"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Meu último post

Esse é meu último post nesse espaço. E eu estou tão feliz que esse seja meu último post. Durante anos aqui foi o lugar onde eu encontrei pessoas muito boas dispostas a me ouvir e compartilhar suas vivências comigo, foi muito bom poder desabafar aqui e ouvir também um pouquinho do desabafo de vocês, porém esse lugar não me representa mais. Como vocês podem ver, nos meus últimos posts eu tentei fazê-los entender que eu havia começado a me identificar como homem transgênero, então quem vos fala não é mais a Sabrina e sim o Samuel. Na verdade a Sabrina nunca existiu, não passou de uma máscara a qual eu criei e me escondi muito bem escondido. Eu sou um cara e estou cada dia mais feliz por ter me descoberto finalmente. O vazio no meu peito finalmente está preenchido... Os pequenos fatos na minha história finalmente se encaixam e fazem sentido. Estou feliz. E estou lutando para começar meu processo transexualizador. De qualquer jeito, eu até pensei em transformar o blog, junto com a minha transformação, (eu já estou bastante masculino, tanto que dificilmente alguém na rua percebe que eu nasci com o sexo feminino) porém recebi alguns comentários transfóbicos em algumas postagens e isso me desanimou totalmente. Se o público é transfóbico, então não há nada que eu possa fazer. Sinto muito, para vocês, que não aceitam o Samuel, a Sabrina morreu, esqueçam. Bem... E é por isso que decidi fechar o blog. Porém ele continuará no ar, com as lembranças de anos da minha difícil jornada para algum lugar, que acabou sendo para a transexualidade. Abraços, 
Samuel.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Eu não estou doente




Eu não estou doente. Eu não estou confuso. Não, isso não é só uma fase. Eu não odeio meu corpo porque eu estou acima do peso. Não é isso. Você não está entendendo. Você não está me ouvindo. Quando eu digo que sou um homem, eu sou um homem. Independente do meu corpo, independente da criança de cabelos compridos que me olha na foto do meu RG. E independente do nome que me registraram que não me representa mais. É, independente de tudo isso. É tão difícil assim entender? Eu sou o que quero ser. Eu sou o que sinto ser. Eu sou o que minha mente, com todas as forças, me diz ser. E eu amo ser assim. Não é uma escolha, é só o que, na minha mais pura essência, eu sou. Você diz que as pessoas não se tornam transexuais "do nada". É verdade, você tem toda a razão. Eu não "me tornei" transexual "do nada", me admiro da sua incapacidade de notar meus sinais. Eu que deveria ser uma pessoa tão próxima sua. Você nunca nota nada. Nunca notou que eu gostava de meninas, nunca notou minha inclinação e fascinação pelo mundo masculino, nunca notou nada que me aconteceu a vida inteira... Ou eu sou o melhor mentiroso do universo ou tem gente que andou ocupada demais para me notar.

Eu não sou um projeto de vida que deu errado, não sou alguém que se desviou do caminho que deveria trilhar, não sou uma criança que está sendo influenciada a ser desse modo (que absurdo, quem teria o poder de influenciar alguém a ser transexual?). Sim, não me dou bem com regras sociais, mas e daí? Isso não quer dizer que eu estou ou sou doente. E se seu deus me odeia, o meu me ama, ele me ama pelo que eu sou por dentro e não o que eu sou por fora. E se ele me fez assim, deve ter um bom motivo, como por exemplo te ensinar a não ser tão preconceituosa e mente fechada.

