e perfeito e que doenças não existissem, ou que só pessoas pobres e sem ninguém para amá-las é que tivessem o direito de adoecer. As pessoas acham que as coisas são simples de mais, buscam explicações generalizadas e preconceituosas. Cada ser humano é único e infinitamente complexo e igualmente complexos são os problemas que afligem sua existência, quer exista aí uma doença ou não. Com o bônus de uma doença as coisas ficam ainda mais difíceis e complicadas. Ninguém consegue "escolher" ficar doente para chamar atenção, as doenças demandam atenção por consequência, isso não é culpa do doente. É um absurdo acusar o doente por estar doente. Eu não sei de onde é que vem essa mania das pessoas de achar que o doente é culpado de alguma coisa, às vezes os próprios doentes se culpam e tentam esconder seu sofrimento porque acham que assim vão causar menos problemas para as pessoas a sua volta. Pelo amor de deus. Tem que se tratar! O resto que lide com o grande problema de conhecer alguém doente, não é a vida deles que está em perigo.

Egoísmo? Egocentrismo? Sim! E de novo, sim! Você precisa cuidar de você mesmo antes de qualquer outra coisa. Tudo bem que eu não sou um bom exemplo, mas eu sei o que é certo, apesar de dificilmente o certo coincidir com ser fácil. Você em primeiro lugar. Se você tem uma doença, a culpa não é sua, agora o que você vai fazer com esse fato, ai sim é culpa sua. Você pode escolher passar a vida pensando em não dar trabalho para ninguém e nunca se tratar, sinto muito, mas já aviso que não vai dar certo, não por muito tempo. Ou você pode escolher parar, respirar e ver o que você pode fazer para se tratar e melhorar. E foda-se os outros. Foda-se o que pensam, se ficam magoadinhos, se ficam irritadinhos porque acham que você está chamando atenção ou fazendo tempestade em um copo d'água. Você, e só você, pode dizer o tamanho dos seus problemas e o quanto você pode aguentar deles. Mais ninguém. Caralho. Ao contrário do que muitos pensam, eu luto e muito para melhorar, se meus textos são terríveis é porque eu estou desabafando e desabafar é uma forma de melhorar, não sei se as pessoas entendem isso. O problema, as pessoas também não entendem, é que nem sempre as coisas dão certo e nem sempre os esforços dão frutos. Mais uma vez, a vida não é linda nem maravilhosa nem perfeita. Às vezes, não importa o quanto você tente, você simplesmente não vai conseguir. O mundo é cruel. Do mesmo jeito que uma criança pode perder a luta contra um câncer, um paciente psiquiátrico pode perder a luta para uma esquizofrenia, bipolaridade ou o que quer que seja. Nós, os pacientes psiquiátricos, não somos diferentes dos demais pacientes com doenças "físicas", por assim dizer, e não psicológicas. Nós não temos todo esse controle sobre nossa doença como vocês pensam que nós temos. Nós não escolhemos quando vamos surtar e porque, não é assim. Então parem de nos culpar, porra. Quero ver alguém ter coragem de chegar para uma pessoa com câncer e chamar ela de fraca, culpá-la pela doença, apontar um dedo bem na cara dela. Não! Ninguém faz isso. Então não façam com a gente. É exatamente a mesma situação.

E o tratamento é tão difícil quanto. Nem todos respondem a medicação ou a terapia. A mente é uma coisa muito complicada. Muitas doenças vão só piorando e piorando e com o tempo os remédios vão deixando de fazer efeito e tudo vai se deteriorando... É horrível. E não importa se eu tenho família, se eu tenho amigos, se eu tenho a puta que te pariu. Minha doença pode não responder a tratamento nenhum e fim de história. Não importa o quanto eu tente. Acontece. Sei que é difícil lidar com a realidade mas acontece. Eu já vi com meus próprios olhos. Sinto muito. Não posso simplesmente apertar um botão e me tornar saudável e normal. Mas a gente tenta né, eu pelo menos tento. Vivo caindo, tento ataques disso ou daquilo, me cortando, vendo coisas, etc, mas eu continuo tentando. O que mais eu posso fazer? Me matar? Não... Ainda não.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Mundo estranho e compulsividade



Fechar os olhos é sempre um pouco perigoso de mais. Meu universo líquido desaparece nos instantes de uma piscada e reaparece logo em seguida. O que real nunca é real o bastante para mim. Tenho medo. Tenho medo de fechar os olhos e um buraco se abrir sob meus pés. Tenho medo de fechar os olhos e meu monstro se desprender de mim, voar em direção ao meu pescoço e acabar com tudo. Engraçado, não? Não temo a morte, até a desejo muitas vezes, mas temo essa forma de desaparecer, de se desfazer em fumaça, de tudo o que é real se revelar irreal e fantasioso. Fechar os olhos é abrir a cabeça para uma nova possibilidade, para uma outra existência que eu não sei até onde é verdadeira ou falsa. Sonhos? Talvez. Alucinações? Às vezes. Onde estou? Quem sou? Não existe resposta para o mundo, não para o meu pelo menos. Tudo é um grande mistério, um grande jogo, às vezes estou ganhando, às vezes estou perdendo. Incertezas. Caos. Tenho medo de fechar os olhos e medo de mantê-los abertos. Os dois mundos são assustadores de formas diferentes. Para onde estou indo?

Às vezes fecho os olhos e não consigo abrí-los por um bom tempo, porque em minha cabeça o mundo a minha volta já se transformou, já deixou de ser o que era e eu tenho medo, do novo, do desconhecido. Besteiras. Quando finalmente consigo me livrar desses medos e abro meus olhos, tudo está igual. Mas tudo está igual de um jeito estranho. Como se alguém tivesse passado por ali enquanto eu mantinha meus olhos fechados. Aquela presença ainda está no ar, apesar de parecer que nada mudou. Algo mudou. E isso alimenta meu medo. As sensações alimentam meus pensamentos, sentimentos e atos. Eu vivo tento sensações estranhas, sensações que me obrigam a fazer coisas mais estranhas ainda. Como quando eu tenho a sensação de que meu cérebro não está funcionando direito e eu bato em minha cabeça ou bato minha cabeça contra a parede, ou a sensação de que não estou viva, que faz eu me cortar porque isso me monstra que eu estou viva (meu sangue escorrendo e a dor do corte), ou quando eu tenho a sensação de que estou saindo do meu corpo e eu preciso tocar nas coisas a minha volta para provar para mim mesma que eu ainda estou aqui dentro, ou quando meu cérebro está tão acelerado que eu preciso fazer as coisas em câmera lenta se não eu vou perder o controle... Enfim, são diversas situações que eu respondo de um jeito estranho, não tenho escolha.

Hoje estava discutindo com minha psicóloga minha obsessão por números. O número 3 em particular e seus múltiplos. Eu sempre me corto três vezes, três cortes paralelos, ou 6, ou 9, etc. Sempre aperto três vezes o lugar do sabão na hora de lavar as mãos, esfrego minhas mãos contanto até 30 e puxo a toalha três vezes para secá-las. Fazer isso me acalma. Mas minha psicóloga não gosta dessas coisas irracionais que eu faço para me sentir melhor. Eu não entendo porque... Sei que pode soar estranho todas as coisas que eu faço, incluindo me cortar e bater a cabeça na parede, mas tudo faz sentido aqui dentro, eu faço essas coisas por um motivo. Eu realmente preciso fazer essas coisas. Elas fazem eu me sentir mais segura no meu universo tão incerto. É irracional, sei que é. Mas para mim faz sentido. Me perdoem por ser estranha, o mundo é estranho de mais aos meus olhos para que eu consiga ser normal.

Conversa entre reflexos



Você sempre fala comigo, mas eu nunca falo com você. Quando você sussurra coisas horríveis em meus ouvidos, eu só abaixo a cabeça e concordo. Quando você diz que eu mereço ser punida, eu só abaixo a cabeça e me corto até você ficar satisfeito. Quando você quer beber, eu bebo, quando você quer fumar, eu fumo. Quando você está com raiva, eu desconto em mim mesma ou nas pessoas a minha volta. Quando você quer assumir o controle, meu corpo se torna seu corpo e eu me anulo. Mas eu nunca conversei com você, nunca tentei entendê-lo... Eu só procurei jeitos para te destruir. E você, de me destruir. Você apareceu para mim e se nomeou de Monstro, e eu não questionei esse nome. Você se tornou meu monstro como seu nome previa. E eu sempre tentei te ignorar na esperança que você desaparecesse da mesma forma que surgiu... Mas hoje eu resolvi olhar para você. Por que não?

Há grades a sua volta. São os remédios tentando te controlar. Posso sentir seu olhar de ódio na minha direção. Você me odeia. Por que? Talvez eu tenha te decepcionado, talvez você me culpe pelo que você se tornou... Você nem sempre foi um monstro, não é mesmo? Mas agora a única coisa que você consegue sentir é ódio e raiva. Você nem ao menos me escuta, de tão envolto por isso que você está, você só está interessado em se livrar dessas grades para poder me destruir. E há uma coisa engraçada que eu percebi agora, olhando para você. Você é uma menina, mesmo eu te tratando por "ele". E você é parecido comigo. Coincidência. É como quando eu olho no espelho e você usa meu rosto para sorrir para mim. É meu rosto, mas não é. Aquele seu sorriso assustador, como quem diz: eu estou bem aqui e eu vou te pegar.

