"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Uma certa fobia social



Eu estou com raiva, estou mesmo. E foda-se se isso é ser egoísta, se isso significa que eu não estou vendo o lado das outras pessoas. Ninguém está vendo o meu. Está tudo errado. Eu cansei de ouvir milhões de pessoas dizendo que seria de um jeito ou de outro, cansei de ouvir promessas. "Eu vou estar lá com você", "você não está sozinha", "você vai se sentir bem de novo"... Mentira. Não há ninguém aqui comigo. Ninguém. Estou tão cansada de andar de um lado para o outro naquele lugar e não fazer diferença para ninguém. Eu sou invisível... Se eu me matasse no meio do corredor ninguém iria ligar, ninguém saberia meu nome, da onde eu vim, o que estou fazendo ali. Eu só queria um amigo... Alguém que me desse forças para levantar da cama de manhã e fazer o mesmo caminho, dia após dia. Porque sem um amigo, eu não consigo. Não consigo seguir em frente. Passo horas e horas extremamente solitárias e minha cabeça funciona cada vez menos. Posso sentir a dor tomando todo meu ser, a escuridão contaminando minha mente. Eu preciso de alguém, alguém que ria comigo, alguém que me olhe nos olhos e, assim, eu possa ter certeza que pelo menos para aquela pessoa, naquele momento, eu existo e eu faço a diferença.

Mas essa pessoa não existe, não aqui, não agora. E eu continuo invisível e não faço ideia de porque existo. As horas passam, os dias passam... E nada muda. Sento no meu lugar de sempre, fumo meu cigarro, escuto música, observo as pessoas, sinto vontade de chorar e bater em alguém. Eu não sou feliz. Não consigo prestar atenção nas aulas, nada me interessa. Por que eu estou aqui? Olho para meus braços, minha perna...  Cortes recentes, depois de mais de dois meses conseguindo me controlar. 10 cortes. Quantos serão na próxima vez? Me sinto um fracasso. Tenho vergonha de mim mesma. Me enterro em minha cadeira rezando para que ninguém me faça perguntas, ao mesmo tempo, rezo para que um amigo caia do céu. Alguém que não se importe com tudo isso, alguém que me faça rir e me escute. Então, com o tempo, eu também vou poder fazer com que ele ria e se sinta ótimo. Seria legal. Mas as coisas não são tão fáceis assim. Algumas pessoas até se aproximam, mas eu entro em pânico, meu medo da aproximação é tamanho que eu só consigo pensar em me livrar da pessoa o mais rápido possível, sem nem conseguir perceber se ela é legal ou não.

Eu preciso mudar. Eu preciso parar de me odiar tanto, conseguir levantar a cabeça e me apresentar para o mundo, ao invés de ficar me escondendo pelos cantos. Eu só não sei como... Não aguento mais tantos problemas, sento no chão de frente para eles e a única coisa que eu consigo fazer é me machucar, minha mente não funciona de outro jeito, é só assim. Minha culpa, minha culpa, minha culpa. Machucados, marcas e sangue. Por que eu simplesmente não consigo levantar e contornar essa pilha imensa de problemas? Eu não sei... Creio não ter forças, não sei, não entendo também. Espero um dia fazer diferença para alguém ali dentro.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

A luz no fim do túnel



Já fui criança um dia, mas não me lembro muito bem. Já fui adulta antes da hora, já fui pega desprevenida e já esperei pacientemente pelo pior, sabendo que ele viria. Já briguei na escola, inúmeras vezes, já chorei, já me tranquei no banheiro de vergonha depois de ser humilhada publicamente pelos meus amigos. Já me desesperei tanto que não consigo descrever, já sai correndo no meio da rua porque não sabia como lidar com o problema no qual eu me encontrava. Já gritei como louca por nada, já soquei paredes, atirei objetos para longe ou em direção a alguém, já me mordi, me bati, me arranhei, já bati nos outros, já me arremessei contra a parede para bater a cabeça do jeito mais forte que eu conseguia. Já me cortei com facas, estiles, giletes, canivetes, pedaços de vidros, espinhos, tesouras. Já bebi até começar a ver coisas, já fumei até não conseguir mais falar. Já experimentei drogas. Já perdi o contato com a realidade, já perdi a consciência, já estive tão nervosa que não conseguia controlar meu próprio corpo, já estive tão perdida que não conseguia mais ser racional e manter uma linha de raciocínio enquanto falava, já vi coisas que não existem, já senti coisas que não existem. Já tive ataques de choro, ataques de raiva, ataques de alegria, ataques de impulsividade, ataques de automutilação, ataques de qualquer coisa.

