"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

domingo, 27 de maio de 2012

Sorry for the mess



Minha cabeça dói. Passei o final de semana inteiro dormindo de cansaço e no entanto agora mal consigo escrever de tanto sono. Eu gostaria que o mundo caminhasse um pouco mais devagar, que o dia tivesse umas dez horas a mais e que eu pudesse dormir o quanto eu quisesse. Tenho vontade de me trancar em meu quarto por dias, meses, anos. Todo movimento requer um esforço sobre-humano. Não, no momento não quero resolver meus problemas. Não, não quero me esforçar agora. Estou cansada, me deixe dormir, só mais um pouquinho, só mais um pouquinho. Sinto vontade de chorar e não consigo encontrar um motivo. Me sinto vazia, me sinto sozinha, terrivelmente sozinha. Queria conseguir conversar, com qualquer um, sobre qualquer coisa que me incomoda aqui dentro, mas eu não converso com ninguém. Não sei falar, não consigo falar. Então esse bolo fica preso aqui dentro, tornando minha respiração pesada e difícil. Não consigo, não consigo. Quero me encolher em um canto escuro e chorar, quero me cortar, quero sair correndo para bem longe. Vai ser sempre assim? Eu deveria me contentar com minhas pequenas conquistas, deveria olhar positivamente para minhas insignificantes vitórias, mas não consigo, desculpa, não consigo. Tenho tanto medo do futuro, do que vai ser de mim, de onde eu vou estar daqui a um ano ou dois. Sofrer adiantado se tornou uma obsessão para mim, admito. Mas o que posso fazer? Não consigo controlar meus pensamentos, minha forma de ver o mundo, quem eu sou. Não adianta eu repetir para mim mesma que vai ficar tudo bem, que eu estou bem, algo grita desesperadamente aqui dentro, grita que nada está bem, que coisa alguma vai ficar bem. Não posso ignorar essa voz, esse desespero.

Eu preciso de ajuda, eu preciso desesperadamente de ajuda. E eu a tenho! O tempo todo, minha psicóloga, meu psiquiatra, meus remédios, tudo o que me ensinam, tudo o que me falam... E no entanto eu continuo precisando de ajuda. É como se eu fosse um buraco negro, sugando a atenção e ajuda de todos a minha volta o tempo todo, sugando toda a luz, toda a esperança, toda a felicidade. Constantemente. Minha psicóloga disse para eu abolir a palavra "monstro" do meu vocabulário para tentar destruir essa "personalidade alternativa" que eu criei dentro de mim por covardia... Ela fala que não existe monstro, que eu não sou um monstro. Mas é difícil acreditar nisso vivendo em minha pele. A única coisa que eu ofereço para as pessoas a minha volta é trabalho, um muro inquebrável, tristeza, mais trabalho, às vezes irritabilidade, impulsividade destrutiva, indiferença, desapego, dependência, desconfiança, medo. Não sei oferecer mais nada. Como posso deixar de me enxergar como um monstro? Eu machuco as pessoas, quando não confio, quando não consigo conversar, quando me corto, quando penso ou planejo me matar, quando não consigo demonstrar o quão importante elas são para mim, quando aparento indiferença, etc. Às vezes tenho vontade de passar o dia pedindo desculpas, por existir, por respirar, por chorar, por sentir tanta dor, por ser um desperdício em todos os aspectos, por ter um cérebro quebrado e uma alma tão vazia, por reclamar, por cair tantas vezes, por não conseguir aprender de forma alguma, por não ser capaz de superar o problema mais insignificante, por ser tão dependente, por ser tão infantil, por ser tão destrutiva, egoísta e má.

Me desculpem. Me cubro por trás de uma mascara de indiferença enquanto minha alma sangra, me desculpem. Minha mente me escorrega pelos dedos para um lugar bem longe, longe de toda essa dor, para outro universo, para um mundo alternativo onde eu não sou quem eu sou. Me desculpem.