As coisas que você fala... Sabe, machucam. E eu fico quieto porque não quero brigar. Você não quer que eu frequente os lugares onde eu encontro conforto para ser quem eu realmente sou, você não quer que eu veja as pessoas que me aceitam como eu realmente sou, as pessoas que são como eu e me entendem como ninguém. Mas se eu não tiver isso... Onde eu encontrarei apoio e forças para suportar o mundo sendo o Samuel? Minha psicóloga se recusa a me chamar pelo meu nome correto, se recusa a me tratar no masculino... Ela não me dá mais forças ou apoio. Eu preciso ir para o CRD e para o CRT, lá ninguém nem sabe meu nome de nascimento, simplesmente porque a sabrina não existe. Samuel existe, Samuel está vivo e quer viver, com todas as minhas forças. E se Samuel não puder existir... dessa vez, não haverá nenhuma sabrina para viver no lugar.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Meu verdadeiro eu



É um pouco cansativo. Ele, ela, o, a. Um pronome, uma única letra... é capaz de me machucar tanto. E eles dizem: "Tanto faz!". Tanto faz?? Não! Tanto faz o caralho! Vocês sabem a dor que eu suportei e passei para chegar até aqui? E finalmente eu me encontrei, finalmente as pessoas estão começando a me reconhecer como eu realmente sou... E vem vocês com um "tanto faz" me tratar como menino ou menina? Pela milésima vez, meu nome é Samuel e eu sou um menino. Ser tratado no masculino é um direito meu e um dever seu. Você não está me fazendo nenhum favor. E se é difícil me tratar no masculino porque meu corpo não é masculino "o bastante", saiba que o que define se uma pessoa é homem ou mulher não é o que ela tem entre as pernas, e sim entre as orelhas. Então supere. Eu sou um homem. E tenho sentimentos.

Estou cansado. De ser chamado de "moça" por aí, de ser obrigado a usar o banheiro feminino, de receber esses olhares confusos ou desconfiados, que me julgam, que me derrubam... Estou cansado de ser questionado, de ser incompreendido, de não ser levado a sério. "Você só está confusa", "É só uma fase", "Você é só uma mulher machona", "Você é uma lésbica masculina". Não, não e não. É diferente. Eu me sinto homem, cada dia mais, e me sinto ótimo com isso. Por que é tão difícil entender? Se eu estou feliz com isso, isso deveria bastar.

Então, eu peço a vocês para que abram suas mentes e tentem entender. Nem todo homem tem pinto. Alguns homem tem seios. E daí? Assim como nem toda mulher tem vagina ou seios. Supere. O que importa são nossos sentimentos, como nos sentimos, quem somos em nossas cabeças. Esse é nosso verdadeiro eu.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

O que eles disseram



Quando eu fui internado pela primeira vez, eu lembro de ter me aberto bem com o psiquiatra que me atendeu. Queria que ele resolvesse o meu caso o mais rápido possível, queria ficar bem logo, queria ser só uma garota normal... Mas apesar de todos os meus esforços... Ele insistia em dizer: "A Sabrina tem algo dentro dela... Algo grande que ela ainda precisa libertar.". Eu procurei por esse "algo" e, na época, não pude encontrar. Hoje eu entendo, sim... Hoje, me olhando no espelho como Samuel, orgulhoso, eu entendo. Obrigado Doutor, você foi o único que percebeu, o único sensível o bastante para transpassar todas as barreiras que eu construí com tanto afinco.

É engraçado... Cada pessoa reage diferente frente a uma novidade tão "assustadora" quanto a que uma pessoa que você conhecia há muito tempo na verdade se enxerga como sendo pertencente ao sexo oposto. Ainda não tive nem coragem de contar pra minha médica. Minha psicóloga e minha mãe se uniram na campanha "você-está-em-surto-psicótico", "borders-tem-personalidades-instáveis" e "isso-é-só-sua-doença-te-deixando-confusa". Não faço ideia do que meu pai pensa, porque como ele não fala, é tudo um mistério. Alguns colegas e amigos reagiram muito bem, outros eu ainda estou esperando a reação... e pensando se tudo o que eu vou ter vai ser esse silêncio horrível e omisso, como se eu, e como eu me sinto, não tivesse importância ou relevância alguma. Provavelmente não tem mesmo.