Já fui internada, já fui amarrada a uma cama, já fui dopada. Porque eu precisava me cortar e eles não entendiam. Já conversei com enfermeiros, com médicos, com psicólogos, psiquiatras, bipolares, depressivos, borderlines, esquizofrênicos, bulímicas, anorexas, pessoas com transtornos de ansiedade, de personalidade, pessoas  aparentemente sem nada. Já tomei tantos remédios que senti vontade de vomitar, ainda tomo todos esses remédios. Já odiei quase todas as pessoas que eu amo, já amei muitas pessoas que odeio. Já me sacrifiquei inúmeras vezes, inutilmente. Sempre me coloco em posição inferior as pessoas a minha volta. Já quis ser livre, já quis abandonar tudo, já quis tomar todos meus remédios de uma vez ou jogá-los todos na privada e dar a descarga. Já quis tanto fazer algo de errado que as palmas da minha mão chegaram a coçar. Já tive tanto medo de errar que isso me obrigou a permanecer dias de cabeça baixada, sem nem pensar em dar um passo a frente. Já implorei para deus me matar. Já quis implorar para as pessoas a minha volta para que não deixassem eu me matar.

Já tive dias péssimos, já fui resgatadas inúmeras vezes do inferno onde às vezes eu acabo caindo. Já tive uma segunda chance, uma terceira, quarta, quinta, sexta... Já recebi sorrisos e abraços, palavras bonitas. Já fui amada. Já tive dias ótimos, já ouvi minha voz com segurança, seguindo uma linha de raciocínio perfeita como todo mundo, já sorri e também dei abraços, já consegui ajudar alguém, já fui útil, já fui normal. Já fui feliz. Eu ainda sou feliz. Às vezes eu passo tantos dias imersa em minhas sombras que eu esqueço que minha doença ou tudo o que eu sou (no fim é a mesma coisa) é como um pêndulo, ou uma montanha russa, ou um iô-iô. Vai e volta. Se hoje as coisas não estão boas, amanhã elas estarão e se depois de amanhã elas voltarem a ficar ruim, logo depois elas voltarão de novo e de novo. Está tudo bem. Há uma luz no fim do túnel e, por enquanto, vamos só pensar nessa luz e não no outro túnel logo a seguir.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Eu quero contar uma história.



Quero contar uma história. Preciso contar uma história. Ela está bem aqui, entalada em minha garganta por anos e anos. Eu simplesmente preciso. As lembranças doem e eu nunca vou conseguir me livrar delas, não importa o quão bem eu esteja, elas sempre voltam. Mas não são só essas lembranças que eu preciso contar. Há essa sensação que eu nunca contei para ninguém, essa sensação de que ainda existem enormes lacunas na minha memória, coisas que eu ainda não tenho acesso. Desconfio que seja porque elas são dolorosas de mais para serem lembradas. Mais dolorosas ou não, eu quero conhecê-las, preciso saber. Preciso conseguir colocar minha história em uma mesa, clara e limpa bem diante de meus olhos, e contá-la em alto e bom som, nua e crua. Eu preciso. As palavras embolam em minha garganta só de pensar. Mas eu sou uma bagunça, tudo o que eu lembro é meio confuso, as situações se embaralham entre si, há os espaços em branco, são poucas as lembranças claras e certas. É tudo um pouco líquido de mais. E eu preciso saber, não sei como, mas preciso. As mesmas memórias ou pedaços dela continuam a me voltar em mente, e isso não me leva a nada, eu quero a história inteira, quero saber, quero entender. Talvez só assim eu consiga superar, seguir em frente. É, talvez.