É engraçado, mas hoje, olhando assim de repente para você, eu não estou com medo. Eu sei pelo que você passou, não posso te culpar por você ser quem você é. De repente é você quem parece pequeno e não eu. E eu sinto uma vontade estranha de te abraçar, porque você parece tão pequeno e indefeso atrás dessas grades. Você me olha indiferente e eu sei que você me mataria tão fácil quanto mataria um inseto. Eu entendo... Só queria que você soubesse que eu não te odeio, não hoje, não agora. Não, eu não te odeio.

domingo, 24 de março de 2013

Você disse



Adeus. Você não tem mais nada para falar. Adeus. Para onde foram esses últimos anos? Adeus. Tão perto e tão longe. Tanta raiva aqui dentro, tanta magoa. Por que você faz isso comigo? Por que eu simplesmente não te deixo ir? Estou sozinha? Minhas lágrimas não me deixam ver, quero gritar mas como sempre minha boca não tem nada a dizer. Por favor... Algo sussurra dentro de mim. Uma pequena criança há muito esquecida. Não vá embora. Suma da minha frente. Não me deixe. Desapareça. Por favor... Eu me odeio, me odeio, me odeio. Por que não consigo deixar que as coisas partam? Prefiro viver uma mentira a um adeus. Isso é doentio. Eu quero ser livre também, quero não depender de ninguém, conseguir sorrir sozinha e aguentar o tranco da vida sem nenhuma muleta. Mas isso é ridículo, estou tão longe disso que não consigo nem me imaginar vivendo assim. Que merda. Eu só quero parar de chorar como uma idiota e que essa dor toda diminua. Você disse que melhoraria com o tempo, você disse... Você disse tantas coisas. Não está acontecendo, não está. Eu não estou melhor, não estou melhorando. O mundo não para de desabar a meus olhos e eu não sei até quando eu vou aguentar. Você sabe que ninguém pode me deter, se eu quiser, se eu realmente quiser, nada nem ninguém pode me parar. Eu só preciso de uma lâmina, uma pequena lâmina inofensiva. A pele é tão fácil de ser cortada, a carne, as veias... Sinto que estou em casa com uma dessas lâminas na mão, sinto que estou fazendo o que nasci para. E meu monstro não está tão distante assim do que o que eu realmente sou.

O problema é esse filme na minha cabeça. Você sabe. Você salvou minha vida e agora a está destruindo. Acho que você tem esse direito. Eu te dei esse direito, eu te entreguei por inteira em suas mãos. A culpa foi minha, eu me apressei de mais, me joguei de cabeça, confiei cegamente... Fui uma imprudente. Não se deve entregar a vida a alguém, sua vida. É seu bem mais precioso, ela é sua. Mas comigo não é assim. Quero me livrar da minha vida, minha vida é um peso muito grande para meus próprios ombros. Sou uma folgada, uma sanguessuga, um vampiro, me jogo na vida de outra pessoa e de repente, sem que essa pessoa perceba, ela está carregando todo meu peso, todos meus problemas, tudo. Sou uma pessoa horrível, não sou? Sou um monstro. E ainda digo que amo. Amo? O que é o amor? Se for essa droga viciante, essa coisa que nos torna dependente e despedaçados, então eu amo. Amo mais do que qualquer pessoa que eu já conheci no mundo. Amo visceralmente, compulsivamente. As pessoas se assustam, as pessoas se afastam. As pessoas sempre se assustam e se afastam. Não me importo com elas. Só me importo com aquelas que eu "amo", as escolhidas a dedo, as que surgem na minha vida para ficar. E ficam. Mesmo que eu tenha que girar o mundo de ponta cabeça para tê-las. Isso mesmo, tê-las. Sou possessiva, bem possessiva.

Preciso parar de ser assim... Mas para quem é acostumado a tão pouco ou nada, é difícil abrir mão das migalhas que lhes são dadas.

Realidade irreal




Meu peito dói e eu me pergunto se é o cigarro ou se é a angustia. Sou péssima em detectar sentimentos, só percebo que estou com raiva quando já estou voando no pescoço de alguém. E quando estou nervosa então? Na minha cabeça eu nunca estou nervosa, eu nunca preciso de um calmante. Eu só estou andando de um lado para o outro, pulando no mesmo lugar, falando extremamente acelerado, tremendo tudo... Mas não estou nervosa. E ai de quem diz que eu estou. Não estou e ponto. Não vou tomar a droga do calmante. É o único remédio que eu tenho o poder de decisão, vou ou não tomar, óbvio que minha primeira palavra sempre vai ser não. Infelizmente de um tempo para cá as coisas começaram a se complicar... E coisas que antes eram normais e fáceis para eu fazer, se tornaram extremamente assustadoras e difíceis. Me rendi ao calmante na esperança dele ajudar com o pânico. Infelizmente, parece que a única coisa que ele me faz é me deixar lerda. Estou eu lá, lerda, retardada e meu cérebro permanece em parafuso me dizendo que meu monstro vai sair do meu peito e me atacar. E eu lerda. Quero dizer, se acontecer nem lutar contra meu monstro eu vou conseguir.

Na última consulta com minha psicóloga ela tentou me convencer de que meu monstro não iria aparecer do nada e me fazer mal e eu juro que tentei de tudo para entender, mas ainda estou muito confusa. Quero dizer, o que é real? Real é tudo o que a gente vê e sente, certo? Se real é tudo o que a gente vê e sente, só o fato de eu sentir meu monstro dentro de mim já prova que, para mim, ele existe. Então, se eu o ver, ele vai se tornar mais real ainda e vai poder me machucar. Ai que minha psicóloga começou, ela disse que mesmo que eu visse ele, seria só mais uma alucinação, alucinações não machucam pessoas, alucinações não existem de verdade. Então eu fiquei confusa. Porque mesmo se para minha psicóloga meu monstro fosse uma alucinação, para mim ele ainda seria real e ainda seria extremamente perigoso. Faz sentido? Minha psicóloga não concordou e insistiu que alucinações não podem machucar ninguém. O que é uma alucinação? Algo que vemos e que não é real... Mas se estamos vendo, como podemos saber se é ou não real? Tenho sérias dificuldades em entender essas coisas. Há dias, geralmente quando eu estou com algum sintoma de despersonalização ou quando estou tendo as "pré-alucinações" em que eu fico me perguntando se as pessoas que passam por mim na rua são reais, se eu estou mesmo ali e seu todas aquelas coisas existem e estão acontecendo. Como eu posso ter certeza? Está tudo se mexendo de um jeito que não deveria, eu não estou mais dentro do meu próprio corpo e nada é certo. Nada. Como eu posso saber?

As coisas simplesmente são confusas de mais. Meus sintomas bagunçam minha cabeça. Há a questão da memória também que ajuda a tornar tudo muito incerto. Minha memória é horrível. Eu esqueço de tudo, tenho verdadeiros brancos. De repente passaram horas e eu não vi, ou dias, ou semanas. E eu olho para trás e não me lembro, não me lembro de nada do que fiz recentemente, se saí, se fiquei em casa, para onde fui, o que eu fiz, nada. A vida se torna algo de uma incerteza absurda. Você não sabe o que é real, se o que está acontecendo agora realmente está acontecendo e não sabe o que aconteceu ontem, e se o que aconteceu ontem realmente aconteceu. Suas lembranças são fragmentadas e desorganizadas. Chega a ser assustador. Às vezes tenho a impressão de estar desaparecendo. Sabe? Se eu não lembro das coisas então é como se elas não tivessem acontecido... E eu sinto, assim, minha vida sendo roubada de mim. Quero minha vida de volta. Quero conseguir lembrar das coisas boas que eu vivi, quero rir com meus amigos, quero poder olhar para trás e não só ver o monstro da minha infância e adolescência me assombrando, sempre. Quero o que é concreto, aqui na minha mão, e quero que ele permaneça comigo, sempre, para que eu saiba que eu estou aqui e que eu não vou desaparecer. E que vocês também estão aqui e não vão desaparecer. E que tudo isso é real e para que um dia eu possa contar nossa história.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Blá blá blá sobre remédios



Eu tomo muitos remédios. Remédios muito fortes e em doses bem altas. Sei disso porque conheço outras pessoas que tomam remédios e foram poucas as vezes que eu soube de alguém que tomasse mais do que eu. E também porque meu psiquiatra vive em um dilema porque me vê piorando mas já está me dando praticamente todos os remédios na maior dosagem terapêutica possível. Eu já passei por muitos remédios, desde antidepressivos, até estabilizadores de humor, antipsicóticos e calmantes. No momento tomo os três últimos. Eu tenho uma reação muito ruim com antidepressivos, sempre que tomava eles acabava piorando absurdamente. Foi muito difícil encontrar a combinação de remédios e dosagens que realmente conseguisse me ajudar, é cansativo ir mês a mês no médico e ter seus remédios trocados o tempo todo porque nada está dando certo. Foi ai que eu comecei a pensar que eu era um caso perdido (mas eu não sou). Trocar de medicamentos assim fortes é muito perigoso, a última vez que tive que trocar sofri uma convulsão, para o desespero da minha mãe que me viu ali como se tivesse tendo um ataque epilético e sem ter nem ideia do que deveria fazer. Mas no fim, não importa muito qual transtorno psiquiátrico você tenha, eles encontram o remédio certo para você, é só ter paciência.

