"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Minha ausência



 Faz tanto tempo que eu não escrevo que eu nem sei por onde começar. Talvez eu devesse primeiro explicar a minha ausência... Acontece que eu comecei a ouvir vozes e elas me diziam para me cortar, cada vez mais fundo e foi o que eu fiz, eu me cortei mais fundo, 30 pontos no braço direito e uns 10 no braço esquerdo, obviamente eles me internaram de novo, eu estava psicótica demais. Dei um pouquinho de trabalho nessa internação, as vozes queriam que eu quebrasse tudo quanto é vidro que aparecesse na minha frente para me cortar. Tentei quebrar a porta de vidro do boxe do banheiro mas não consegui. Foi a maior bagunça, eles me seguraram e me amarraram na cama, me deram uma injeção e tudo o que queria era me machucar. Enquanto eles amarravam meus pés eu socava minha cabeça, quando eles amarraram minhas mãos eu passei a bater a cabeça na parede, ai eles afastaram a cama da parede e eu não consegui fazer mais nada, foi horrível, uma das piores experiências da minha vida. Fiquei exatamente três horas e meia olhando para o teto chorando, prometendo para deus e o mundo que eu nunca mais iria encostar um dedo em mim mesma, papo furado, claro, mas na hora você prometeria qualquer coisa, qualquer coisa para sair dali. É como se você virasse algo muito menor que um ser humano, consegue imaginar? Eles te tiram tudo, absolutamente tudo, você não pode se quer ir no banheiro se precisar, você precisa implorar até para isso, até para ganhar um copo de água, você deixa de ter qualquer pingo de orgulho próprio, você é só um prisioneiro, sem direitos, sem nada. Você faria de tudo para ter direito as coisas mais simples e básicas. E isso é perigosíssimo, os enfermeiros tem um poder em mãos, com aquelas faixas e camas, enorme e nós, os internos, só podemos torcer para que eles sejam humanos o suficiente para nos deixar usar o banheiro, para nos servir água quando precisamos, essas coisas, nos dar o mínimo de dignidade que nós merecemos e precisamos.

Bom, deu trinta dias na clínica e eles me liberaram, mas eu não saí muito bem, andava meio deprimida, meio desligada, meio sem vontade de fazer coisa alguma. Nem escrever eu estava conseguindo, esse post vai sair horrível, sei que vai, mas pelo menos é um recomeço, é alguma coisa depois de tanto tempo. Eu me sinto muito sozinha quando não escrevo aqui no blog, é como se eu tivesse parado de conversar com um grande amigo. De qualquer jeito espero estar de volta. Conheci muitas pessoas legais nessa internação e me aproximei de uma pessoa que eu julgava muito mal no passado mas que se mostrou muito boa afinal. Foi bom, foi bom descobrir que as pessoas são melhores do que aparentam, as vezes muito melhores. A clínica só não é insuportável pelas pessoas incríveis que estão ali dentro, de verdade... Não encontro pessoas tão loucamente incríveis aqui fora como lá dentro, tudo bem, elas estão doentes e por isso são tão loucas, óbvio, mas mesmo assim, há um brilho, há algo de diferente, há algo de lindo em suas almas perturbadas. Lá dentro nós gritamos, rimos da nossa tragédias, olhamos para a lua, dançamos para ela e cantamos, podemos fazer qualquer coisa, cada um é cada um em sua mais pura essência, porque lá não há nada nos segurando, não há pressão nenhuma, não há sociedade, não padrão, não há olhares acusadores, não há vergonha, não há nada , somos só nós. Um bando de loucos querendo se divertir. E a gente se diverte, se diverte pra caramba.

Tudo isso quando a clínica inteira não está surtando, óbvio. Tem dias que o clima lá é tão pesado que fica até difícil respirar e nada parece ter graça o suficiente para alguém arriscar um sorriso. Eu gostaria que todos os dias lá fossem dias alegres e doidos, dias em que todo mundo está pulando pelo pátio e cantando, gritando, rindo ou sei lá o que mas essa não é a realidade da maioria dos dias, infelizmente. A maioria dos dias a gente só fuma e escuta os gritos dos pacientes mais graves, quando não são nossos próprios gritos, e arriscamos qual seria a doença desse ou daquele outro paciente. Espalhamos boatos, dividimos doces contrabandeados, brigamos para ver em qual estação vai ficar o rádio e em qual altura o som também vai ficar, fumamos mais um cigarro, o telefone toca e ninguém quer atender. É isso que fazemos dia após dia, ah sim, e comemos, como uns condenados, cinco refeições por dia. E tem as terapias ai no meio também, pintar caixinhas, fazer pulseiras, essas coisas. Nada demais.