Quero contar uma história para vocês. E no fim acho que venho tentando fazer isso desde meus 8 anos, com meus diários, com esse blog também, mais recentemente. Me sinto constantemente como uma estranha dentro de mim mesma, também me sinto uma estranha no mundo a minha volta, não me encaixo, tenho dificuldade para me sentir parte de qualquer coisa. Isso tudo é porque estou quebrada por dentro, pedaços enormes de meu ser sumiram na escuridão que é a minha mente. E eu preciso resgatá-los nessa missão suicida. Faz sentido? Eu só queria poder me sentir inteira, sentir que eu existo e que isso faz diferença. Queria poder um dia encontrar conforto em mim mesma, ao invés de só encontrar dor e mais dor. Queria poder olhar para meu passado e mesmo que doa, ao menos poder ter certeza que ele existiu, que eu existi e que aquilo ficou no passado e não me tornou uma pessoa marcada para sempre. E quando as pessoas perguntarem, todas aquelas perguntas que me deixam tão desconfortável, quando eu me sinto invadida como já aconteceu tantas vezes... Eu quero conseguir olhar em seus olhos e dizer quem eu sou e quem eu fui, sem vergonha, sem a sensação de ser inferior por isso.

Quero contar uma história. Quero me orgulhar da minha história. Estou cansada de ter medo de monstros que não deveriam existir. Quero me orgulhar de quem eu sou, quero saber quem eu sou e mesmo sabendo de tudo, ainda assim me amar. É possível? Quero me orgulhar por tudo o que eu passei, por cada lágrima derramada e por cada cicatriz em meu corpo, porque todas elas estão cicatrizadas e meu sangue não está mais sendo desperdiçado.

Quero contar uma história. Uma história um pouco diferente daquelas que vocês estão acostumados a ouvir imagino. E assim que eu conseguir fazer isso, sinto que algo em minha vida vai mudar profundamente. Todas as histórias terminam com um ponto final. Está na hora de eu colocar o meu ponto final na minha, acredito que só assim vou poder começar uma nova. Ponto final.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Forçando as portas




Você passa por um período muito difícil, aquele período em que você finalmente começa a contar sua história para você mesma, sem mentiras, sem cortes, tudo que você se lembra. E no início você tem certeza que nunca vai conseguir sair dali, é tudo forte de mais, como levar vários socos na cara, ou estar cercada de pessoas que te chutam sem parar enquanto você fica ali, encolhida no chão. Você não pode levantar, simplesmente não pode. Não há forças para isso e ninguém pode realmente fazer a dor parar. Ela está lá. Latente. Mas os dias passam e se tornam meses, eventualmente anos. E você olha a sua volta e percebe que não há mais ninguém te socando ou chutando. Seu corpo dói, mas você levanta, rezando para que todo aquele sofrimento não volte. E ele não volta. Você até ensaia um sorriso... Eles não te destruíram, você conseguiu, é o que você pensa, é, você conseguiu. Mas então, quando você pensa que está tudo acabado, as memórias voltam. O tempo todo, elas voltam. Elas estão em todos os lugares. Me sinto suja, tudo a minha volta me lembra aquilo, está tudo contaminado, envenenado. Não quero tocar, não quero ver, não quero sentir. Eu sou uma pessoa marcada, é como eu me sinto. As mesmas coisas ruins me perseguiram a vida inteira. Um predador sabe reconhecer uma vítima. E eu sou uma presa muito fácil.

Eles te dizem para esquecer. É passado, é passado, deixa para lá. Eu sei que é passado, mas quem nunca o remoeu? Eu tento e tento esquecer. Quando alguém fala alguma coisa que me lembra isso, ou quando eu vejo alguma coisa, eu tento ignorar com todas as minhas forças e não pensar na Sabrina que morreu ali por aquilo. Tento manter uma distância segura, tento não ter pena de mim mesma, tento imaginar que não sou eu. Mas sou eu, não sou? Por mais desconectada que eu possa estar da realidade, ainda sou eu. Estou um pouco cansada de me dividir no meio por tantos motivos. Eles criticam meu monstro mas exigem que eu faça coisas que só podem ser feitas se seu quebrar minha personalidade e tudo que eu sou e trancar a parte "feia" em algum lugar no meu cérebro. Isso não me parece muito saudável. Não, eu nunca vou esquecer. Mas preciso conseguir pensar nisso sem que doa. Sinto que as coisas ainda estão muito mal resolvidas aqui dentro, muito confusas. Não consigo entender o por que de muitas coisas, há lembranças picotadas de mais para que eu as entenda, há aquelas que se juntam também de forma confusa e os sonhos... Tanta coisa. Se formos ver é melhor você se lembrar do que não conseguir se lembrar. A lembrança é uma verdade, a não-lembrança é um grande e assustador qualquer coisa. Eu posso confiar no que eu lembro, no que minha mente apresenta para mim claramente, mas não posso confiar em algo que nem minha mente parece saber se aconteceu ou não.