Lado de cá, lado de lá. - Um conto sobre esperança



Ei, você aí do outro lado. Como é a vida aí? Você consegue enxergar o horizonte? Faz sol aí? O céu é azul? Como é a sensação do vento bagunçando seu cabelo? Como é poder caminhar livremente? Como funciona seus pensamentos? Você consegue percebê-los? Eles são rápidos? No que você pensa? No que você acredita? Como é o mundo visto pelo seus olhos? É bonito? É feio? Vocês choram, aí desse lado? Você já se machucou um dia? As pessoas pulam de pontes aí também? Já sentiu fome? Frio? Já foi abandonado? Você já sentiu medo? Já gritou? Você é ouvido? Você ama? Alguém te ama? O que é o amor aí do seu lado? E crianças? Tem crianças aí? Você já foi criança? As crianças choram? Alguém enxuga suas lágrimas? Você enxuga as lágrimas de alguém? Vocês são feliz aí desse lado? Você é feliz? Está tudo bem com você?

Aqui as coisas não vão bem não. Aqui ninguém é feliz. Sim, sim, há crianças, elas choram muito. Ninguém liga. Crianças com olhos fundos, assustadas, machucadas, abandonadas a própria sorte. Eu acho que não enxugo as lágrimas de ninguém, mas todo mundo tenta enxugar as minhas. Ah... Não, não dá muito certo. Há amor aqui sim, creio que o mesmo amor que existe do seu lado. Eu amo sim, desesperadamente. Sim, alguém me ama, creio eu. Oh! Sim! Já fui abandonada muitas vezes, incontáveis vezes, principalmente em minha mente. Frio, fome, medo, dor. Conheço sim. Pulam de pontes sim, aos montes. Eu me machuco constantemente, de propósito. Meus pensamentos são incertos, rápidos e instáveis. O mundo é feio aqui... Deve ser feio aí também. Sol? Nunca ouvi falar. Céu azul? Como assim? Aqui tudo é preto. Vento? Também nunca vi nada parecido. O ar é parado, pesado, sufocante. Oh, sinto muito, não há horizonte.

Interessante. Pensei que aí houvesse esperança. Não, não há esperança.

sábado, 26 de maio de 2012

Padrões



O mundo nunca é o mesmo, há momentos em que existo e momentos em que não sou nada mais do que algo incerto flutuando acima da cabeça de uma garota perdida. Entro em uma livraria e instantaneamente tudo o que eu sou se funde com todos os livros a minha volta, meu olhar vazio não transmite a alegria e agitação que tomam conta da minha alma, me sinto mais morta e mais viva do que nunca. Meus olhos passam rápido por títulos e autores, imaginando todas as histórias por trás de cada palavra, confundindo-as, misturando-as em uma grande massa fantasiosa e incrível. A seção de livros estrangeiros sempre é minha preferida, seguida pela de psicologia. Hoje fui direto para os livros de psicologia porque sabia que se parasse nos livros estrangeiros nunca chegaria à outra seção. Não sei direito o que me levou a essa quebra de protocolo hoje, já que sempre vou primeiro para a seção de livros estrangeiros. Sem exceção. Mas de qualquer jeito lá estava eu. Percebi que estava esfregando as mãos nervosamente enquanto corria os olhos distraída pelos livros. De um tempo para cá vivo me surpreendendo com tiques nervosos, às vezes eles me incomodam e eu tento parar, às vezes não me importo. Não me importei hoje. Continuei esfregando as mãos, era confortável, como se uma velha amiga me acariciasse, tentasse me tranquilizar. Dicionário de Transtornos da personalidade, li surpresa, pegando-o rapidamente e abraçando-o como se tivesse achado um tesouro.

