"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

terça-feira, 30 de outubro de 2012

O fundo do poço



A gente não pensa muito nos problemas que existem pelo mundo afora, até que eles estejam perto de mais para serem ignorados. Então é como se você tivesse levado um soco bem no meio do peito. Falta o ar, dói, é assustador. É a realidade batendo a porta. É a morte de alguém, uma doença um pouco séria de mais, é a notícia de que um conhecido se rendeu as drogas, ou foi pego pela depressão, é um emprego perdido, a falta de dinheiro, de comida, de carinho, de atenção, de tudo. E agora? Eu não sei, ninguém sabe. A vida continua, aparentemente, ignorando o seu mais novo problema do mesmo jeito que você, sem saber, ignorava o problema dos outros. Como pode continuar? Você se pergunta, caindo cada vez mais fundo no abismo que se abriu sob seus pés. E caindo e caindo. Parece não ter fim, não há ninguém nem nada em que ou em quem você possa se agarrar, a luz se torna cada vez mais tênue e o fundo cada vez mais assustadoramente eminente. Então você chega. Ali, onde não há luz, esperança ou possibilidades. É como morrer. Você aos poucos vai se esquecendo do mundo lá em cima, o mundo que você vivia antes do abismo surgir em sua vida. Você esquece.

Aos poucos também, seus olhos vão se acostumando a escuridão. E você vê que não está sozinho. Interessante. Há outras pessoas aqui, algumas ainda cegas pela escuridão, outras já há muito acostumadas. Ninguém fala, ninguém estende uma mão amiga, mal se encaram. Parece que cada uma das pessoas aqui embaixo já tem problemas de mais para se preocupar para se importarem com os outros que ali estão. Você se sente intimidado ao tentar abrir a boca, então não diz nada, apenas anda de um lado para o outro sem saber o que fazer. Seu problema ainda está ali, chegar ao fim do poço não mudou nada, não há uma resposta aqui, não há uma solução, não há nada. A não ser um bando de pessoas exatamente como você, perdidas, sem esperanças ou perspectivas. Quando você está prestes a desistir, sentar no chão e apenas esperar pela morte, você olha pra cima na esperança de ver alguma luz, por menor que seja. Você não vê luz, mas vê algo que te surpreende. Há uma ponta de uma corda, a um pouco mais de dois metros do chão. Você pula tentando alcançá-la, mas ela ainda está longe. Mas não tão longe assim, se alguém o ajudasse você conseguiria alcançá-la.

Você só precisa de uma pessoa. Só uma. Uma mão amiga. E todos os seus problemas estariam resolvidos. Você voltaria a superfície e poderia continuar a vida como todo mundo. Mas basta só você olhar para os lados para saber que ninguém ali te ajudaria. Estão todos fechados de mais em seus próprios mundinhos e problemas para ouvir quem quer que seja e o que quer que seja. Você grita que há uma corda, que há um jeito de sair de lá. As pessoas murmuram irritadas e se afastam. Você corre para uma delas e a chacoalha dizendo que ela precisa te ajudar. Seus olhos vazios não dizem nada em resposta e quando você a solta, ela da meia volta e também se afasta. Qual o problema dessas pessoas? Por que não lutam? Por que não tentam? Estão todas cegas, doentes e perdidas. O que você poderia esperar?

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Casos de família



Eu só queria conversar um pouco... Eu só queria alguém capaz de me ouvir um pouco e entender a dor que se esconde nas entrelinhas. Eu não estou bem. Parece que eu estava conseguindo, parece que as coisas estavam começando a caminhar bem, não é mesmo? Agora sinto como se tivesse sido lançada sem dó nem piedade para meu lugar de origem. Me sinto apagada, morta, alguém sem importância, uma estranha dentro dessa maldita casa. E eu não entendo. Não entendo o que fiz de errado. Eu estava me esforçando, de verdade. O que eu fiz de errado? Eu tento e tento.... E não consigo. Eu estava começando a me acostumar um pouquinho... A fazer parte, a construir um laço ou outro, mesmo que tênue. Agora estou de novo sentindo vontade de vomitar só em pensar nessas coisas. Eu quero ir embora, eu preciso ir embora. Sinto vontade de me matar só em pensar que ainda vou demorar mais de dois anos para me tornar independente.