Mas não vou mentir. Eu já vi um caso perdido. Um esquizofrênico tão grave que nada mais fazia efeito. Ele tomava tantos remédios que nem falar direito ele conseguia e ainda assim tinha ataques quase que semanalmente. Nada funcionava. Nada. Isso é um caso perdido, infelizmente. Eu não sou um caso perdido e se você está lendo isso e não está amarrada em uma maca dia e noite recebendo injeções de medicamento pois é um perigo para você mesmo e para o mundo, então você também não é um caso perdido. As pessoas tem reações estranhas quanto aos remédios. No começo do meu tratamento eu implorava por uma pílula mágica que faria desaparecer todos os meus sintomas, agora eu entendo que isso não existe. É preciso muito trabalho duro, junto com o medicamento correto, para se consertar uma vida destruída por uma doença qualquer. Eu odeio tomar meus remédios, odeio de coração. Sempre que dá a hora de tomá-los sinto vontade de vomitar... Imagino que meu estomago não aguente mais tantos comprimidos. Já pensei muito em desistir deles, dar um jeito de enganar minha mãe e não tomar... Mas eu sei que se eu não tomar não vai haver mais nada segurando meu monstro. Eu estarei livre. E não tem nada mais perigoso do que uma pessoa como eu sem travas, grades e barreiras para me controlar.

De um jeito ou de outro, mesmo com tantos remédios circulando em minhas veias, eu ainda tenho muito o que melhorar. Os remédios não curam a dor, ou as lembranças, os medos, a raiva. Os remédios te dão um tempo para pensar nisso antes que você faça alguma besteira. E às vezes, quem sabe, você encontra uma solução e tudo se resolve. Às vezes.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Era uma vez uma pequena puta...



Ana mastiga seu chiclete sem gosto 50 vezes, cospe-o para fora da boca, estica-o entre os dedos e o coloca de novo na boca. Mais 50 vezes. Faz frio mas ela não parece notar, com seu shorts curtíssimo e suas sandálias surradas. Cruza os braços impaciente, olha para o céu se perguntando que horas seriam. Um carro para, trata-se de um velho qualquer, e sem dizer uma palavra ela adentra no veículo, discretamente grudando seu chiclete na maçaneta do mesmo. As horas passam. A porta onde a menina estava encostada se abre e quando escurece as luzes se acendem, um homem sai para a rua, acende um cigarro. O mesmo carro aparece de novo e Ana é quase que jogada para fora, cambaleante ela acena para o velho com um sorriso sarcástico. Está bêbada. O homem que fumava joga o cigarro longe e estende a mão para a menina, mão está onde ela deposita algumas notas surradas. Ele acena com a cabeça permitindo que ela entre pela porta. Trata-se de uma casa muito antiga, grande, dois andares. Ana encontra muitas garotas pelo caminho mas não cumprimenta quase ninguém. Dia devagar, só dois clientes. Ela não sabia se agradecia a Deus por isso ou se o maldizia. Ana subiu para o segundo andar da casa e caminhou em direção ao último quarto. O único que tinha regras de permanecer sempre fechado. Abriu a porta, quebrando, como sempre, a regra.

Ana sorriu para a menininha que se encontrava lá dentro. Se chamava Bela e havia custado muito caro para seu cafetão. Fora comprada quando ainda tinha 4 anos, agora tinha 8. Estava sendo treinada para ser a melhor puta daquele lugar e com certeza, a mais bonita também. Já fazia pequenos serviços para clientes muito especiais, mas ainda era virgem. Sua virgindade seria vendida quando completasse 12 anos. Bela correu na direção de Ana assim que a viu. E Ana tentou ignorar o som das correntes que prendiam os pés da pequena, seu dono tinha medo de uma fuga ou um furto, nunca se sabe. Ana a abraçou com força. Bela era uma menina estranha, temperamental, dissimulada e maliciosa... Mas Ana já a tinha visto encolhida contra o canto chorando como toda a criança assustada, ou se balançando no mesmo lugar, batendo a cabeça contra a parede de concreto (o que lhe rendia broncas absurdas, afinal ela precisava estar perfeita para seus clientes). Ana gostava dela. E Bela a idolatrava, mesmo Ana sendo só uma puta absolutamente comum de só 13 anos de idade.

As menina se soltaram e Bela continuava sorrindo. A beleza dela chegava a doer. Ana passou a mão por seus cabelos escuros. Costumava contar histórias para Bela, histórias de homens gentis, bonitos e ricos, que tentavam conquistá-la pelas ruas, mas ela não podia ceder, pois estava esperando seu príncipe encantado. Um menino que ela tinha de apaixonado na época em que ela ainda frequentava a escola. Você nunca vai saber o que é escola alias, acrescentava ela. Você vai ser uma grande puta, sabe. Tão boa quanto eu, talvez até melhor!

- O que significa "puta"?

Ana parou de falar por um instante.

- Significa alguém que teve a vida como professor.

Bela fez que sim com a cabeça, mas Ana sabia que ela não tinha entendido. Bela não entendia nada, era só uma criança. Cobriu os olhos com as mãos. Ela chupava paus e dava a bunda melhor do que muita mulher adulta por ai. Só 8 anos. Só 8 anos. Olhou para a pequena amiga. Tão bonita... Esse rosto, esse corpinho magro vale tanto que nenhuma das duas podia imaginar. Se não fosse sua beleza, essa beleza absurda, ela não teria sido raptada e vendida como um animal. Ana não era bonita, ela sabia disso, ela era mercadoria barata, de baixa qualidade, vinda de família pobre. Bela não, Bela era uma jóia rara, se fosse jogada na rua era capaz de na hora a televisão cair em cima e pronto, achariam seus pais, obviamente ricos. E seu futuro seria devolvido, ela teria uma vida, uma chance. Ela ainda era virgem, não estava tudo perdido. Era preciso... Só era preciso destruir o que seu cafetão mais apreciava nela e então, para ele, ela deixaria de ter valor e ter uma criança dessa ali seria um risco muito alto para pouco retorno financeiro. Só era preciso... Ana pegou um pedregulho quase do tamanho da sua mão no chão e com os olhos vazios se virou para Bela. Era tão fácil dominá-la. Bateu com o pedregulho na cabeça da menininha até que seu rosto tivesse se tornado irreconhecível. Não ouvia os gritos. Seus ouvidos estavam cheios de uma música maravilhosa. Ela deixou a pedra manchada de sangue de lado e segurou os rosto da amiga. Você está salva agora, sussurrou. E a abraçou. Estava tudo bem, ela sorriu e chorou, ninguém nunca mais ia machucá-la.

A história de um monstro




Momentos. Olho por sobre meu ombro direito e há uma marca de mordida, meio roxa, meio amarelada, parecia que alguém havia arrancado um pedaço de mim. Eu nunca tinha visto um machucado tão feio. Minha mãe passa pomada e não diz nada. Meu irmão observa de longe, com os dedos dentro da boca como se ainda fosse um bebê inocente. Esse pedaço que ele me tirou... Creio que nunca mais o recuperei. Brincando com as almofadas dos sofás na sala. Quero construir um forte, onde você não vai entrar, mas você só quer saber de destruir tudo. Joga uma almofada em minha cara e se joga por cima dela, me sufocando. Não posso respirar. É isso, vou morrer. É assim que é morrer? Não parece tão ruim assim. Vou só fechar os olhos e esperar... Meu irmão tira a almofada perguntando se eu tinha morrido. Empurro ele para longe e saio correndo. Pena que não exista um lugar seguro nessa casa. Brinca comigo? Meu irmão me pergunta. Me afasto incomodada, com minhas bonecas e bichinhos de pelúcia. Eles são todos órfãos, moram na rua e vão morrer de fome. Eu divido a pouca comida que tenho com eles. Não quero brincar com ninguém. Na escola minha professora me chama de egoísta na frente da classe inteira. Eu choro e não entendo. Por que ela está com tanta raiva de mim? Eu faço tudo errado. As outras crianças me olham e eu me sinto uma aberração. Eu sou uma aberração. Repito para todos os meus colegas na escola como eles devem se comportar para serem crianças boazinhas, mas eles me empurram e me chamam de chata. Eles não são boas crianças. Eu sou uma criança boazinha. Eu sou boazinha. Eu sou boazinha. Meu irmão me bate, ele tem raiva de mim, acha que eu roubo seu lugar... Mas eu nunca entendi, fico sempre tão quieta em meu lugar. Eu não roubo o lugar de ninguém. Eu só quero desaparecer. Brinco sozinha. As meninas puxam meu cabelo, pisam no meu pé, molham minha mochila, os meninos roubam minha lancheira e eu fico correndo atrás deles. Eles abaixam minhas calças na frente da escola inteira. Por que não me deixam em paz? Choro no banheiro e rezo para que ninguém me encontre. Ao longo dos anos eu aprendi a chorar sem fazer barulho, a dar um grito mudo, a controlar meu desespero. As meninas riem de mim, de tudo o que eu faço, de tudo o que eu falo, da minha roupa, do meu cabelo, do meu rosto. Eu sou feia, sou gorda, sou desajeitada e burra. Em casa eu vivo assustada, pronta para a próxima agressão, para o próximo abuso. Não me lembro de ter pais. Tudo o que lembro é dor e juntar moedinhas para comprar um sorvete.