O livro era enorme. Pensei em sentar no chão para lê-lo, mas na última vez que havia feito isso um guardinha tinha vindo até mim e falado que eu não podia sentar no chão, o que fez com que eu entrasse em pânico (é sempre extremamente assustador quando algum estranho se aproxima de mim). Decidi ficar ali mesmo, em pé, balançando desconfortavelmente no mesmo lugar enquanto tentava equilibrar o livro em meus braços. Transtorno de personalidade paranóide, transtorno de personalidade antissocial, transtorno de personalidade borderline. Aqui. O capítulo começava bem, falando as qualidades de pessoas que possuíam alguns traços borderline, mas logo depois começava a falar dos verdadeiros borderlines e a coisa começava a piorar. Virei algumas páginas, já conhecia os critérios para o diagnóstico de trás para frente, já sabia todas suas características. Procurava pelo prognóstico, eu queria saber onde estavam esses borderlines, como a doença evoluia ou se era possível encontrar estabilidade de alguma forma. Senti que a cada página que virava pior se tornava o quadro. Segundo o livro havia muita discussão sobre qual método era mais eficiente no tratamento de pessoas com esse transtorno, mas seja qual for o método, nenhum tinha até hoje apresentado resultados realmente satisfatórios. Prognóstico pessimista, futuro incerto, instabilidade, internações, suicídio... Fechei o livro sentindo minha mente fugir de meu corpo. Não penso em nada, sorrio para mim mesma desligada e devolvo o livro em seu lugar, passando a arrumar todos os outros livros da prateleiras que estavam virados ou inclinados. Me vem de repente uma vontade súbita de escrever. Eu sei que a única forma de eu saber o que eu estou pensando no momento é escrevendo, minha mente às vezes é inacessível de mais para mim mesma, escrever é o único caminho tortuoso que me permite ouvir meus pensamentos (e está aí mais um motivo que torna tão vital para mim o ato de escrever). Me sinto inquieta, preciso escrever, preciso muito escrever. Então me lembro que esqueci meu diário em casa. Normalmente eu me irritaria comigo mesma por isso, mas sinto minha mente tão distante que não consigo perceber o que estou sentindo.

Tanto faz. Paro de me balançar inquieta no mesmo lugar e passo a andar pelas prateleiras, de novo esfregando uma mão na outra nervosamente. Prognóstico pessimista, penso. Eu sorrio mais uma vez para mim mesma porque não consigo perceber o que estou sentindo. Se eu pudesse bateria a cabeça na quina daquela prateleira para ver se minha mente voltava um pouco à realidade, mas se fizesse isso as pessoas me achariam louca. Ao menos isso eu ainda consigo perceber. Saio dali na esperança de que, fazendo isso, algo melhorasse. Nada. Vou ao banheiro e lavo as mãos contando até 20 lentamente, depois de apertar três vezes o lugar da onde sai sabão e por último puxando três vezes o papel toalha para secá-las. Eu deveria ter contato até 30, me repreendo baixinho. 3, 30, 3. Esse é o padrão. Se eu não tenho tempo e só posso contar até 20 então eu tenho que fazer 2, 20, 2. Se eu tenho menos tempo ainda então ai sim eu posso abrir uma exceção e contar 2, 10, 2. Eu não deveria ter manias, ou ao menos deveria tentar controlá-las mais, eu sei disso. Mas descobri que elas são estratégias boas para me acalmar, não posso evitar. E, bom... Pelo menos, lavar as mãos contanto até 30 é menos prejudicial do que eu seguir essa "regra dos três" me cortando. Porque, sempre que eu me corto, eu preciso passar a lâmina pela minha pele três vezes, ou então um número que pode ser dividido por três. Três cortes, ou 6, ou 9, nunca fora disso. Geralmente cortes paralelos, separados por meio centímetro mais ou menos. Às vezes quebro a lei de propósito só para não ficar certinho de mais. Mas há um padrão. Para tudo há um padrão.

Minhas mãos ficam ressecadas agora, tenho que passar hidratante e arde quando eu passo hidratante, mas tudo bem. Ao menos isso me acalma, me dá a ilusão de controle, a doce ilusão de controle. O controle tão incerto para mim, tão distante e surreal. De repente aparece bem diante de meus olhos, quando organizo coisas nervosamente, quando conto, quando sigo regras ou as quebro de propósito. Às vezes quando estou triste penso em me matar porque acho que estou constantemente piorando, que não tenho jeito, que essa é a única saída... O que me leva a pensar nisso são os sintomas, eles aparecem um atrás do outro, sempre piorando. Eu sempre preciso de remédios novos, mais remédios, doses maiores, sempre exijo novas estratégias de terapia, sempre apareço com mais e mais problemas. Nada me sacia. Nada dura muito tempo em minhas mãos. Eu nunca aprendo. Se na terapia eu me esforço para parar de me cortar, eu vou fumar mais no lugar, ou comer mais, ou comer menos, ou tomar café demais ou me afogar em remédios ou qualquer outra coisa destrutiva. Não sinto que possa melhorar, só piorar e piorar. Há quase dois anos eu tento de tudo para sobreviver a toda essa dor, a todo esse medo, esse nervosismo e essa minha mente quebradiça que insiste em fugir da realidade... e no entanto a única coisa que parece que eu fiz foi piorar.