Meu peito dói, minha gargante e minha cabeça, que eu acabei de socar até as lágrimas pararem de cair e meu coração ficar vazio. É isso que dá quando a gente abre as portas, quando a gente se permite confiar um pouquinho em alguém. A grande maioria das pessoas nunca vão ser confiáveis, eu deveria saber disso muito bem a essa altura da minha vida. Me sinto uma idiota agora. Não quero mais tentar, não quero nunca mais. Eu cansei, isso aqui não tem jeito, não tem conserto. Isso nunca vai dar certo. Nunca. E, escreva o que eu digo, isso aqui ainda vai gerar coisas muito ruins enquanto existir. Estou cansada. Estou decepcionada. Profundamente decepcionada. Bom, já estou de volta no meu lugarzinho, chamando o menos de atenção possível, todos podem continuar suas danças mentirosas sem tropeçarem em minhas inconvenientes verdades.

Boa sorte para os que ficam, eu já não tenho nada a ver com isso. Adeus.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Raiva



Senti vontade de destruir algo bonito. De repente as pessoas me enojam. Não suporto a solidão. Por favor me deixe sozinha. Eu preciso destruir algo bonito. O que eu daria para ter uma gilete aqui comigo. Tem algo queimando dentro de mim. E queimando, e queimando... Não sei o que fazer, para onde ir. Não, não vou tomar nenhum calmante, não, não vou ligar para ninguém. Fecho os olhos, mais consciente do que nunca no que eu sinto. E o que eu sinto é tão puro que nem motivo precisa ter. Irracional, constante. Meu monstro se atirar em direção as grades que o cercam, ele quer sair. Ele precisa sair. O que eu daria... Meu corpo inquieto, minhas mãos nervosas, meus pensamentos tão confusos quanto claros. Só um pouquinho, só um pouquinho. A escuridão faz promessas tentadoras. Não acredito em diabos, mas se acreditasse, eu seria um deles. Um anjo caído, que linda história. No fim, qualquer anjo é meio diabo, e qualquer diabo é meio anjo. Odeio maniqueísmo.

Eu não vou fazer nada, não hoje, não agora. Mas algo sussurra dentro de mim. Um dia. Eu não estou livre, eu nunca vou estar livre. Levantar da cama continua sendo uma luta que eu venho perdendo cada vez mais. Por que estou viva? Para que levantar? Para que ir nessas aulas que eu estou fazendo? Para que se esforçar? As vezes eu levanto, mas na primeira pedra que aparece em meu caminho, eu me arrasto de volta para a cama. E lá, assim que eu fecho os olhos, deixo com que minha mente caminhe livre pelo mundo dos sonhos. Crio as histórias mais complexas e maravilhosas. Eu não quero acordar, não, não. Quero continuar vivendo nesse outro mundo. Esse mundo de cá... Eu não me encaixo, eu não me sinto bem, tenho medo... O mundo de lá é lindo e tentador. Eu posso ser qualquer coisa, posso fazer qualquer coisa.

Sinto vontade de chorar agora. O que eu estava sentindo passou e agora só restou a tristeza. No fim eu sempre encontro a tristeza. Há um buraco no meu peito, que nunca pode ser preenchido. Fecho os olhos e dessa vez deixo com que as lágrimas escorram. Até meu monstro se encolhe dentro de mim... O mundo inteiro é dor. Por favor... Me tire daqui. É a única coisa que eu consigo pensar.

Sobre estar viva e a importância das aparências



Eu queria escrever mais. O blog se tornou muito mais devagar desde que eu fui internada, o que me irrita e me faz perguntar o que está acontecendo comigo, já que nem escrever (uma das minhas mais preciosas obsessões) tem conseguido me manter concentrada. A verdade é que algo importantíssimo me aconteceu nos dias em que eu passei trancada na casa dos artistas. E eu temo pelo que seja pois ainda não acredito que tenha descoberto o que é.

Mudanças são sempre assustadoras, não importa se para melhor ou para pior. Então, sim, tenho medo. Dessa nova vida esquisita e perdida, desse novo eu, mais controlado, mais anestesiado, adestrado. Os dias são lentos e torturantes e a cada dia eu sinto algo impaciente dentro de mim, meu monstro, claro, impaciente e inquieto. Ele quer sair. Ele quer ação. Ele quer sangue escorrendo e um turbilhão de sentimentos e pensamentos. A genialidade ou a ilusão de. A loucura. A paixão. Sinto falta dele, deus e o mundo que me perdoem, mas sinto falta do meu monstro. Ou de mim mesma, não sei mais. Sei que quem fala nesse momento é a Sabrina Borderline, conheço bem todos os traços dessa personalidade, ela quer a dor, as lágrimas, a raiva, a desculpa para destruir tudo a sua volta. Ela não liga nem um pouco para ela mesma ou para mim, a Sabrina normal. Ela é egoísta e confusa, se faz de vítima quando é o carrasco, se faz de carrasco quando é vítima. Afinal o que é um carrasco, se não uma vítima? E o que é uma vítima, se não um carrasco?