Bem, o que importa? Só eu sei o que se passa em minha mente e coração. Samuel significa "seu nome é deus". Esse nome surgiu na minha cabeça espontaneamente, então, se meu nome é deus... eu devo saber o que estou fazendo. Confie em mim, me escute, entenda-me... Minha personalidade não está instável simplesmente porque ela continua exatamente igual, o que mudou foi que eu descobri a qual gênero eu realmente pertenço. Não estou em surto psicótico. Sério, olhe para mim, fale comigo, ande ao meu lado, eu pareço psicótico para você? Eu acho que não. Eu acho que um psicótico não conseguiria escrever um texto coerente como esse. Se eu estou confuso? Na real? Eu falo que estou confuso porque sei que falar a verdade vai assustá-los, mas tudo parece tão certo aqui dentro. Eu não me sinto confuso. Eu me sinto Samuel.

Carta de despedida 01



Antes de tudo, acho melhor eu me apresentar. Meu nome é Samuel. Tenho 21 anos e não faço nada da vida pois minhas doenças psiquiátricas têm me impedido. Ou seja, há muito tempo sou um peso morto na vida das pessoas que me cercam, não sirvo para nada, não avanço para nenhum lado, não cresço, não evoluo... Só dou mais e mais trabalho e despesas. E bem, venho por meio desta carta me despedir. Mãe, pai... Eu menti para vocês a minha vida inteira, eu escondi tanto, tanta coisa de vocês. Me desculpem, mas creio que nunca confiei em nenhum de vocês, sempre tive medo de que vocês não me aceitassem, não me compreendessem ou me amassem do jeito que eu sou. Mãe, pai, a verdade é que eu nunca fui a garotinha que vocês queriam que eu fosse. A verdade é que eu nem ao menos sou uma garota. Me desculpem. Mãe eu sei que você quer que eu use saias e vestidos e vá na igreja com você, mas eu me sinto tão miserável usando roupas de femininas, não consigo mais mãe. Não mais. E sabe as aulas de natação que eu me recusei a continuar indo? Foi porque eu não aguento ter que usar o vestiário feminino, me sinto totalmente desconfortável com meu corpo exposto ali... E me sentiria muito mais no vestiário masculino. Não há lugar para mim mãe. Não existe uma zona neutra. O mundo é binário demais e eu odeio isso.

Amigos... Vocês não estão sabendo de nada. Vocês ainda me conhecem pelo meu nome antigo. Eu não contei para vocês porque sei o quanto vocês são preconceituosos com pessoas transexuais. Já fiz algumas perguntas sobre transexualidade para vocês e as respostas não foram nada positivas... Tenho medo da reação de vocês, tenho medo das risadas, de como vocês vão me zoar e não vão me ouvir ou levar a sério. E isso vai doer, vai doer demais. Mas realmente gostaria de poder ter uma conversa civilizada, uma em que eu poderia explicar como eu me sinto. E então vocês poderiam ser um pouquinho mais compreensíveis. Me desculpem por esconder algo tão importante assim de vocês.

Amor, eu tinha muito medo de falar sobre isso com você. Eu achava que você poderia me deixar por conta dessa descoberta. Mas como sempre, você me surpreendeu. Obrigado por me aceitar do jeito que eu sou e me amar acima de qualquer coisa. Eu te amo de toda a minha alma... Por favor, nunca se esqueça de mim e no quanto você pode fazer bem para uma pessoa que um dia a vida tanto machucou. Eu estava me sentindo tão sozinho, é bom saber que agora eu tenho uma aliada... Mas mesmo assim eu tenho que ir. Sinto que não há lugar nesse mundo para mim, não mais. Meus pais nunca me aceitarão, meus amigos nunca entenderão, eu nunca vou conseguir tudo o que realmente quero... A vida é um pouco dura demais. Ser transexual é sofrer todos os dias a sua identidade roubada, é não ter o direito de ser quem você é.