Se para tudo há um padrão, o meu é piorar.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Inacessível



Ando em círculos, não quero levantar da cama amanhã de manhã. Não consigo enxergar melhora, não consigo enxergar nada a frente, a não ser uma parede negra, um abismo, essas coisas. Não sinto vontade de nada, não quero coisa alguma. Só me enterrar um pouco mais na lama que já estou atolada. Fechar os olhos por um bom tempo, tapar os ouvidos e fazer qualquer coisa que me dê vontade. Qualquer coisa impulsiva ou destrutiva, tanto faz. Eu reclamo demais, eu sei, mas não consigo evitar. Não importa muito se o dia foi bom ou ruim, carrego comigo sempre a sensação de ter algo terrivelmente errado aqui dentro, cacos do meu coração quebrado, arranhando minhas entranhas, sangrando, esse desespero de não saber o que fazer para que a dor pare, meus pensamentos confusos e atrapalhados, fluindo pela minha mente em tal velocidade que eu mal consigo identificá-los. Nada parece fazer sentido e no entanto, sinto que em algum lugar dentro de mim tudo se encaixa, eu só não consigo alcançar esse lugar, não consigo acessá-lo, há uma barreira dentro de mim, assim como há uma barreira fora de mim, a minha volta. Ninguém consegue acessar o que eu sou, e em sua mais pura essência, nem eu mesma. Eu rodeio esse lugar em que eu não tenho acesso, faço pressão, tento entrar de uma ou outra forma, às vezes parece que consigo visualizar algo, mas logo me foge. Eu quero entrar. Eu preciso entrar.

É ali o lugar onde eu me encontrarei cara a cara com meu Monstro antes dele ter se tornado um monstro, é ali que eu encontrarei todas as respostas para as minhas perguntas. Eu sei que elas estão ali, eu sinto. A verdade existe, por mais abstrata que ela seja, ela existe, não existe? Eu vou encontrá-la. Eu preciso dela, enquanto não estiver com ela em minhas mãos, bem diante de meus olhos, sem véu nenhum amenizando-a ou disfarçando-a, enquanto eu não tiver isso, minha mente vai continuar me torturando, me enganando, mentindo, distorcendo a realidade. Mas é uma barreira tão grossa, não sei como passar por ela sem ter que destruí-la, não sei como. Sinto que preciso atravessar e que o único jeito é quebrando-a, só que quebrar isso significa que toda a sujeira guardada do outro lado vai vim à tona com toda a força... E eu não aguentaria isso. Eu queria só entrar ali, ver tudo o que eu tenho para ver e voltar, simples assim. Não quero destruir o que me manter a salvo daquilo, de jeito nenhum. Eu não sei o que fazer. Eu ando em círculos. Tem algo dentro de mim, dói. Eu preciso de ajuda, eu preciso de ajuda o tempo todo, como uma criança pequena e retardada.

Eu preciso melhorar de alguma forma. Eu preciso encontrar um jeito. Onde estarei daqui a dois anos? Internada? Morta? O futuro me parece tão sombrio às vezes, tão terrivelmente sombrio que eu não sei se quero estar aqui para chegar a vê-lo.

Bem-vinda.



- O que fizeram com você?

Acendi um cigarro, sem pressa para responder. As mãos dela tremiam enquanto ela tentava se cortar com a gilete que eu havia lhe dado. Tirei a gilete de suas mãos e com o cigarro pendurado no canto da boca abri um pequeno corte em seu braço. Ela respirou fundo e sorriu.

- Obrigada.

- De nada... Mas não se acostume, você se enfiou nessa porque quis. A culpa não é minha se você é uma idiota facilmente influenciável.

Ela deu de ombros indiferente. Levantei a manda da minha própria blusa e fiz três cortes seguidos, bem mais fundos do que o que eu havia feito nela. A garota estendeu um pano sujo para estancar meu sangramento.

- Deixe sangrar, uma hora para sozinho.

Afastei o braço de meu corpo para não sujar minhas roupas e fiquei observando as gotas que escorriam do meu sangue sujando o chão.