Eu não sei, eu não sei. Estou cansada desse nada, dessa falta de objetivos, dessa estagnação. E quando surge algum objetivo, alguma atividade, eu me frustro, não consigo realizá-la. Nada é bom o bastante. Quero chorar as vezes e não posso, porque sou vigiada o tempo todo. Se eu chorar vão achar que eu estou piorando de novo, que eu estou deprimida, que a qualquer momento eu vou voltar a me cortar. Ora, me deixem em paz, meu peito dói, chorando as lágrimas que morrem em meus olhos, minha garganta dói, chorando as palavras que morrem antes de chegarem em meus lábios. Tudo dói, incomoda, rasga. Quero sair correndo, para um lugar onde nada disso exista. Quero morrer, ou viver, não sei ao certo. Me falta alguma coisa, uma coisa muito importante.... Eu devo ter perdido em algum momento, mas não consigo lembrar o que é, onde perdi, como perdi... Só sei que me faz falta. Uma falta terrível.

E nesse momento não consigo me sentir viva. Essas lágrimas idiotas insistem em cair, mas eu não vou parar de enxugá-las. É preciso parecer bem, não necessariamente estar bem, só parecer... Se eu parecer bem eu ganho os privilégios de poder fazer o que todo mundo pode fazer: viver. Eu quero poder viver e ter uma vida normal, por mais que eu não consiga me sentir assim. As aparências importam. Eu gosto da liberdade, mesmo que em meu coração eu seja a pessoa mais presa que eu conheça. E eu não me sinto nada viva. Quero a dor física, preciso da dor física. É só ela que consegue me dizer que eu continuo viva e que as coisas vão ficar tudo bem. Ela está bem aqui, comigo, sempre que eu preciso, ela não me vira as costas, ela não diz adeus, ela nunca está ocupada com outra coisa. Mas é melhor eu calar a boca antes que alguns dos guardas que me vigiam decidam que eu estou piorando, ou falando como uma viciada, ou sei lá o que.

domingo, 7 de outubro de 2012

Morto-vivo, camisas de força e anestesias



Talvez seja só egoísmo meu, mas eu estou tão cansada de ser sempre a culpada de tudo que por um instante eu não estou nem ai e a raiva e dor acumuladas durante minha vida inteira são canalizadas para uma única pessoa ou situação, que se eu fosse parar para pensar talvez nem merecesse tanto assim da minha atenção. Dói, uma dor anestesiada pelos tantos remédios que eu tomo, mas mesmo assim uma dor, recorrente, teimosa, aguda. Posso sentir que poderia explodir, posso sentir o quão perto estou disso, como se sentisse o vento a beira de um abismo, mas aqui também algo me segura, acredito novamente serem esses malditos (malditos?) remédios, essa camisa de força em meu cérebro irrequieto. Sinto falta de muitas sensações que costumavam ser tão insuportáveis e me levavam a loucura. Me sinto uma morta-viva sem elas, mas acredito que esse é o preço que eu tenho que pagar para ter o mínimo de estabilidade na vida. As coisas nunca são como a gente gostaria que fossem, infelizmente.

De qualquer jeito, surge um problema. E meu monstro, tão longe, tão perto, se mexe incomodado em sua pequena jaula de Quetiapina, mas eu não faço nada, parece que nem sofrer eu consigo. O problema continua exatamente aonde ele estava e eu não estou lidando com nada. Tenho vontade de fugir, de sair correndo, de jogar todos meus remédios na privada e dar descarga. Meu psiquiatra e minha psicóloga dizem que eu estou bem, mas o que significa "bem"? Eu só me sinto morta. Sinto falta de mim mesma. Isso é ser normal? Isso é ser estável? Se sim, eu já não tenho mais tanta certeza se é isso que eu quero. Eu quero viver, quero fazer as pessoas rirem, quero poder beber a porra de um copo de vinho sem que isso soe como o pior crime que eu poderia ter cometido no mundo. Quero ser normal de verdade e poder cometer pilhas de erros como todo mundo sem que isso seja uma grande coisa. Mas não, eu não posso. As pessoas dizem que eu deveria exigir menos de mim mesma, mas o que eu posso fazer se cada pequeno erro ou deslize meu já quase me custaram minha vida? Todos os dias eu preciso estar atenta e arranjar forças sabe-se deus onde, porque em questão de segundos eu posso piorar drasticamente, nunca se sabe. Não há folga, ninguém pode fazer isso por mim. Não posso errar em momento algum, não posso fraquejar. Meu monstro, minha doença, está sempre a espreita, sempre esperando o momento certo para assumir o controle.