Olá, meu nome é Samuel. Transexual, 21 anos. Borderline, Esquizofrênico. Apaixonado. Eu já pensei em escrever milhares de cartas de despedidas, mas essa é a minha primeira.

Adeus.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Uma questão de gênero



Me olho no espelho, completamente nu. A primeira coisa que gosto de notar é meu cabelo, curto, repicado, bagunçado. Um caos. Do jeito que eu gosto. Sorrio para minha imagem com orgulho. Se eu me concentrar só no meu rosto, no meu cabelo, eu gosto do jeito como eu pareço, do jeito como sou. Não é tão ruim assim... É? Meu sorriso vai sumindo a medida que meus olhos vão descendo pela imagem de meu corpo. Meu deus, porque tudo está tão errado? Escondo meus peitos com uma das mãos e meu sexo com a outra. Fecho os olhos sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto, desejando de todo meu coração que isso seja só um sonho ruim, desejando que quando eu os abra eu tenha um corpo condizente com meus sentimentos. Mas eu sei, eu sei que nada vai mudar...

Meu nome é Samuel. Todos os dias eu abro minha gaveta e só encontro calcinhas lá, sou obrigado a vestí-las. Meu armário está lotado de roupas femininas e todos os dias eu luto para achar uma combinação mais andrógena possível. Eu não tenho como esconder meus seios ainda, pois não tenho faixas ou binders, então eu improviso vestindo camisetas sobrepostas e casacos largos, mesmo quando o calor é insuportável. As vezes as pessoas na rua acertam minha identidade de gênero e me tratam como menino, mas é humilhante sair com quem me conhece, e não me entende, e ser tratado como menina. E todos os dias tem esse maldito espelho, que eu encaro, às vezes por horas a fio, imaginando quando eu terei o corpo que eu deveria ter nascido com.

Eu me pergunto muito, por que deus me fez desse jeito? Por que eu sou um menino, preso em um corpo de menina? Não faz sentido. Mas esses dias comprei minha primeira calça masculina, minha primeira camiseta masculina... E eu me olhei no espelho, no mesmo espelho que eu chorava todos os dias de tristeza e pela primeira vez na vida, eu chorei de alegria. E eu pude entender porque deus havia me feito dessa maneira.

domingo, 10 de agosto de 2014

Eu nasci para viver livre ou morrer jovem



Não destrua o amor. Não, não faça isso. Meu monstro se mexe inquieto dentro de mim e sussurra em meus ouvidos que eu devo me cortar. Só um pouquinho, só mais um pouquinho... Já faz tanto tempo. Ele, eu, não, ele, quer sentir o cheiro do sangue escorrendo pelos meus braços mais uma vez. Tão... Tranquilizante, tão energizante. Fecho meus olhos e a única coisa que eu vejo é meus braços cobertos de sangue. Quero chorar, quero sair correndo, quero gritar. Amor, o que eu faço? Passo minhas unhas sobre minhas cicatrizes, elas coçam como se gritassem para serem abertas novamente. Meu deus, meu deus... Passo pelas farmácias em guerra comigo mesma, quase me contorcendo. Eu preciso de uma gilete, eu preciso, eu preciso. Não, não e não! Sim, por favor, por favor. Se corte, se corte, se corte, meu mostro canta em minha mente. Minha cabeça dói e eu tento me lembrar de todas as coisas ruins que vão me acontecer se eu me cortar. Mundo, sociedade, amor, doutoras, mamãe... não me internem de novo, por favor, por favor, eu não vou aguentar mais uma internação. Eu sei, eu sei que eu fico muito descontrolada, eu sei que eu sou um perigo para mim mesma e que para meu próprio bem eu preciso ficar trancada em um lugar controlado e vigiado durante um tempo as vezes... Mas... mas... Sabe, é tão triste. Aquilo acaba comigo. Eu nasci para viver livre ou para morrer jovem. E cada vez mais eu me convenço que meu caso está mais para a segunda opção.