- E então? Não vai me contar o que fizeram com você? - insistiu ela chegando mais perto.

- Ninguém fez nada comigo. Eu simplesmente sou assim.

- Você não confia em mim?

- Não.

Ficamos em silêncio por alguns instantes. Ela começou a chorar. Eu odeio gente chorona.

- O que foi? Quer que eu minta?

Ela fez que não com a cabeça ainda chorando baixinho. Joguei o cigarro pela janela, de repente fiquei excitada com sua dor, me curvei sobre ela e a beijei com violência. Limpei suas lágrimas, peguei a gilete e fiz três cortes em seu braço, dessa vez tão fundos quanto os meus. Ela voltou a chorar, empurrei-a contra a cama e prendi seus pulsos finos com uma de minhas mãos, enquanto a outra entrava por dentro de sua calça e a penetrava sem cerimônia. Isso fazia eu me sentir melhor. Tão frágil, tão vulnerável... Eu poderia fazer o que quisesse com ela que ela continuaria a me "amar", com seu suposto amor cego e patético.

Em algum momento ela parou de chorar. Me olhava com seus olhos grandes e tristes e nem eu e nem ela conseguíamos entender o que se passava dentro de nós, entre nós.

- Eu quero te ajudar - disse ela rouca.

- Acho que quem precisa de ajuda aqui é você... Eu vou te destruir da mesma forma que me destruí.

- Não me importo.

Senti minhas mãos tremendo, saí de cima dela e me afastei. Ela me seguiu. Como podia ser tão idiota? Dei um tapa em seu rosto com toda a força que tinha, ela cambaleou, mas permaneceu onde estava. Bem na minha frente. Não chorava dessa vez. Acariciei seu rosto, que começava a ficar vermelho e inchado.

- Você gosta disso, não gosta? Por que mais estaria comigo aqui?

- Por que eu te amo talvez?

- Você não me ama. Você ama a dor. Você implora por dor.

Silêncio.

- Bem-vinda ao inferno, meu amor.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Pacto de sangue



Geralmente as melhores e as piores coisas que eu faço são por impulso, puro e simplesmente. Tem o metrô, aquele maldito lugar que tanto facilita minha vida, uma tortura, uma bênção para quem não sabe ou não pode dirigir, um milagre mesmo nos horários de pico. Insuportável. Meu coração acelera de tempos em tempos, minha mão esquerda começa a formigar e perde a sensibilidade, quase como se estivesse se desconectando do resto do meu corpo ou algo parecido, minhas pernas inquietas se tornam um problema para manter o equilíbrio dentro daquele vagão abafado, dói, meu peito dói como se alguém estivesse brincando de enfiar e tirar uma faca em meu coração. Minto, em minha traqueia, a dor é bem no meio do peito, se fosse no coração a dor seria um pouco mais para a esquerda e para baixo. De qualquer jeito é difícil fingir que nada está acontecendo, às vezes também começo a pensar que as pessoas estão me observando ou rindo de mim, então tudo piora e o insuportável se torna torturante, dilacerante, infernal, qualquer adjetivo que você julgue pior do que insuportável. Maldito metrô. Observo por alguns instantes um velho sentado na minha frente e em minha cabeça o desafio a olhar em meus olhos. Olhe nos meus olhos filho da puta, posso te matar com a mesma facilidade com que quebro um galho seco. Sacudo minha cabeça tentando afastar esse pensamento. É meu monstro, ele anda muito ativo aqui dentro de um tempo para cá.

Não consigo afastar o pensamento, logo não só estou pensando nisso como também estou sentindo uma vontade quase incontrolável de voar no pescoço daquele velho. Ele não fez nada para mim, mas algo nele irritou meu monstro, pode ter sido qualquer coisa, a cor de sua camisa, o jeito como senta, o fato de olhar para as mulheres mesmo, muito provavelmente, ser conseguir fazer o pinto levantar há anos. É tudo muito patético, meu monstro odeia essas coisas, alias odeia tudo o que é trivial, ou que diz respeito há humanidade de forma geral. É um antissocial de carteirinha. Ah, sim, eu poderia matá-lo. Enquanto luto contra essa vontade e esses pensamentos meu peito para e volta a doer aparentemente ao sabor do vento, tudo está conectado e tudo está desconectado, minha mente, minha consciência, minha personalidade, meu corpo. Cada parte parece funcionar de forma independente e sem conhecimento da outra, mas no fundo todas estão conectadas, não sinto isso, mas sei que devem estar em algum lugar. O que eu sinto é só dor, incomodo, ou então anestesiamento, distanciamento da realidade, morte. Finalmente o metro para na minha estação e eu posso dar adeus ao velho sem maiores danos, ele acabou de ganhar alguns anos de vida e nem percebeu.