Mas ela sabe. Eu só não tenho acesso a isso. E eu estou forçando a porta, o tempo todo, porque não me contento com meias-verdades. Quero saber tudo, preciso saber tudo. Não que isso vá mudar alguma coisa... Mas essas barreiras na minha mente, preciso derrubá-las, preciso conseguir pensar sem elas atrapalhando no caminho. Quero despir minhas proteções, todas elas. Pular de cabeça em um lago há muito congelado e conseguir quebrar o gelo, quero penetrar o mais profundamente possível dentro de mim. Enquanto isso não for possível eu continuarei sofrendo pelo que eu já sei e pelo que quero saber. É preciso chegar ao fundo do abismo antes de se começar a subida de volta.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Um encontro ao acaso



Histórias tristes. Sentadas nessa mesa de bar, um bar qualquer, eu vejo que você é mais parecida comigo do que eu pensava. Infelizmente. Você me conta alguns aspectos da sua vida que um dia foram enterrados tão profundamente dentro de seu ser e eu me vejo em você. Eu te conto as mesmas coisas. Somos um pouco reflexos uma da outra, não? Isso é assustador e reconfortante ao mesmo tempo. Sinto muito por você saber como é isso, mas obrigada por dividir sua história e fazer eu me sentir menos sozinha. O cheiro de maconha é forte... Pessoas normais na faculdade se drogando e eu só pensando que minhas mãos e pernas precisam parar de tremer. É difícil controlar o próprio corpo. Não quero que as pessoas percebam que eu tomo remédios fortíssimos ou que sou problemática, mas sempre que alguém se aproxima de mim eu me ponho em modo de defesa e minha timidez é tanta que esses tremores se tornam insuportáveis. Será que as pessoas percebem? Será que você percebeu? Você é diferente de mim nesse aspecto, fico feliz por isso. Você parece muito mais confiante e a vontade no mundo, eu não. Não importa onde eu esteja, sempre encontro dificuldades para me sentir realmente a vontade e relaxada. É triste. Às vezes não consigo nem pegar um copo para beber alguma coisa de tanto que estou tremendo, não entendo porque fico tão nervosa, não faz sentido.

Gosto de conversar com você, de qualquer jeito. É como olhar no espelho mas encontrar novidades no reflexo que te olha de volta. Você parece feliz na maior parte do tempo, e eu não sei até onde isso é verdade, mas espero de coração que o seja. Você disse que está fazendo terapia, isso é bom, queria voltar para a minha o mais rápido possível. As coisas não são fáceis para você, sei disso, mas assim como eu, a gente vai tentando, contornando lentamente todas as dificuldades e problemas no caminho. Ver como você está conseguindo seguir em frente me orgulha e me dá vontade de continuar fazendo o mesmo. Acho que isso deveria acontecer mais, conversar com pessoas que são parecidas com a gente, que viveram as mesmas coisas. Isso abre os olhos, dá esperança. Só assim vemos que não estamos sozinhos e que a superação é possível. Tenho vontade de pedir para que você me conte mais, quero ouvir como você se sente, o que faz a noite para parar de chorar, como encara certas situações, se hoje em dia consegue se defender.

Levantamos da nossa mesa de bar, da nossa curta conversa tão cheia de compreensão mútua. Você segue seu caminho e eu o meu. Foi bom falar com você. Obrigada.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