Eu só queria poder fugir... Pegar o amor da minha vida pela mão e sair correndo para bem longe. Viver de luz e água fresca. Eu ficaria feliz. Por que as coisas não são simples e fáceis como deveriam ser? Por que tudo é tão difícil? Eu estou assustada e triste. Sinto que estou caindo... Eu sabia que isso ia acontecer, mais cedo ou mais tarde. Isso sempre volta acontecer. Um período bom sempre é seguido de um período ruim. Eu só não estava preparada para ele, eu nunca estou. Eu sempre esqueço o quão foda é viver com essa doença fora de controle. Eu sinto como se não fosse mais eu, ou será que só agora eu estou sendo eu mesma? Eu não faço ideia. Minha personalidade doentia me confunde e a existência do meu monstro me confunde mais ainda. Tudo o que eu sei é que eu estava indo bem e agora eu penso em me cortar como um viciado pensa em sua heroína. Não sei o que vai acontecer comigo, estou com medo. Voltei a pensar em me matar. Acho que seria melhor para todos.

sábado, 9 de agosto de 2014

Um pouco sobre a Esquizofrenia



Eu comecei a tomar um remédio novo. Eu comecei a ir em uma médica nova. Eu comecei a diminuir um remédio velho. E tudo começou a desandar. O remédio novo é para Esquizofrenia e Bipolaridade (novidaaaade), mais um antipsicótico. A Esquizofrenia... Decidi falar um pouco mais sobre a Esquizofrenia dessa vez. Eu não ando mais interessada em diagnósticos então não sei como minha nova médica me diagnosticou, mas eu já fui diagnosticada duas vezes como esquizofrênica na clínica onde eu costumo ser internada. Eu sempre sou diagnosticada como Borderline, depois como Border e Esquizo e por último como Bipolar ou Depressiva (o que está obviamente errado). Bom, eu lembrei dessa coisa da Esquizofrenia porque estava escutando aquela música da banda Nickelback, Never gonna be alone, que foi a música tema do casal daquela novela em que o cara tinha esquizofrenia, lembram? E a mãe não aceitava a doença dele e não deixava que ele se tratasse. Eu não acompanhava a novela, mas eu cheguei a assisti algumas cenas. Foi uma boa atuação, nem todos os esquizofrênicos são daquela forma, mas foi uma boa atuação de um esquizo em crise.

Na clínica, eu lembro, tinha os esquizos doidões, os que os remédios ainda não tinham começado a fazer efeito... Eles eram, como posso dizer? Livres. Eles viviam em seus universos, eles faziam o que queriam em total liberdade e conforto, ou desespero. Às vezes era tão bonito de se ver. E, bem, tinha os esquizo robozinhos. Que eram nós. Os que em um primeiro momento pareciam completamente normal, totalmente controlados pelos remédios fortíssimos, domados, amarrados, adestrados. Dizíamos por favor e obrigado e obedecíamos as enfermeiras como crianças ansiosas por aceitação e carinho. Nós nos importávamos com o mundo a nossa volta, eles tinham nos ensinado a força a nos importar, tínhamos sido dobrados. Era esse o objetivo da clínica, "recuperar" o doente mandá-lo de volta à sociedade. Logo seríamos "normais" o suficiente, pelo menos por fora, para irmos embora.