Estou aliviada por estar saindo do metro, quanto à vontade de matar o velho, já nem me sinto culpada por ter esses tipos de pensamentos e vontades. Antes eu costumava me punir, agora não, estou tão aliviada que a primeira coisa que me vem a cabeça é comprar giletes para me presentear. É, eu poderia me cortar hoje, só um pouquinho. Posso sentir meu monstro sorrindo animado dentro de mim. Já faz bastante tempo que você está me enrolando e adiando isso. Concordo com a cabeça em silêncio. Faz bastante tempo mesmo, mais de um mês... Antes eu até tinha o cigarro para me distrair, agora ele não me satisfaz mais, perdeu a graça. Ainda fumo um ou outro, mas só por fumar mesmo, não me acalma, não relaxa, não me causa nada. Encosto em uma parede antes de entrar no shopping e acendo um cigarro na esperança de distrair meu monstro tempo suficiente para eu conseguir me controlar. Fico mais impaciente ainda, não consigo terminar o cigarro, preciso entrar logo e achar logo essa bendita gilete. Obviamente, eu me perco no shopping, o que é ridículo porque nessa altura o campeonato eu já deveria conhecê-lo melhor que a palma da minha mão. Mas eu me perco porque eu não consigo nem andar em linha reta direito, que dirá me encontrar em qualquer lugar. Mas depois de algumas voltas sem sucesso eu encontro minha farmácia e lá está minha gilete. Me pergunto se as pessoas que trabalham lá me reconhecem, já fui bastante vezes lá. Não tenho capacidade de reconhecer ninguém, a não ser um menino com síndrome de down que trabalha lá, que eu só reconheço porque tem síndrome de down. Hoje ele não estava lá, será que foi despedido? Será que está doente?

De qualquer jeito meu monstro dá de ombros e compra o que quer... Viu? Você não precisa matar aquele velho nem ninguém, só pegue a gilete e faça o que quiser comigo. É um certo acordo silencioso entre nós, eu faço minha parte, ele faz a dele. Ele se comporta se eu me comporto. É assim que as coisas são.

domingo, 13 de maio de 2012

Por 50 centavos - Amor, atenção e carinho.



Eu faço o que você quiser por 50 centavos, com 50 centavos eu posso comprar um sorvete, não é ótimo? A vida é simples, o dinheiro curto, fico feliz com qualquer coisa. Sorria para mim, me acaricie, me peça qualquer coisa, me elogie, me faça promessas que nunca serão cumpridas, me mande fazer isso ou aquilo. Eu farei, farei de tudo para que você goste de mim, farei de tudo para receber um pouquinho que seja do seu amor destrutivo, da sua atenção escassa. Olhe para mim, sou uma boa menina, passo horas brincando sozinha no canto, não dou trabalho para ninguém, não falo nada, não peço nada, só choro um pouquinho as vezes porque dói, mas sou uma boa menina. Se orgulhe de mim, por favor, se orgulhe de mim. Eu estou bem aqui, você nem precisa me dar mais esses 50 centavos, não preciso ganhar nada em troca, só um sorriso, só um afago, pode ser? Eu existo, eu existo, eu existo. Me sinto um brinquedo, me sinto tão usada e nem sei porque. Às vezes eu até gosto de apanhar, sinto que mereço, sinto que isso é certo. Me ame... Só um pouquinho. Te olho de longe, meu corpo te rejeita, me encolho em meu canto por instinto, mas aqui em meu peito, aqui em minha mente... Eu te amo. Eu te amo? Eu te odeio. Eu me odeio. Onde estou? Me ame, alguém, alguém por favor. Eu existo, bem aqui, em meu silêncio, no meu universo construído, cercado de mentiras, fingimentos e fugas.