É uma guerra e não importa muito quem vença, no fim eu sempre saio perdendo.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Feita de cristal


As coisas "melhoraram" desde que eu fui internada, todos me tratam como se eu fosse feita de cristal. As pessoas que costumavam me deprimir e me machucar de repente viraram todas sorrisos e gentilezas. E eu estou confusa porque não sei até onde toda essa atenção é verdadeira ou não. Me sinto uma idiota quando vejo que eles me tratam diferente. Eu não quero ser tratada diferente. Quero ser tratada como uma pessoa normal, porque só assim eu vou conseguir me tornar realmente uma pessoa normal. Mas não é isso que eles veem, eu sei disso, o que eles veem é só uma garota problemática e doente, que sempre vai ser assim. Outro dia eu perguntei para minha namorada se algum dia eu teria a chance de conquistar os pais dela e fazer com que eles gostem de mim e aceitem nosso relacionamento. Ela disse que não, pelas cicatrizes em meus braços, pelos remédios que eu tomo, enfim, por eu ser nada menos do que eu mesma.

Por que? Por que é tão difícil para eles me enxergarem por trás da minha doença? Eu estou bem aqui. Eu também posso ser legal, eu também posso ser engraçada, ter amigos, estudar, trabalhar, construir uma família, viver. Eu posso, eu sei que posso. Não, eu não preciso ser tratada como normal para me tornar normal, eu já sou normal, nunca deixei de ser, mas preciso ser tratada como tal para me sentir dessa forma. Dói ser julgada dia após dia por algo que eu não posso evitar. Eu sou mais que estas cicatrizes, eu sou mais que um diagnóstico, mais do que os remédios que eu tomo. Meu nome é Sabrina, tenho 19 anos e uma vida inteira pela frente. É tão difícil assim de entender?

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Sem heróis



Os adultos nunca escutam. Eu sempre soube disso. A criança que eu e muitas outras pessoas foram, foram sistematicamente ensinadas a permanecerem em silêncio. Ninguém escuta as crianças, é um fato, nunca entendi o porque mas é assim que as coisas são. Enquanto, ano após ano, eu era perseguida das mais diversas formas, eu sentia que a culpa era minha e eu que tinha que resolver isso sozinha. Eu nunca contei para ninguém porque sabia muito bem que heróis não existiam, pelo menos não no meu mundo. Eu não permitia a mim mesma sonhar porque não suportaria o peso de ser mais decepcionada do que eu já era. Aos 6 anos eu já desprezava os contos de fada, aos 8 já sentia que não era mais uma criança e nem me lembrava de um dia já ter sido uma. O mundo é um lugar duro e solitário de mais. E quando você cresce como eu cresci, você não consegue enxergar que o mundo e as pessoas não só podem como deveriam ser bons.

Eu demorei muitos anos para conseguir confiar em alguém, uma confiança frágil e quebradiça, mas um passo enorme para mim. Eu gostaria que as coisas tivessem sido diferente, eu gostaria que um adulto tivesse olhado por mim, tivesse percebido o quão mal as coisas iam para mim. Eu gostaria que alguém tivesse quebrado minha barreira de silêncio, me abraçado e me explicado que aquilo que eu passava era errado e que eu não precisava nem deveria passar por aquilo. Mas ninguém fez nada. É por isso que nunca acreditei em heróis, nunca contei com ninguém. O mundo me decepcionou muitas e muitas vezes.

Eu costumava odiar os adultos e a força que eles exerciam sobre as crianças, quase todos tiranos, mascarados ou não. Todos inúteis para mim. Como podem ser tão cegos? Como podem errar tanto ou serem tão maus e egoístas? Como podem negar a realidade bem diante de seus olhos? Eu nunca entendi. Enquanto a casa desabava eles só se preocupavam em gritar baixo para os vizinhos não ouvirem. "O que os vizinhos vão pensar?". Foda-se o que os vizinhos vão pensar. Esse está longe de ser o problema. Nunca consegui entender isso. Será que as pessoas emburrecem quando crescem? Eu costumava pensar que sim. Talvez.