De qualquer jeito, voltando à novela, lembro que naquela época eu ainda não me cortava, nem tinha diagnóstico de nada e meu sofrimento ainda era um segredo. E minha mãe era contra o casal esquizofrênico e sua namorada. Ela costumava dizer "magina! Um doente assim tem que ficar sozinho, só vai dar trabalho para ela!". Que ironia. Anos depois a esquizo problemática é sua filha. Mãe, eu mereço ficar sozinha? Mamis... Eu vou provar pra você que eu não sou um peso inútil e que eu posso fazer minha namorada feliz. Mesmo tento tantos problemas. Porque sabe... As vozes vem e vão, minha visão distorce e volta ao normal, as alucinações aparecem e desaparecem, mas ela sempre está lá para mim. Mesmo em meus delírios, lá está ela. Mesmo em minhas explosões, mesmo quando a machuco sem querer... Lá está ela. E ela me ama. E eu a amo. Eu me sinto um lixo por ser quem sou, por dar tanto trabalho e dor para as pessoas a minha volta, mas eu... não vou ficar sozinha, sabe por que? Porque ela me prometeu que estaria ao meu lado. E eu vou estar ao dela. Eu vou fazê-la sorrir todos os dias e assim, eu vou ser útil, não vou?

Sabe, eu já conheci muitos esquizofrênicos durante minhas 5 internações nesses últimos dois anos e meio, e tem gente que fala que eles não são afetivos... Mentira. Os esquizos amam e muito. Os esquizos são só pessoas... Exatamente como você, só um pouquinho diferentes.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Minha luz



Está tudo indo bem, não está? Eu só, talvez, tenha sido maltratada por tempo de mais. E agora, mesmo cercada de amor e apoio, a noite ainda chega e me cerca de escuridão. Sinto frio e, deus, como eu me sinto sozinha. Você pode me beijar agora? Pode me abraçar e prometer que nunca vai me deixar? Por favor... Por favor não vá embora... Você é a única pessoa no mundo que me entende, me ama e com quem eu posso contar. Eu te amo tanto que nem consigo expressar em palavras. Sabe, eu ando com tanto medo, essas malditas lembranças me torturando. É tão difícil suportar a vida às vezes, respiro com cada vez mais dificuldade, meu coração fraqueja e as lágrimas escorrem pelo meu rosto. A única coisa que eu consigo pensar é no quanto seria fácil acabar com tudo. Por favor, não me deixe acabar com tudo. Segure minhas mãos, me interne de novo em uma clínica, me amarre em uma cama de hospital, me dê aquelas injeções, qualquer coisa. Eu não me importo. Eu só sei que preciso aguentar, eu quero aguentar. Por você, meu amor, eu quero viver.

Talvez eu só esteja um pouco triste. Minha vida está uma bagunça. Não estou estudando nada, nem trabalhando, fico trancada em casa a maior parte do tempo porque minha mãe não confia em mim para me deixar sair sozinha. Estou estagnada. Me sinto uma fracassada, uma inútil. Não é raro eu me pegar olhando para o teto e começar a chorar simplesmente porque não sei o que fazer. Estou cansada de assistir TV, estou cansada de ler livros, ver filmes, montar quebra-cabeças e mexer na internet. Até dormir me cansa. Eu quero sair, quero andar por aí como eu costumava fazer quando era mais nova, sei lá, fazer coisas diferentes, conversar com pessoas, ver mais meus amigos, conhecer lugares novos, etc.

Sinto tanta falta de ser livre. Sinto tanta falta de ter uma vida "normal", se é que um dia eu a tive. Sinto tanta falta de você, amor. Queria que todos os dias você espantasse a escuridão a minha volta. Só você tem esse poder. Obrigada por iluminar meus dias (e noites, claro), e por fazer com que eu queira viver.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

O meu vício (Cutting)



Ando de um lado para o outro como uma viciada, me coço, roo minhas unhas, se me sento em busca de um pouco de paz minhas pernas começam a tremer. Eu preciso, eu simplesmente preciso daquilo. Não parece mais algo que eu tenha escolha, mas sim algo que já se enraizou tão profundamente dentro de mim que já faz parte do que eu sou. Como posso sobreviver sem isso? Eu já não sei mais. Há dois meses atrás eu nem pensava mais nisso e hoje isso não me sai da cabeça nem um momento se quer. Por que? Por que as coisas mudam desse jeito comigo? Tudo bem, isso significa que um dia as coisas vão voltar a melhorar também, mas quando? Tenho medo de que esse dia chegue tarde de mais. Estou cansada de lutar contra mim mesma, estou cansada dessa batalha perdida, dessa campanha falida. É só que eu olho em volta, e quase sempre o que eu vejo é escuridão. É difícil se ter esperanças sob meu ponto de vista, é difícil seguir em frente, é difícil confiar nas pessoas, pedir ajuda, se quer falar para qualquer um o que está acontecendo.