Momentos. Eu não sou mais tão criança assim. Os meninos correm atrás de mim me xingando e rindo. As lágrimas silenciosas escorrem pelo meu rosto. Deus, porque você me fez assim? As meninas me empurram e machucam meu pescoço, dizem que eu sou feia, muito feia e riem também. Choro pela dor física, meu emocional está morto. Os meninos me cercam. Bocas maliciosas, não consigo olhá-los nos olhos, eles me anulam, de repente não existo mais. Estou em algum lugar distante, bem distante.... E eles podem fazer o que quiserem com meu corpo, porque ele não é mais meu. Eu não me importo. Morrer é assim? Não me parece tão ruim. De repente acordo como se uma corrente de eletricidade tivesse passado por mim. Quero dizer não, quero que isso pare, eu preciso muito dizer não, eu preciso, eu preciso. Nada sai da minha boca e de novo eu sinto o gosto amargo da derrota. Só meu corpo fala por mim, ele se retrai e eu sinto como se tivesse diminuindo cada vez mais. Eu poderia desaparecer. Eu poderia morrer. Não seria ótimo? Caminho em direção a nossa varanda... Não sinto nada. O sol é lindo. Eu não existo. Desabo no chão e choro, choro como nunca chorei em toda a minha vida. Choro pela minha vida, choro por tudo o que eu passei e estava passando, choro porque pela primeira vez na vida eu consigo entender o quanto isso é injusto, choro por quem eu sou, porque estou sendo assassinada desde os primeiros dias da minha vida. E ninguém enxerga. De repente as risadas que eu estava ouvindo, talvez de algum outro apartamento, param... E também, pela primeira vez, eu tive a sensação de que alguém estava me ouvindo e me levando a sério. Seja lá quem parou de rir, parou para ouvir minha dor e isso me ajudou, me ajudou a me levantar, com uma força que hoje em dia eu não teria mais.

Momentos. Encontro um livro totalmente em branco mexendo nas coisas do meu pai e o pego para mim. Eu vou escrever. É isso que eu vou fazer. Vou inventar uma língua só minha e contarei histórias fantásticas, em um mundo onde crianças são só crianças, onde elas não pensam em sexo o tempo todo e sim em grandes aventuras. Os raios de sol passam pela minha cortina deixando meu quarto alaranjado, esse é minha hora preferida ali. Meu irmão segura o livro onde eu já havia começado a escrever uma história e dá risada. Ele diz que eu sou uma idiota por sonhar em ser uma escritora, que eu sou patética e tantas outras coisas... Aquilo, aquele livro... Era a minha esperança e ele estava bem ali, rabiscando tudo, estragando tudo como se não fosse nada... Avanço para cima dele e consigo pegar o livro, saio correndo e chorando. Eu nunca vou ser uma escritora, nunca, nunca, nunca. Nunca mais consegui escrever uma frase se quer naquele livro. Mas eu o abracei naquele dia, meu sonho morto, e o enterrei na minha estante para sempre. Não gosto mais de histórias fantásticas. O mundo é duro, e vai matar todos os seus sonhos, então é melhor que você não tenha nenhum.

Momentos. Festa de 15 anos de alguém. Eu me sinto bem em meu vestido, mas não consigo deixar de olhar para as outras meninas e me comparar a elas. Eu sei que nunca vou ser tão bonita como qualquer uma delas. Mas eu gosto do meu vestido. Quero me divertir, quero ser normal. Tento dançar mas eu sou um fracasso. Como as outras meninas conseguem se sentir tão bem? Dançar tão bem? Tenho tanta vergonha. Aparece um menino e ele me elogia. Nenhum menino nunca havia me elogiado. Meus olhos brilham. Estou lisonjeada, ele me escolheu! Me sinto menos feia, porque ele me abraça e me beija e fala coisas bonitas. Concordo com tudo o que ele fala, quero que ele goste de mim, que continue gostando. Ele me pede meu telefone, eu dou. Ele liga, ele vem me buscar. Eu abandono o mundo por ele... Só porque ele me elogiou, só porque ele me abraçou. Agora eu entendo o quanto eu precisava de alguém para me fazer isso. Eu vou com ele, para onde ele quiser, para fazer o que ele quiser. Estou sozinha, está escuro, estou sem roupa e tremo, mas não é de frio. Ele parece tão grande, não consigo olhar em sua direção. Eu estou sozinha, eu estou sozinha, eu estou sozinha. Fecho os olhos e já não rezo porque sei que Deus a muito tempo me abandonou. Eu só fecho os olhos e tento controlar o fluxo de lembranças horríveis invadindo minha mente. Quero dizer não, quero dizer não, preciso dizer não, preciso muito dizer não... Mas nada sai da minha boca. Eu só tremo e tremo e tento me afastar. Me sinto uma criança idiota. Quero só chorar no meu canto. Quero desaparecer. Por favor mundo, me deixe desaparecer. Abro a porta de casa, eu estou totalmente quebrada por dentro, e ninguém vê. Meus pais estão me esperando, brigando comigo. Eu grito, eu finalmente grito, o grito que estava entalado na minha garganta naquele momento e me tranco em meu quarto. Quero morrer, quero morrer, por favor Deus, me mate. Eu sempre faço tudo errado, tudo... Como pude ser tão burra?

Momentos. Desligo o telefone depois de uma briga com meu melhor amigo. Eu estou sorrindo, porque não sou eu. Estou sorrindo porque sou um monstro e estou vendo um estilete na minha mesa. Eu o pego calmamente e me corto no braço esquerdo. Eu nunca havia sentido nada parecido, era como uma droga, circulando pelas minhas veias, me trazendo de volta a vida, me animando, me salvando. Me viciei. E foi o início do fim.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Nua



As palavras se derramam no papel e eu não tenho como não me lembrar do sangue em meus braços. São as duas coisas mais certas em minha vida, tanto quanto dois e dois são quatro. Tudo bem escrever, tudo bem, você não machuca ninguém, nem você mesma. Mentira. Minhas palavras rasgam tanto quanto a navalha que eu uso em meus braços. Sei disso. Adoro isso. Imagino que assim as pessoas possam ao menos ter uma tênue ideia de como eu me sinto. Todos os dias. Tudo é caos a minha volta. Apesar das pessoas que me olham de fora só verem uma garota desajeitada com cicatrizes de mais, fumando de mais, sozinha de mais. Nada muito revelador. O país das maravilhas está dentro de mim e diante de meus olhos. E você não vai acreditar, mas ele não é nada maravilhoso. As palavras continuam, se não no papel, em minha mente, junto com enxurradas de sentimentos confusos. E eu vou contar uma coisa para vocês, até hoje eu tenho dificuldade de nomeá-los, os sentimentos, digo. Mas tudo bem. Continuo alheia a tudo, balançando meus pés e fumando meu cigarro. Às vezes ouvindo uma conversa alheia, me aborrecendo com a chatice alheia. Tudo bem, tudo normal.

Às vezes penso ouvir coisas, sons estranhos, chamados, vozes distantes tentando falar comigo, mas logo passa e eu penso é que só uma impressão. Só uma impressão, só uma impressão. É importante repetir isso para mim mesma um número de vezes suficiente para eu me acalmar. Quanto aos meus olhos, já estou acostumada. Vejo coisas se mexendo, se distorcendo, etc. Às vezes só ignoro, às vezes não consigo ignorar e meus olhos se perdem nesse universo volátil. Talvez você já tenha me pego com os olhos inquietos, talvez não, espero que não. Gosto de parecer o mais normal possível. Sou indiscreta de nascença, mas discreta de criação. Aprendi a não chamar atenção e aprendi muito bem, acredito, espero. Então se não fosse meus braços você não diria nada de mais de mim. Imagina? Eu? Esquizofrênica? Borderline? Internada? Eu ficaria surpresa, muito surpresa. Continuem surpresos. Eu e qualquer um com qualquer problema psiquiátrico somos iguais vocês. Só tomamos alguns remédios a mais e fazermos terapia. O que tem de mais nisso? E se temos crises... Oras, ninguém é de ferro. Em algum momento da sua vida, você também vai explodir, guarde o que eu estou te dizendo. E então você vai entender como é a nossa vida, e como é lutar contra isso diariamente.