(Im)perfeita para você



Eu te olho meio de longe. Sempre tão ocupada, correndo de um lado para o outro, tantos compromissos, tanta besteira. Seus esforços inúteis e constantes para manter a mentira da família perfeita intacta. Me perdoe, é patético. Sempre tão irritantemente perfeita e falsamente controlada, montanhas de inverdades, quem é você? Não te conheço, você não se conhece. Nunca teve vida, nunca foi criança, ou adolescente, hoje é uma adulta incompleta. Ninguém percebe, mas eu vejo por trás de tudo, sempre vi. Deve doer mas você nem sabe reconhecer o que é dor. E a solidão, o desespero, nunca há pessoa alguma ao seu lado. Não, nem deus algum. Mas você sempre foi muito perfeita, certo? O orgulho da mãe problemática, estudiosa, boa no piano, frequentadora compulsiva dos cultos na igreja, tudo como deve ser. Tão superficial... Tão triste... Você nunca vai saber o que é viver, vai morrer como se nunca tivesse existido e sua vida não terá feito a diferença para ninguém. Você é cega, surda, insensível, cruel, tudo por trás desse sorriso falso e vazio. Você não ama as pessoas, você ama a ideia que você faz delas. Você não sabe lidar com problemas, você só os varre para debaixo do tapete e está tudo bem, não é mesmo? Às vezes eu penso que pior do que a pessoa que faz algo de mal para alguém, é aquela que vê alguém sofrendo, pode ajudar, e não faz nada. São só tipos de maldades diferentes.

Você nunca fez nada. E ainda tem a coragem de exigir que eu seja a garotinha dos seus sonhos. Eu não sou, nunca fui, o mundo não deixou que eu fosse e você nunca fez nada. Você me pergunta se você fez algo de errado, eu desviu os olhos e falo que não. Não sou eu que vou apontar para o seu nariz e dizer tudo o que você deveria ter feito na vida, cresça, abra os olhos, ouça. A vida corre por você e você permanece parada. Ela está bem aqui, só sinta. Seu mundo está morto, suas ideias não servem mais, tudo o que você conhece está errado. E agora? Está na hora de calar a boca, ouvir, observar e aprender. Amar antes de julgar, aceitar, respeitar, conhece essas palavras? Nós, pessoas diferentes de você, também somos pessoas, também merecemos seu respeito. Não é a roupa que eu uso que define meu caráter, também não é meu cabelo, com quem eu ando, minha orientação de gênero ou sexual, a cor da minha pele e tantas outras coisas que vão dizer se eu sou uma pessoa boa ou ruim. Toda vez que você abra a boca e diz algo preconceituoso sobre uma pessoa só porque ela é diferente, dói. Dói porque eu percebo o quanto você não me aceita, o quanto tem vergonha de mim, sua própria filha.

Eu não sou quem você quer que eu seja. E nunca vou ser. Eu nunca vou mudar do jeito que você quer que eu mude, pode rezar o quanto quiser, não vai adiantar. Sua filha não está perdida, sua filha não está doente. Sua filha é assim. Eu sou assim. Quero que você olhe nos meus olhos e entenda, como eu sei que você nunca entendeu, já que nunca olhou realmente para uma pessoa e a aceitou exatamente como ela é. O ser humano é imperfeito, cheio de diferenças entre sim, cheios de erros e acertos. Errar é humano, mas diferente do que você pensa, quem eu sou não é errado. O que eu sou é simplesmente diferente. Você não tem que gostar ou desgostar, você tem que aceitar, só isso. Não deve ser tão difícil assim.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Um filme sobre prostituição



Eu vi um filme. Havia duas crianças nele e mesmo depois de crescidas, ainda assim, crianças. Paradas no tempo, naquele tempo, há muito tempo atrás em que tudo o que havia nelas foi morto. Tanto tempo e enfim, crianças. Crianças, tão sozinhas, perdidas. Parece que alguém aprendeu que super heróis não existem, que seus pais não podem te proteger de tudo, que o mundo é mais feito de monstros do que de pessoas. Finais felizes não existem e há coisas que nunca poderão ser concertadas. Dói ver esse lado da história de um(a) prostituto(a). É mais fácil julgar, é mais fácil dizer que eles escolheram esse caminho ou que isso é uma punição por algo que eles possam ter feito, ou pior ainda, é mais fácil falar que eles gostam dessa "profissão" e não querem sair dessa vida. Eu só acho que não podemos julgar, nunca, alguém sem antes conhecer sua história, seu passado, o que fez dela ser o que é hoje. Não estou negando que existam pessoas que digam gostar disso, mas estou querendo dizer que quando você não conhece a possibilidade de poder ter uma vida melhor, muitas vezes você se contenta com o que tem e pode inclusive a chegar a se enganar a ponto de dizer que aquela vida é boa.