Então minha tendência é me fechar cada vez mais. Eu já sou quieta por natureza, mas posso me tornar um túmulo. Tudo começa nas sessões de terapia. De repente os 50 minutos que passavam tão rápido com eu falando o tempo todo começam a demorar para passar, começam a se tornar cada vez mais silenciosos, até que eu comece a responder as perguntas da minha psicóloga monossilabicamente. Não faço de propósito. Simplesmente perco a vontade de falar, sobre qualquer coisa, nada mais me interessa, nada mais importa. Há não ser meu vício, claro. É só nele que eu penso, sonho com ele, faço planos para obtê-lo, fico imaginando como vai ser quando eu o tiver em minhas mãos. Um monte de besteiras. O pior é que eu sei muito bem o que vai acontecer caso eu ponha a mão no que eu quero tanto.

Eu vou ser internada de novo. Vou abrir um rombo em meus braços e vou ser internada novamente. Vou atrapalhar meus estudos de novo e causar todo aquele mesmo transtorno para meus pais e meus amigos e sabe o que é pior do que isso? Eu estou disposta a correr esse risco só para ver um pouquinho de sangue escorrendo pelos meus braços. Eu estou disposta. Entendem agora a pessoa horrível que eu sou? Eu não consigo pensar no momento em quanto corações eu vou quebrar caso eu me corte nesse exato momento, não consigo, só consigo pensar na lâmina cortando minha pele. Meu deus, eu sou uma viciada. Me desculpem. Prometo que dessa vez é a última, me deixem me cortar só mais uma vez, só mais uma e mais uma e mais uma...

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Sobre ser normal




Eu tento ser normal, mas algo simplesmente insiste em escorrer pelos meus dedos. E as pessoas vivem a perguntar: O que há de errado? Que cara é essa? Eu só estou cansada de não saber responder. O que eu sinto, o que eu sou, é tudo tão assustador e confuso. Eu não sei o que há de errado comigo, dia após dia, tudo é tão perfeito que chega a doer. Eu tenho tudo o que quero e preciso. Eu tenho uma família, amigos, médicos, minha psicóloga, tenho comida na mesa, tenho meus remédios, tenho uma boa clínica para ficar internada quando surto, tenho uma namorada... Eu tenho tudo. O que mais eu poderia querer? E no entanto... Que cara é essa? Sabrina, olha para mim, o que há de errado? Eu não sei, eu não sei. Me desculpem, por favor, me desculpem. Eu sou tão ingrata, como posso ter uma mente tão doentia cercada de coisas tão boas? Eu juro que tento ser boa também, pensar em coisas boas, me manter pura, gentil e agradável, eu realmente me esforço muito para ser assim... Ninguém pode saber como eu sou por dentro, ninguém pode saber as coisas horríveis que eu penso, as coisas horríveis que eu faria caso não me controlasse todos os segundos da minha vida...

O que há de errado? Está tudo errado. Se você olhar por cima não verá muita coisa errada, uma garota, gay, um pouco desajustada por isso e só. Mas se você chegar perto... E ver meu histórico de internações, as cicatrizes em meus braços, cada vez maiores, cada vez mais constantes, você vai sacar que tem algo de muito errado acontecendo dentro da cabeça daquela garota. E eu não sei como consertar isso. Minha cabeça simplesmente não consegue parar de pensar em como e quando vai ser a próxima vez que eu vou cortar meus braços. Para mim soa como um fato. Eu não vou parar, não há escolha. Meu monstro se mexe satisfeito dentro de mim. É isso que ele quer. Ver meu sangue escorrendo pelos meus pulsos, minha vida esvaindo. Colocar o ponto final na minha curta e dolorosa história.