As palavras, as palavras... Há tanto que eu quero dizer. Uma pessoa me disse para eu tomar cuidado com o que escrevo aqui, acho que não foi a primeira que me disse isso. Disse que eu me exponho de mais, que isso pode ser negativo para mim, pode trazer consequências ruins. Sim, eu me exponho de mais. Estou nua aqui para vocês, façam o que quiserem. E é assim que eu quero estar para o mundo. Como ele me ensinou a ser. Sincera, cruel, fria e direta.

Enxugue essas lágrimas



Pessoas fracas e pessoas fortes. Eu sempre dividi todo mundo nessas duas categorias. Mas talvez eu esteja um pouco enganada. Costumava julgar pessoas como eu fracas. Pois eu não suporto a vida como deveria, meu andar é incerto e meus tombos frequentes. No entanto, quando olho para outras pessoas e seus problemas... Às vezes me sinto forte, consigo entender. O quão forte eu tenho sido. Mesmo que instável, mesmo que sangrando, estou seguindo em frente. Há tantas pessoas que por muito menos acabam com suas vidas, desistem, tomam um único tombo durante a vida inteira e não se levantam nunca mais. Acho que estou calejada. Deve ser por isso. Mas também sou fraca, muito fraca. Quando olho para pessoas em situações muito piores do que eu e mesmo assim, elas continuam sorrindo, continuam tendo esperança, continuam lutando. Poderia citar uma porção delas, do mesmo jeito que poderia citar uma porção de pessoas que desistiram por tão pouco.

O ser humano é uma coisa engraçada. Eu costumo pensar muito nas pessoas que vem procurar minha ajuda por causa desse blog, ou simplesmente alguém para conversar. Eu nunca posso fazer muita coisa, mas busco fazer o possível, ao menos uma palavra de consolo, um ombro amigo. E tento me convencer que não é um consolo em vão, que não é vazio, que vem de todo o meu coração... Por que eu não quero que ninguém nunca chegue perto de passar pelas coisas que eu passo e já passei, ou pelas coisas que muita gente no mundo passa e ninguém nunca fica sabendo. Então eu estou aqui hoje só para dizer, que não importa se você se enxerga como uma pessoa forte ou fraca, você não está sozinha. E não importa o que te fez assim, ou a sua história, ou onde você mora ou todas as dificuldades na sua vida, você não está sozinha. Não importa seu nome, sua idade, seu sexo, gênero ou sexualidade, você não está sozinha. Eu não posso dizer com certeza se as coisas vão melhorar ou não, também não posso dizer quando elas vão melhorar... Mas eu posso dizer que lutar vale a pena.

Então não desista. Por que amanhã pode ser o dia em que o sol vai aparecer e vai ser o melhor dia da sua vida (nunca se sabe). E você não irá vivê-lo se você desistir hoje. Ao longo desses anos escrevendo aqui e vivendo minha vida entre médicos e hospitais, a clínica onde fiquei internada... Eu conheci muita gente e ouvi muitas histórias. E você ficaria surpreso de como todas essas pessoas doentes continuam lutando para ter uma vida normal. E a maioria consegue! Realmente consegue. Eu vi isso, ainda vejo. Então não me diga que você é um caso perdido. Visite um hospital psiquiátrico, visite uma clínica psiquiátrica... E você vai ver que, às vezes, o caso mais complicado ali dentro ainda assim guarda consigo um potinho de esperança. E o que tem de mal nisso? Lá, cada pequena vitória é comemorada como deve ser e não há coisa mais bonita no mundo do que ver um depressivo enxugando as lágrimas depois de semanas chorando em uma cama e se levantando, falando, comendo... Não há nada mais bonito do que um esquizofrênico catatônico finalmente te olhando nos olhos e falando com você. As pessoas melhoram. Elas realmente melhoram. Eu te garanto. Você está longe de ser um caso perdido, muito, muito longe. Enxugue essas lágrimas e siga em frente. Vamos.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Morte anônima




Estou um pouco nervosa de mais eu acho. As lágrimas escorrem pelo meu rosto e não não me lembro mais porque. Viver tem se tornado cada vez mais difícil, talvez você tenha percebido. Eles me entopem de remédios e calmantes mas não adianta. A dor continua aqui dentro. Posso dormi o dia inteiro por causa desses malditos remédios e talvez seja isso que eles queiram. Ao menos dormindo eu não estou me destruindo... Eu estou morta. Tentei fazer um exercício da faculdade hoje, mas não consigo ler, meu cérebro não consegue manter o foco e as palavras se embaralham. Me sinto uma inútil idiota. Nem isso eu consigo fazer direito. É tão frustrante. Eu costumava ser inteligente, não costumava? Era o que as pessoas me diziam. Talvez elas fossem todas mentirosas, talvez eu tenha perdido essa habilidade também. E essas malditas lágrimas que não param de escorrer. Preciso que elas parem, preciso muito. Antes que alguém me veja nesse estado. Odeio quando as pessoas me veem nesse estado. Elas sempre querem me abraçar e conversar e a única coisa que eu quero é que o mundo queime, queime e desapareça em cinzas, levando toda minha dor consigo.

Eu não aguento mais... As pessoas falam que eu preciso me cuidar, que eu preciso parar de me cortar e tantas outras coisas, mas eu não aguento mais. Nada disso adianta. É tão frustrante... Tentar e tentar e não chegar a lugar nenhum. As pessoas se esquecem mas faz anos que eu estou lutando contra mim mesma e que... sabe... Eu também preciso parar para descansar. Não é justo. Não é justo que só a minha luta não possa ter trégua em momento algum. Não sou feita de ferro.... Não existe nada mais cansativo que eu já tinha passado do que lidar comigo mesma. Os sintomas, as facetas da minha personalidade, o ódio, a raiva, a dor. Está tudo aqui dentro, confuso e misturado e eu não sei o que fazer. Você diz para eu lutar por mim mesma, melhorar por mim... Eu olho para dentro desse caldeirão e não encontro nada em mim pelo que valha a pena lutar. Mas eu continuo, na medida do possível... Por que há pessoa que me amam e eu preciso tentar por elas, já que não consigo tentar por mim. Não me envergonho disso. É o jeito que eu encontrei para sobreviver.

Mas de um jeito ou de outro, a vida está complicada. Gosto de pensar na minha morte, não o depois da morte, meus amigos fodidos e tals. Não gosto dessa parte. Gosto de encarar a morte como uma libertação. Livre enfim. Feliz. Finalmente igual a todo mundo. Sem doenças, sem remédios, sem pernas e braços amarrados em uma cama... Nada disso. Sem dor, sem lembranças ruins, sem lágrimas, sem sintomas, sem pioras, sem infernos... Só a morte. Anônima. Sem cor, sem ser, sem nada.

domingo, 17 de março de 2013

A noite é uma criança



Foi um bom dia, não? Como eu não tinha há muito tempo. Acho que ainda estou um pouco tonta porque as imagens no computador estão dançando. Tanto faz. Meu peito ainda dói, absurdamente. Por que? Foi um dia bom, foi um dia bom! Conheci duas pessoas maravilhosas. Ser sociável, certo? É o que todo mundo está falando para eu ser há meses... Acho que finalmente consegui. Consegui? "Você também é como o vento?". Fiquei pensando nessa frase... Talvez seja só bobeira minha. Sim, eu também sou como o vento. Gostaria de fechar os olhos e desaparecer, gostaria tanto disso no momento. Ela sorriu para mim. Parecia a pessoa mais feliz do mundo. Me dê um pedacinho dessa felicidade por favor? Eu quero essa alegria. Ela sorriu para mim e era tão linda que eu mal podia acreditar. É uma pena que as coisas mais bonitas do mundo duram tão pouco. As coisas vão embora, as pessoas vão embora. Elas sempre precisam ir embora, de um lado para o outro, atrasadas, desesperadas. Eu tento segui-las as vezes, mas não dá muito certo.

Mas eu deveria estar feliz, não é mesmo? Eles eram ótimos, tudo estava ótimo. Mas o vento sopra e leva tudo embora. De repente estou de volta em meu quarto solitário, minha prisão particular e no fim, que diferença faz? Viver. Que diferença faz? No fim estou sempre sozinha... Olho para as pessoas a minha volta, leio suas páginas no facebook, blogs, tanto faz. Todo mundo está sempre tão feliz (ou será cegueira minha?), com tantas coisas para compartilhar, piadas, festas, encontros, família, amigos, amor. Tenho vontade de me dar um tiro na cabeça. Quando eu vou fazer parte desse mundo? Às vezes... Como nesse dia, eu me sinto parte de algo, algo não muito bem definido, mas mesmo assim, me sinto parte. E rezo para que esse sentimento não escorra pelas minhas mãos. Mas ele escorre, desaparece e pá. Estou de volta em meu inferno. Sinto inveja, raiva, desespero. Por que as coisas são sempre tão difíceis? Minha mente é tomada pela escuridão. Meu monstro se mexe inquieto dentro de mim.