É engraçado como as pessoas se comovem quando veem crianças se prostituindo ou sendo abusadas, mas quando veem o adulto prostituto ou o adulto que é abusado, todo o peso se volta para essa pessoa, para a vítima! De repente, esquece-se que aquela mulher ou homem um dia foram crianças muito assustadas, abandonadas, roubadas. Esquece-se que ela não teve escolha, que nunca houve a possibilidade de qualquer defesa ou fuga. Esquece-se, assim, fácil. Apontam para essas pessoas já tão destruídas pela vida e dizem que elam merecem o lugar onde se encontram, que elas querem continuar vivendo do jeito que estão, assim ninguém precisa pensar nelas, ninguém precisa se incomodar com seus passados tão cheios de tabus. Assim tudo fica bem e não se fala mais nisso. Enquanto as crianças nunca forem crianças, enquanto ninguém se lembrar disso, enquanto os adultos errados continuarem sujos e cheios de culpas que não são suas. Não se fala mais nisso.

Transforma-se aqui também, assim como em outras situações, um problema que é público em algo privado. A culpa é dele ou dela, não da sociedade que cria carrascos, estupradores e pedófilos. A pobreza também, a falta de educação sexual nas escolas, há inúmeros motivos que não dizem respeito a pessoa que foi prostituída. E ainda assim, tapa-se os olhos para todos eles. Eu sugiro, antes de julgar alguém que você não conhece, você tentar imaginar como foi e é a vida daquela pessoa. Onde ela cresceu? Como cresceu? O que vivenciou? Por que foi parar nessa situação? Há um ser humano por trás dessa muralha de preconceito, um ser humano exatamente como você, quer você acredite ou não.

Caminhos iguais



Eu não sinto. Acho que tem algo de errado comigo. É só uma pequena impressão... De que as coisas não deveriam ser desse jeito, que eu deveria fazer algo, que eu poderia fazer algo e a vida seria outra. Talvez. O passado assombra, deveríamos deixá-lo onde ele está. Não? Mas não é tão simples, ele sempre volta. De novo e de novo. Em uma palavra, uma situação, qualquer coisa, ele está bem ali, gravado a ferro e fogo. Seguir em frente, certo. Como? Eu seu lá. Continuo repetindo em minha mente, como todo mundo diz: Vai ficar tudo bem. Dizem que você precisa ser otimista, dizem que se você repetir muito algo para si mesmo isso se torna realidade, dizem tantas coisas. Eu costumava achar tudo isso um monte de besteiras... Mas com o tempo a gente acaba abaixando a cabeça, não há mais orgulho, não há mais crenças fixas, portos seguros e você precisa tentar de tudo, porque essa é a única forma de você sobreviver. Então: Vai ficar tudo bem. Fecho os olhos e quase que rezo, vai ficar tudo bem. Respiro fundo e tento não entrar em pânico. Sinto vontade de me socar, essas ondas de raiva direcionadas a mim mesma são as mais difíceis de controlar. Coisas horríveis passam pela minha cabeça, coisas que eu não desejo para ninguém mas que minhas próprias mãos querem fazer comigo mesma.

Talvez os abusos que eu sofri em minhas próprias mãos sejam piores do que muitos que eu sofri nas mãos de outras pessoas. Isso é ridículo. Quem eu penso que sou... Quem esse monstro pensa que é, para fazer isso comigo? As pessoas as vezes gostam de mim, principalmente as mais sensíveis, elas olham para as minhas cicatrizes, tem pena de mim, me olham com aquele típico olhar de quem acabou de abrir os olhos para uma realidade que nunca antes havia percebido. Eu não falo nada, não quero saber o que pensam, não quero conversar com elas, não quero me explicar, eu só quero que parem de me olhar daquele jeito. Eu não sou uma vítima, já disse milhões de vezes. Talvez uma Sabrina que ficou presa no passado tenha sido uma vítima, mas a Sabrina que está aqui hoje, dividindo o corpo com um monstro, não é uma vítima. Fui eu que fiz isso comigo, ninguém mais. Não importa o que eu vivi, não importa nada pelo que eu passei. Ninguém estava lá, segurando a lâmina para mim. Um dia me falaram isso e a pessoa tinha razão. Fui eu e só eu que fiz isso comigo mesma.