E tudo o que eu quero é só ter uma vida normal. Uma vida onde as pessoas não me olhem como se eu fosse uma aberração, ou não me tratem como se eu fosse uma retardada, e muito menos que tenham pena de mim. Eu quero ser igual a qualquer um de vocês, quero que as cicatrizes em meus braços não sejam um carimbo em minha testa que diz "louca" para qualquer um ler. Eu só quero poder parar de pensar um pouco em lâminas e giletes e começar a pensar no futuro, um futuro bom e que pode acontecer sim, não um futuro sombrio onde eu me mato no final (porque isso sempre foi a minha visão de futuro até então). É possível?

sábado, 18 de janeiro de 2014

A prova



De um tempo para cá venho sentindo uma dificuldade enorme para escrever. O que eu posso fazer? É difícil escrever quando sua vida está estagnada. Há um bom tempo nada acontece. E todos a minha volta comemoram porque parece que finalmente meus remédios estão fazendo efeito, mas vocês querem a verdade? Eu estou odiando isso. Estou odiando esse nada, esse não sentir, essa estagnação, esse controle absurdo que me transformou em quase uma máquina, esse tédio, essa estranha que eu me tornei tão... fria e calculista, tão calma e racional. Eu não sou assim. Eu sou um furacão de sentimentos desenfreados, sou o calor da emoção pura, sou uma doida sentimental. Essa sou eu. Agora não mais... Eu estou confusa, eles dizem que isso não era eu, que isso era a minha doença, mas quem sou eu sem a minha doença? Ela faz parte do que eu sou. Não deveria existir uma Sabrina sã e uma Sabrina louca, deveria existir a Sabrina e ponto, algo entre essas duas. E quem eu sou hoje, decididamente não é esse equilíbrio. Eu detesto esses remédios cada vez mais, eu entendo que preciso deles, mas o preço que eles cobram é caro demais. Sinto como se eles estivessem tirando tudo o que eu tinha de bom, minha espontaneidade, minha segurança, minha coragem, meus sentimentos, meu dom para escrever, tudo, enfim. Sinto como se estivesse aos poucos retrocedendo, ou virando um robôzinho.

Não que eu seja contra a utilização de remédios no tratamento para doenças mentais, longe disso, sou super a favor, estou só contando como me sinto, o que não quer dizer que eles (os remédios) não funcionem maravilhosamente bem com outras pessoas. O problema comigo é que para mim as coisas nunca estão boas o bastante, esse é que é o problema. Tem sempre alguma coisa, alguma coisa que falta, que não se conserta, que sei lá o que. Eu não estou infeliz, eu SOU infeliz. E por que? Por nada, por tudo, não sei porque. Não é uma escolha, é algo que me pega desprevenida nas tardes de quarta feira e faz meu peito doer como se alguém estivesse me esfaqueando, é algo que faz minhas mãos tremerem e minhas pernas se encolherem junto ao corpo, é algo que me faz chorar sem motivo algum, assim, de repente. Eu não tenho escolha, tudo a minha volta é cinza e dolorido demais, é por isso. O que eu posso fazer? Eu só rezo para que essas crises passem logo, é tudo o que eu posso fazer, eu só rezo para ter forças, forças para não rasgar minha pele mais uma vez em busca de um pouco de alivio momentâneo, eu só rezo para que eles não me tranquem de novo em uma clínica, eu só rezo para não ficar louca para sempre.

Às vezes eu só queria que minha maior preocupação fosse com a prova para entrar em uma faculdade que eu tenho que fazer segunda feira, a verdade é que eu estou pouco me fudendo para essa prova. Estou mais preocupada com minha vida, se eu vou sobreviver a ela, por quanto tempo eu vou suportá-la.