Eu preciso fazer alguma coisa. Simplesmente preciso. Meu pulso dói. As pessoas não entendem. Sinto que há um batalhão de vozes me dizendo o que fazer, como eu devo me sentir e como as coisas podem e vão melhorar. Mas são tantas vozes que eu não entendo nenhuma delas. Tapo meus ouvidos e fecho os olhos. Dentro de mim a vida corre pelas minhas veias, se derrama pelos meus cortes abertos, inunda meu cérebro. Eu estou viva. Eu estou viva. Meu monstro concorda com a cabeça, em silêncio. Ele não precisa dizer nada. Eu também não preciso dizer nada, nós nos entendemos. Somos opostos mas não deixamos de viver no mesmo espaço apertado que é esse corpo, de ver as mesmas coisas, sofrer as mesmas consequências e desfrutar as mesmas experiências. Somos irmãos, de carne, de sangue, de alma. Ele concorda comigo e sorri. Ainda há tanto para se viver. Tanto para se destruir.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Ausência




Vazio. Inquietação. Dor. Principalmente o vazio. Eu sorrio para as pessoas e continuo tentando sem gentil. Gostaria tanto de um amigo aqui comigo, gostaria tanto de um cigarro aqui comigo. Eu sorrio mas é tudo mentira, se as pessoas pudessem ver como eu sou por dentro, o quão podre e quebrada eu sou por dentro, ninguém se aproximaria e diria coisas bonitas como algumas pessoas dizem. Na medida do possível eu estou tentando... Ainda não desisti. O problema são essas pequenas coisas do dia-a-dia que me derrubam. Essas fotos, essas pistas do que está acontecendo naquele universo que um dia eu pensei ser meu. No fim... Eu nunca pertenci àquele lugar, não é mesmo? Eu era só a namorada de alguém. Namorados vem e vão, os amigos nunca dão muita atenção para eles... Alguns inclusive ficam com raiva porque acham que ele (o namorado) está roubando muito tempo e atenção que poderiam ser gasto ali, entre amigos. Eu fui só um intrusa. E agora nem isso eu sou. Bom, agora acho que ninguém precisa ficar com raiva de mim.

Estou triste agora, muito triste. Não tenho mais vontade de ir para a faculdade, acho que era de se esperar. Não tenho mais vontade de coisa alguma. Pensei em assistir filmes fortes porque isso me da uma sensação engraçada, mas eu não tinha nem ânimo para procurá-los na pasta do meu computador onde eles estão. Pensei em me cortar de novo mas está cada vez mais difícil esconder isso da minha mãe. Estou com oito cortes novos no meu pulso esquerdo, esse número está me incomodando... Precisa ser três ou um múltiplo de dez. Gosto que eles tenham um padrão. Estou triste... E feliz por estar conseguindo perceber que estou triste finalmente. Algumas pessoas me chamaram para sair, algumas vieram conversar comigo... Isso é legal da parte delas... Eu só queria ter mais energia para sair com todo mundo. Esse sorriso que eu preciso estampar no meu rosto quando encontro alguém... Não é que eu seja falsa, eu só não quero causar problemas, só não quero desabar na frente de ninguém. Não quero que ninguém me veja quando as coisas começam a dar errado.

Para as outras pessoas sempre parece tão fácil... Aos meus olhos. Talvez não seja, mas então elas sabem mentir muito bem. Voltei a tomar os malditos calmantes, odeio o que eles fazem comigo. Me sinto tão morta e anestesiada. Minha mãe, minha psicóloga e meu psiquiatra falam que eu tenho que tomar nessa fase, quando estou me cortando muito e sendo impulsiva, mas eu odeio. O calmante é lerdo de mais para fazer efeito, eu consigo fazer um estrago bem grande até ele começar a fazer efeito. Enfim... É quase inútil. Tirando uma ou outra situação. De qualquer jeito as pessoas insistem que a vida continua. Talvez a delas. Não a minha. Estou estacionada em algum deserto, esperando alguém que disse que ia fazer alguma coisa e que voltava logo. Ninguém vai voltar, sei disso tanto quanto sei que o sol queima minha pele e no entanto continuo lá. Esperando.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Quebrado em mil pedaços




Eu tento não pensar, tento não sentir, tento manter meus pés em linha reta. Vai ficar tudo bem, posso ouvir sua voz em meus ouvidos, vai ficar tudo bem... Me lembro de tudo que vivi com você, tudo tão real, tão bom. Me esqueço por um instante de todos os problemas que tivemos, todas as brigas e términos, todas as lágrimas. Meu peito dói, meu pulso também. Eu realmente não sei o que fazer, estou confusa e perdida, olhando sem entender, como se uma tempestade tivesse passado por mim e me tirado tudo. Era esperado, não era? Mas eu não quero ver, eu nunca quero ver. Me deixe pintar minha vida de uma forma mais bonita, por favor. Me deixe fantasiar, criar expectativas, ideias, felicidades inexistentes. Sigo mentindo para mim mesma. Está tudo bem. Ela vai voltar, sei que vai. E enquanto um lado do meu ser sorri e cultiva essas mentiras o outro explode de raiva. Como você pode fazer isso comigo? Como pode? Não é justo, não é justo, não é justo. Eu te amei tanto, com todo o meu ser, de todas as formas possíveis e no fim nada disso importa. E assim eu me divido, mais do que o normal. Não consigo entender mais o que eu estou sentindo, minha reação física está desconectada da minha reação emocional, dou risada quando quero chorar, e a dor me leva a auto-mutilação, mais e mais dor. Estou fazendo tudo ao contrário, uma completa bagunça.

Você vem falar comigo e uma parte de mim chora, outra parte sorri, outra parte quer voar em seu pescoço. Às vezes te maltrato, às vezes te chamo de amor, às vezes me faço de vítima. E você sempre respondendo a mesma coisa... Como se, no fim, o jeito que eu estou pouco importasse. Como se você só precisasse dizer para si mesma que está fazendo algo. Meu cérebro está lotado de ideias ruins relacionadas a você. Mil motivos para você ter me deixado, mil pessoas que você poderia ter começado a amar, mil erros que eu possa ter cometido. Eu não sou boa o bastante, é minha ideia preferida. Você vai pegar aquela menina, segunda ideia preferida, você nunca me amou, você só me usou, etc, etc, etc. Não consigo chegar a conclusão nenhuma, não consigo entender ou aquietar as vozes em minha mente. Não me conformo. Não aceito. Não entendo. Você vai ter que perdoar minha infantilidade, mas eu sou uma pessoa bem burra no quesito entender a cabeça alheia. Todos somos, creio. E os dias passam. E eu vou piorando gradativamente. Ontem voltei a ter medo de tomar banho. Voltei a acreditar que meu monstro ia sair do meu peito quando eu fechasse os olhos e me atacar. Minhas pernas não param quieta. Não durmo de noite. Voltei a me cortar. Voltei a beber. Estou fumando muito mais. Tolerância zero a frustrações, irritabilidade, agressividade. Os sintomas de despersonalização voltaram. Paranoia. Medo. Pânico. Impulsividade. Auto-destruição. Enfim... A lista é longa.

Está tudo errado, não é mesmo? E eu não me importo nem um pouco. Se existia algum amor para com a Sabrina, essa Sabrina, morreu nos últimos dias. Às vezes chego a tentar pensar nos meus amigos, eu só gostaria de não preocupar ninguém, de não dar trabalho para ninguém. Eu amo cada um deles, de todo meu coração. É o que ainda está vivo aqui dentro. Gostaria de tê-los comigo sempre, gostaria de não decepcioná-los... Mas eu sei que isso não é possível. Espero que um dia eles me perdoem, perdoem meu egoísmo e minha fraqueza. Eu não sou boa o bastante para nenhum deles, gostaria de ser, mas não sou. Eu odeio a Sabrina, odeio quem ela foi e quem se tornou tentando fugir do que era. Eu estou perdida. E o mundo não vai parar para eu me encontrar, ele nunca para.

terça-feira, 12 de março de 2013

Meu monstro e sua voz.



Eu não reconheci minha voz quando fui comprar aquele estilete. Soou... masculina, forte, decidida. Não era eu. Era meu monstro, eu sei disso, mas a moça que me vendeu aquele estilete não sabia. Isso fez meu monstro sorrir para si mesmo. Ninguém pode nos impedir, não é ótimo? Ninguém pode ver o que se passa aqui dentro, ninguém. Podemos nos destruir... Não há ninguém mais que possa segurar nossas mãos, mudar nosso pensamento e salvar nossas vidas. Foi o que ele pensou. Um segundo, uma imagem, uma palavra e pronto. Tudo desaba, ele assume o controle e você pode esquecer. Ainda me sinto estranha, um pouco desconectada, um pouco alheia a tudo. Às vezes minha visão se afasta de meu corpo e eu vejo tudo de cima, de longe. Quem é aquela menina estranha mesmo? Não me lembro mais. Há todas essas sensações e esse corpo que não é meu, essas mãos que não são minhas, essa voz, esse jeito de ser, toda essa personalidade complexa extremamente diferente do que eu sou ou conheço. E não tem muito que eu possa fazer. Continuo observando de longe, enquanto aquela voz estranha compra um estilete, enquanto ela se tranca em um banheiro e rasga minha pele. Quem deu o poder para ele fazer isso? Quem ele pensa que é? O que é isso que está sempre comigo, sempre nos piores momentos e nos melhores também, me lembrando que as coisas logo vão voltar a piorar? Meu lado "racional" entende meu monstro como sendo uma parte de mim, uma parte que eu não consigo aceitar como sendo minha. Meu lado emocional grita que ele não sou eu e ponto. Não sou, não sou, não sou.