Há tantas pessoas que sofrem, há tantas pessoas que passam por coisas muito piores na vida do que pelo que eu passei e elas vivem. Elas vivem. Elas conseguem, conseguiram, venceram. Como? Não faço ideia! Alguém me ensine por favor, no momento estou mais para o time de quem não conseguiu. Porque eu também tenho consciência que existe um número enorme de pessoas que, por outro lado, podem ter passado por coisas muito menores do que eu e lidam de forma muito mal ou simplesmente não lidam, eu só gostaria de saber o que diferencia esse tipo de pessoa do outro tipo de pessoa. Me pergunto isso a muito tempo e não consigo me satisfazer com a resposta de que cada pessoa é única... As que conseguem deve ser algo em comum ou então as que não conseguem devem ter algo em comum. O que é?

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O que diabos é "bem"?



As coisas mudam. Nada é certo, nada é sólido. O que minha mente acredita é a verdade e não é na verdade o que ela acredita. Há vozes, há sensações e eu não sei ao certo se estendo minhas mãos, em busca das coisas sólidas e inofensivas, ou se as mantenho junto ao corpo, com medo de atingir aquilo que não é verdade, mas que para mim nunca o vai deixar de ser. Eu deveria abrir os olhos. Mas tenho medo. Tenho medo de deixá-los fechados também. As coisas são confusas e engraçadas. Humor negro. Ridículo. Minha mente voa, as vezes o mundo roda, há coisas de mais para se ver. Não, há coisas de mais que eu vejo, que não deveriam ser vistas, só ignoradas, continue caminhando. Eu não consigo. Luzes e barulhos, poderia ficar horas com os olhos perdidos bem aqui ou ali, tantas pessoas, tantas histórias, tanta sujeira. Mas no fim eu continuo andando porque estou sempre acompanhada de alguém mais apressado do que eu.

Hoje fui em um novo médico. Deprimente. É duro sustentar um olhar enquanto você lista o quão deplorável e problemática você é. É duro ver como as pessoas se incomodam, como te julgam. Malditas perguntas. Vou começar a mentir, mas mentir para pior, assim quando descobrirem a verdade eles vão ver que eu não sou tão doida assim. Parece uma boa ideia. Falarei que sou internada todo ano. Desde os 10 anos de idade. Que tenho cicatrizes em todos os cantos do corpo. Que já tentei me matar 5 vezes e quando fico nervosa atiro pedras na cabeça das pessoas. Viu? Agora eu pareço perfeitamente normal, ou quase. E ele ainda perguntou se eu estou bem, se eu me sinto bem com o tratamento. O que diabos é "bem"? Fiquei olhando para a cara dele. Eu sou instável, as vezes me sinto bem, as vezes me sinto mal. Odeio o tratamento com remédios. Bem... Eu sei lá. O objetivo disso tudo impedir que eu me mate ou machuque as pessoas a minha volta. Nunca ninguém me perguntou se eu estou feliz com isso. Acho que é meio óbvio, quem é feliz com isso? Como assim se eu estou bem? Tem a porra de um monstro dentro de mim, meu fucking cérebro não funciona direito e eu tenho menos habilidades sociais que um macaco, tanto que faz mais de 2 anos que eu estou sendo treinada para ser sociável e ainda entro em pânico se pessoas que eu não estou acostumada me chamam para sair.

Estou muito bem obrigada, é a resposta mais fácil. Mas eu gaguejei. As vezes bem, as vezes mal. Como eu vou saber? Eu odeio o fato das coisas serem tão imprevisíveis. Ou talvez seja eu que ainda não aprendi a ler os sinais, não sei. De qualquer jeito, as coisas são estranhas. O mundo em câmera lenta, minha mente rápida de mais. Como se estivéssemos dentro de um carro em alta velocidade. Sem freios, sem cintos de segurança. Só feche os olhos, ou abra-os bem. Tudo dá na mesma cegueira. Boom. Fim.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Sobre perder o chão e quem você é