Acho que é a terceira vez no último mês que minha psicóloga ameaça me internar. Do jeito que eu estou indo não quero nem pensar onde eu vou estar daqui um tempo. De volta para a casa dos artistas. Deprimente. Não consigo nem passar alguns poucos meses sem minhas oscilações estratosféricas, sem pensar em me matar, me cortar e me perder na complexidade do "eu". Eu deveria estar triste, por tudo que me aconteceu nos últimos dias, mas estou extremamente hiperativa e insensível. Meu monstro está me influenciando. Não estou com medo de ser internada no momento, nem com raiva, nem nada. Estou, pura e simplesmente, foda-se. Foda-se. Eu não quero mais todos esses remédios idiotas, não aguento mais o que eles fizeram de mim, em quem eu me tornei por causa deles. Não quero mais tentar parar de fumar porque isso "faz mal", foda-se. Não quero mais copos de bebidas alcoólicas sendo afastados de mim. Não quero todas essas regras idiotas de que a Sabrina precisa ser assim ou assado. A Sabrina é quem ela é. Sem diagnósticos, sem normas ou padrões, sem remédios. Tão complexa quanto ela possa ser, tão problemática o quanto ela possa ser.

E qual o problema nisso? Isso sim me irrita mesmo em um momento como este. Qual o problema? Esse monstro existe, eu existo e nós, agora sim me junto com toda a boa vontade do mundo com meu aparente inimigo, porque nós estamos sempre tão errados? Precisamos tanto ser concertados? Estou cansada de tentar enxergar o mundo do jeito que todo mundo o enxerga. Por que o mundo não tenta ao menos uma vez na vida enxergar o mundo do jeito que eu enxergo? Do jeito que meu monstro enxerga? Não é justo. Não, eu não estou errada. Sim, eu tenho o direito de fazer o que eu quiser ou precisar com a minha vida. Não vou pedir desculpas. Está na hora de eu ditar as regras.

Uma carta de despedida



Desde o começo eu soube que você não me amava como eu te amo. Sempre foi óbvio... Mas eu costumava acreditar que esse seu amor seria o bastante. Parece que não. Parece que eu confundi um pouco as coisas. Agora nada mais parece fazer sentido. E o fato do meu corpo se encaixar tão bem em seus braços. A energia que eu sinto quando nossos lábios se encontram, nossos olhares, tão cúmplices, nossa sintonia, seu sorriso, seu toque, você é tão gentil comigo que chega a doer. De repente tudo isso não tem mais significado algum. Pensar em nós costumava me dar esperanças. Dois peixinhos nadando contra a correnteza. Desde o começo fomos contra a correnteza... E eu realmente pensei que poderíamos vencê-la. Cheguei a sonhar com nós duas, eu realmente sonhei. Mas agora nada disso importa. Tanto faz.

Você prometeu que eu não estaria sozinha. É o que você diz, mas eu nunca me senti tão sozinha em toda a minha vida. Me desculpe, me desculpe, mas eu me sinto abandonada em minha própria tempestade. Olho para os lados e é tão difícil ver alguém... Não é por maldade, sei que tenho amigos que me amam muito, é só que a dor me cega. A vida dos outros continua, sempre continua, e a minha não. No fim não importa muito o motivo, minha vida sempre para. Você vai me superar, sei que vai, provavelmente já está superando. Eu não. Eu vou chorar como uma criança abandonada pelos próprios pais, vou chorar até meu monstro assumir o controle. Vou carregar as marcas da minha dor em minha pele para sempre. Vou me martirizar até não sobrar quase nada. Eu sei que vou. Eu sou assim. Não importa quantos remédios me empurrem goela abaixo, não importa se vão voltar a me jogar dentro de uma clínica psiquiátrica. A Sabrina é assim e é sangrando a única forma que ela sabe lidar com a dor.

Não suporto despedidas. Faz tão pouco tempo que eu te dei um último abraço e já me parece que se passaram séculos. Sinto tanta sua falta... Me sinto uma idiota por te amar tanto, por ter acreditado em uma mentira durante tanto tempo. Agora acabou. Eu não tinha nada há dois anos e meio atrás, nem razões para viver ou coisa alguma...Foi quando você surgiu e iluminou minha vida. Agora estou aqui, dois anos e meio depois e de novo não tenho nada, só uma pilha de lembranças nas costas, muitas cicatrizes a mais, e olhos e coração cansados de uma vida que não nasceu para dar certo. Não sinto nada, só essa vontade de me cortar, de fazer algo de errado. Me sinto morta. Eu já estava me sentindo invisível e inútil antes de você terminar comigo, agora sinto como se estivesse desaparecendo. Minha dependência é completamente ridícula mas não sei como evitá-la. Algo morreu dentro de mim, posso sentir o cheio da vida apodrecendo e eu não sei o que fazer. E sempre que eu penso que não sei o que fazer, minha mente se volta para a auto-mutilação. Estou encurralada, me sinto encurralada... Minha mente está tão cheia de coisas ruins. Não sei o que fazer com elas, não faço ideia.

Do jeito que você diz parece fácil, mas você não está na minha pele, não é mesmo? Você diz que vai ficar tudo bem, mas eu não consigo enxergar isso. Queria acreditar em você, mas as coisas não são tão simples assim. Queria ficar feliz por você, por ter se livrado de mim e tudo o mais, feliz porque você está fazendo uma coisa boa para você mesma, mas eu não consigo. Não sou boa o bastante para conseguir sentir isso ou pensar dessa forma. A verdade é que eu estou absolutamente desapontada... Eu esperava mais.

quarta-feira, 6 de março de 2013

Amor?



Minhas mãos rachadas. Meu toque não é macio. E meu abraço desajeitado, um pouco desesperado demais. Está tudo bem para você? As lágrimas estão o tempo todo escorrendo pelo meu rosto e às vezes eu me machuco. Está tudo bem para você? Não suporto a solidão mas rejeito quem tenta se aproximar. Tenho medo. Tudo bem? Eu vou pedir desculpas, o tempo todo, porque eu me sinto tão errada... As coisas estão sempre erradas comigo. Meu corpo, meu humor, meus sentimentos, meu jeito de ver as coisas, minha paranoia. Mas está tudo bem para você? Tento fincar meus pés no chão e me agarrar às certezas incertas. Grito para todo mundo ouvir se você quiser, essa certeza aqui dentro, mas a verdade é que eu não sei. Não sei nada sobre nada. De qualquer jeito, tento ser um porto seguro, você pode voltar para mim sempre que quiser. No fim você sempre volta para mim. Talvez isso seja amor, talvez. Eu só queria que você não precisasse tanto se afastar. Eu gostaria que você me arrancasse desse chão e me levasse com você. Tudo bem você me levar com você, de verdade, eu posso ser legal, sou uma boa ouvinte, você só precisa me dar uma chance.

Às vezes você me trata como se eu fosse feita de cristal e outras... Como se eu fosse feita de titânio. E geralmente deveria ser tudo ao contrário. Você é uma bagunça. Uma adorável bagunça. E eu não sou feita de cristal, mas também não sou feita de titânio. Você pode dividir seus problemas comigo, isso não vai me fazer mal nenhum. Mas você não pode me rejeitar e me excluir da sua vida porque você está com problemas e que, por sua teimosia, você quer resolver sozinha. Isso não é uma coisa muito legal de se fazer com as pessoas. Eu sou sua amiga, não sou? Amigos confiam um no outro. Mas as coisas vão se resolver, sei que sim, se conseguirmos conversar e nos entender. Podemos fazer isso, não? Vai dar tudo certo no final, como sempre, não é? A gente já passou por tanta coisa juntas, dois anos e meio não são pouca coisa para nossas curtas vidas. Sim, estou sentindo, estou sentindo algo bom, depois de tantos dias só me sentindo cada vez pior, em um redemoinho de dor e solidão. Hoje foi diferente. Hoje eu sentei sozinha como sempre, com meus cigarros e meus livros e tudo bem. Está tudo bem. Me olhei no espelho e me odiei pacificamente, suspirei e segui em frente, o que mais eu poderia fazer?

Eu não sou quem eu gostaria de ser. Tudo bem. Você está comigo e é só você que consegue fazer eu me sentir a vontade comigo mesma, só você consegue fazer com que eu me olhe no espelho e possa sorrir. Talvez você não perceba, mas você ilumina todos os lugares que você entra e eu sinto um ciumes enorme porque todo mundo se aproveita disso, sua luz não é só para uma pessoa, é para todo mundo. Eu sou egoísta, gostaria que você fosse só minha, mas você não é. Graças a deus você não é. De que serve uma luz presa em uma caixa afinal? É... Eu me orgulho de você, me orgulho tanto que nem sei expressar. Eu quero continuar a ver você alegrando e dando vida para tudo a sua volta, só não se esqueça de mim. Eu estou aqui, bem onde você me deixou. Não se esqueça, por favor.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Por que a luta continua?