Eu gosto de voar, dá uma sensação gostosa de perder o chão, para variar, literalmente. E é ótimo que seja só literalmente porque assim temos certeza que cedo ou tarde, por bem ou por mal, nossos pés vão reencontrar o chão. O que não acontece quando perdemos o chão figurativamente. Essas últimas semanas foram um pouco complicadas. Meu quadro piorou e meu psiquiatra aumentou a dose da quetiapina, estou tomando a dose máxima já desse remédio. Isso me preocupa muito. Tenho medo que as alucinações visuais piorem ou que eu comece a ouvir vozes. Os remédios nunca duram muito tempo comigo, parece que meu transtorno é extremamente eficiente em contornar todos os tratamentos. Faz um mês que eu estou sem terapia por motivos maiores e eu já estou percebendo meu cérebro voltando a pensar como eu pensava há dois anos atrás. É muito fácil perder todo o avanço que eu lutei tanto para conquistar. Meu equilíbrio, minha vida... É tudo tão frágil. É difícil, as vezes, acreditar que as coisas podem dar certo, que eu vou durar, que eu posso ser feliz, essas coisas. Todo santo dia é uma batalha. E eu não tenho como prever como eu vou estar daqui a uma semana, um dia, uma hora, no próximo minuto, não tenho como. Tem dias que eu vou ter que lutar contra minhas próprias mãos, porque elas vão fazer de tudo para me socar, me arranhar, me cortar. Tem dias que a luta será contra meu cérebro, que vai travar em um pensamento obsessivo e cruel e a única coisa que eu vou conseguir fazer é chorar, enquanto sinto aquela mesma frase ou palavra me rasgar por dentro. E outros dias que a luta será contra o monstro que eu tenho aqui dentro e é uma luta injusta porque, como ele mora dentro de mim, ele me conhece como ninguém, mas eu não o conheço por completo. Tenho medo dele, do que ele é capaz de fazer. E o medo é uma excelente arma.

De um jeito ou de outro, as coisas nunca são fáceis para mim, acho que não são fáceis para ninguém na verdade, mas de jeitos diferentes. Eu gostaria que ao menos as coisas não tivessem tanto peso para mim. Gostaria de poder ficar em casa sozinha sem que minha família tivesse medo de eu acabar me matando do nada. Gostaria de poder beber quando todo mundo estivesse bebendo, só porque isso me dá a falsa sensação de pertencer ao mundo dos adultos e ter minha vida sob controle. Eu gostaria de poder tirar minha carta de motorista, porque isso me daria a falsa sensação de ser uma pessoa normal. Eu gostaria de poder errar sem que isso fosse um sinal da piora da minha doença. Eu gostaria de ser a Sabrina impulsiva e inconsequente as vezes, qual o problema? Eu gostaria de ser livre, eu gostaria de não precisar engolir 7 comprimidos a noite e 4 de manhã. As vezes eu queria mandar tudo para a puta que pariu, como qualquer adolescente normal já deve ter feito. Por que não? Mas não. Eu não posso. Não a Sabrina. Não com esse diagnóstico nas costas. Eu estou tão cheia de tanto controle, tão cheia de gente me dizendo quem eu tenho que ser, como eu tenho que ser, o que eu posso ou não fazer. Todos os meus atos, pensamentos e sensações precisam ser vigiados, 24 horas por dia, 7 dias por semana, nada pode escapar. É preciso que tudo esteja claro para que possa ser bem analisado e julgado. A Sabrina está bem? A Sabrina está vendo coisas? A Sabrina está sentindo coisas? O humor está minimamente estável? Como anda a automutilação? E os pensamentos ruins? E a paranoia? Está mais agressiva? Menos consciente? Ou mais deprimida? Como está o risco de suicídio? Foda-se! Sei que é egoísmo da minha parte, sei que é infantilidade, mas foda-se! Quero tanto que tudo vá para o inferno. Há uma Sabrina dentro de mim acorrentada, reprimida, injustiçada. Todos odeiam ela, todos querem que ela suma, que outra pessoa que não existe assuma seu lugar. É ridículo, se você pensar bem, é ridículo. Essa Sabrina borderline, sou eu! Eu sou assim. É minha personalidade. Porque é tão errado ser eu mesma? Não há batalha mais dura do que aquela que você é obrigado a travar contra você mesmo. Ser borderline é o que me destrói e tentar não ser é o que me impede de viver.