Errado. Você não enxerga? Não percebe?

Onde está você? Não te sinto mais... Não te vejo mais... Não te ouço, não te nada. E tudo bem, para você aparentemente tudo bem. Eu pensei ser alguém, pensei em fazer a diferença, mas nada. Me sinto gritando do outro lado do oceano. Você nunca vai me ouvir. Tudo o que eu quero é quebrar essa barreira, atravessar essa maldita distância, fazer você se lembrar de quem eu sou. Mas nada. Estou sozinha e tem esse monstro dentro de mim, crescendo e crescendo, sinto a raiva dele direcionada a você e a todas as pessoas que eu amo e eu sinto que me abandonaram. Eu tento me controlar, o tempo inteiro. Mas ninguém sabe o quão difícil é. Sei que na maior parte do tempo a culpa é de ninguém, mas eu não consigo explicar isso para mim mesma. Eu só... Sinto. A dor, a solidão, a raiva. E de novo, de novo e de novo. As coisas não estão bens. Há um bom tempo eu estou avisando. As coisas estão muito, muito erradas.

E eu não sei o que fazer. De repente não sinto mais. E isso consegue ser pior do que a dor. De repente eu morri e nada mais importa. E quando nada mais importa, eu estou aberta a qualquer coisa, qualquer coisa. Talvez você entenda o que eu quero dizer, talvez não, espero que não. Quando se chega ao inferno, não existe pessoa no mundo capaz de te salvar, não existe mais amor, não existe mais orgulho próprio, não existe mais anda. É você contra seus próprios monstros, contra você mesmo. Talvez você consigo vencer e sair de lá, talvez não, impossível saber. Já fui muitas vezes para o inferno e voltei, mas a cada nova viagem, mais eu penso que minhas chances de voltar estão diminuindo. Eu não quero me perder, não é essa vida que eu escolhi para mim, não quero passar meus dias dentro de uma clínica, apodrecendo lá dentro enquanto o mundo inteiro tem a porra de uma vida perfeita e não percebe. Não quero passar meus dias dopada, amarrada em uma camisa de força ou em uma cama...

Não quero voltar para o inferno. E no entanto as coisas sempre caminham nessa direção. O que eu posso fazer? Tenho vontade de chorar toda a vez que tenho que tomar meus remédios, tantos remédios... E eu continuo piorando e piorando. Por quê? Por que não posso encontrar a porra do equilíbrio? Por que minha cabeça não pode funcionar como a de todo mundo? Isso não está dando certo, não está dando nada certo. Quero gritar na cara do meu médico, de todos os médicos, da minha psicóloga e todo mundo que um dia acreditou que existe saída para pessoas como eu. Não existe. Tudo o que estamos fazendo aqui é adiar o que há muito tempo já se tornou óbvio. Não? Não é isso que estamos fazendo? Mais um dia, mais uma luta, mais um dia e outra luta. Até que eu me destrua, enfim. Sem mais energias para lutar, sem mais remédios que possam me segurar, sem mais pessoas que um dia acreditaram em mim. Posso ver o futuro em dias escuros como este e ele não é nada agradável. Por que eu continuo lutando?

sábado, 2 de março de 2013

A diferença entre alegria e mania



As coisas mudam. O cinza se torna colorido, saturado demais, meus olhos doem, minha cabeça também, mas eu não ligo, eu não ligo para mais nada. Há um tempo atrás tudo se desligou e agora ligaram tudo de novo, na velocidade máxima, a todo o vapor. Eu sinto a vida. Eu quero destruí-la com um sorriso nos lábios. Olho meus braços e até faço planos. Mas não estou triste, não, não estou. Não estou deprimida, não estou nada. Estou energia, sem nome, sem motivo, sem para que ou porquê. Energia pura, energia que corre por minhas veias, energia que grita para sair, para assumir o controle, para se libertar. Tenho vontade de rir, pode parecer um pouco insano mas é que a vida às vezes é um pouco engraçada demais. Estou sorrindo agora, estou sorrindo para todo o lado há dois dias diretos e isso não é muito normal para mim. Eu deveria ser uma boa menina e me comportar, mas meu monstro me cutuca e me faz rir, como um melhor amigo que te obriga a fazer coisas erradas, uma má influência. Ou uma desculpa para você viver e não se sentir culpada. Amigos... Eu quase sempre tive uma tendência a me aproximar das pessoas "erradas" e ser influenciada por elas. Agora eu mesma sou a má influência, não preciso de mais ninguém. Posso viver. Posso me destruir.

Há poucas sensações tão boas no mundo quanto se deixar levar. Feche seus olhos e esqueça, só esqueça, se afunde na lama, se perca na escuridão, caia abismo abaixo. Sem lágrimas, sem medos, só um sorriso no rosto e o alivio de poder finalmente estar em paz. Gostaria de poder correr e gritar, destruir algo, ser louca em paz. Gostaria de não precisar me olhar no espelho, me analisando dia após dia, incansavelmente, em busca de mudanças, mudanças que eu sinto aqui dentro e tenho medo de se tornarem reais e perceptíveis para qualquer um por fora. Mas no momento nada disso importa. Já nem sou mais a Sabrina, ela fechou os olhos, eu sou o monstro. Eu gosto dessa energia. Eu convidaria o mundo para vir comigo, se perder comigo, ora, todo mundo deveria experimentar isso um dia. As pessoas precisam viver. A Sabrina precisa viver. Todos esses remédios que tentam me controlar, todos esses exames, médicos e terapias... Poderiam ir tudo para o inferno, poderiam. Eu não sou o inimigo, é isso que a Sabrina e as pessoas precisam entender. Eu quero ajudar, eu sempre ajudo.

Não, mas ninguém consegue ver. Tanto faz. O importante é que eu existo e dias como esse existem e nós podemos viver, enfim, em meio a tanta repressão e proibições cansativas. Nenhum remédio nunca conseguiu me destruir, nenhuma terapia, nenhum médico, nada. Eu estou bem aqui, e vou sempre dar um jeito de viver, porque eu amo a vida (ao contrário do que vocês pensam). Eu amo a vida que vocês não querem que eu tenha, a vida que vocês me proíbem de ter. Mas um dia, um dia eu ainda assumirei o controle por tempo suficiente para libertar essa menina um pouco bobinha demais.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Diálogos



Por que você se sacrifica desse jeito? Por que o amor parece tão distante, tão abandonado e esquecido? Eu só não entendo... O que você fez de tão errado? Que não possa ser perdoado ou esquecido? E se há um Deus lá em cima, ele não está te olhando com todo esse ódio. Você não sente? Você nunca deixou de ser só uma criança e não há nada de errado com você. Nada de marcas, nada de cicatrizes ou sonhos ruins. Eu sei que se você fechar os olhos você ainda pode sentir sua pele lisa e suave. Não, não. Não há nada de errado com você. Só uma criança perdida, acostumava a dureza do chão, as noites mal dormidas, a monstros. Mas por que todo esse sacrifício? Você poderia ser simplesmente feliz, não poderia? Você poderia ser como qualquer um, não poderia? Ninguém te odeia além de você mesma, você sabe. Ninguém te impede além de você mesma, ninguém segura a porra dessa lâmina, só você. É só você. Você olha no espelho e vê monstros, não há monstros, nunca houve. É você, essa coisa que te olha de volta, isso tudo que você tanto odeia sem motivo, essas sensações, alucinações, tanto faz. É você.

Não. Não sou. É fácil dizer quando não é você que está sentindo, que está vendo, que está sendo. Há esse algo dentro de mim e não sou eu, tenho certeza que não sou eu, como você tem certeza que um espinho em seu dedo não faz parte do mesmo. Eu sinto. Eu sei. Eu me olho no espelho e nas sombras do meu olhar eu posso ver, posso ver que não sou, que tem algo de errado, que nunca vou ganhar essa guerra. Você diz sacrifício, seria sacrifício se eu tivesse escolha, não existe escolha. Eu não escolhi ter a vida que eu tenho, não escolhi ser quem eu sou, nascer onde eu nasci e ter vivido o que eu vivi. Mas sim, eu seguro a lâmina, eu me machuco, faço mal para mim mesma. Não é um sacrifício, é uma droga, uma espécie de remédio não muito recomendado. Mas que funciona, infelizmente funciona muito bem, me acalma, me ajuda a retomar o controle, a lembrar que estou viva e que o mundo real ainda existe e não vai desaparecer. Você diz que sou eu, que só existe eu aqui dentro, que só eu posso me impedir, me odiar, etc. Você não faz ideia da complexidade dessa palavra dentro de mim... "eu". O que é "eu"? Eu é quem está no controle em determinado momento. Eu sou a Sabrina. Eu sou o monstro. Eu sou a criança perdida. Eu sou todos ao mesmo tempo ou nenhum deles. Eu sou nada. É assim que as coisas são.