Não conheço a verdade. Um dia, 50 centavos me alegravam por semanas. Quase como um troféu. Sou uma boa menina, faço tudo o que me pedem. Uma ótima menininha. Me dê um sorriso, bagunce meu cabelo, não, não, não, saia de perto de mim! Não me toque, não me toque. Não preciso do seu amor, não preciso de ninguém, não preciso de nada, nem desses 50 centavos. Eu existo? A realidade escorrega pelos meus dedos, não importa quantas vezes eu pisque os olhos tentando ver o que deveria ver, tudo está ao contrário, tudo se desfaz com tanta facilidade. Onde estou? Sinto minha alma se separando de meu corpo. Não, não, não... Não sou uma boa menina, não sou boa o bastante, não... Ninguém nunca vai se orgulhar de mim, ninguém nunca vai me amar. Me sinto suja, me sinto marcada, me sinto quebrada. Sorria para mim, por favor, mesmo se eu não conseguir enxergar devido as lágrimas, sorria para mim. Como eu te odeio... Poderia matá-los todos, poderia devolver os 50 centavos, poderia nascer de novo só para ter a chance de passar por tudo de novo só que dessa vez preparada, só que dessa vez com a consciência necessária para me proteger, ou para destruí-los, o que fosse necessário.

Há anos eu tento tirar essa sujeira de dentro de mim. Ela corre pelas minhas veias, invade minha cabeça e apodrece meu coração. Quantas vezes já passei a lâmina em meus braços com a esperança desesperada de ver esse líquido preto saindo de dentro de mim? É inútil.

terça-feira, 8 de maio de 2012

O reflexo e a peneira



Não sinto parte disso, de coisa alguma. Eu odeio me olhar no espelho, me sinto gorda, me sinto feia, odeio meu corpo, quero imagrecer mais 4 quilos, digo para mim mesma como se isso fosse fazer diferença na forma como eu me vejo. Eu sei que não, mas não consigo deixar que querer isso. Quando algo incomoda, a gente sempre quer fazer algo para mudar, não importa o que seja, não importa muito se adianta ou não, o fato de se mexer dá a sensação de que aquilo pode mudar, pode melhorar. Então a gente faz algo, compulsivamente, em busca de uma solução, de um sinal, de uma pequena melhora que seja. Nada muda. É estranho viver com essa sensação, com essa preocupação e todos esses problemas que as pessoas normalmente não tem. Não parece, mas eu gasto uma energia e um tempo enorme lidando com meu inferno particular todos os dias e superando dificuldades idiotas que vivem aparecendo. Às vezes, quando estou muito nervosa, paro na frente de uma pia e começo a lavar minhas mãos contando até trinta, quando chega a trinta, se ainda naum tiver me acalmado, eu recomeço a contar. Às vezes, também quando estou nervosa, fico passando os dedos pelos meus braços em busca de algo que não esteja certo na minha pele (não sei explicar qual o sentido disso também, é uma mania que eu tenho a muito tempo). Mas isso são só pequenas manias, o pior mesmo é aprender a lidar com os sintomas. Como reagir se eu estiver vendo uma parede se mexer por exemplo? O que fazer caso eu sinta um impulso quase incontrolável de me machucar ou machucar alguém do meu lado? O que fazer quando entrar em pânico? O que fazer quando estiver tendo uma aluscinação sensorial? O que fazer quando acreditar estar sendo perseguida? Como reagir a dor angustiante no peito? O que fazer quando quiser me cortar? O que fazer quando perder a capacidade de sentir? O que fazer quando quiser me matar? Eu preciso pensar em tudo isso e muito mais, preciso estar preparada para lidar com essas situações para que eu fuja o minimo possível do controle e transpareça o mínimo possível para as pessoas a minha volta essa loucura toda.

É difícil e cansativo. Sinto que estou o tempo inteiro tentando tapar o problema com uma peneira. Tomo cada vez mais remédios para cada vez mais sintomas, resolvo um problema, me surge mais dois e assim vou indo, até que um dia não exista mais remédios para que eu o possa trocar ou aumentar a dose. Não gosto dessa sensação. Me sinto dentro de um túnel, não há outra saída se não a que se encontra logo a frente, é a única opção, e não me parece nada boa. Minha vida se torna literalmente liquida diante de meus olhos e a única coisa que eu posso fazer é sorrir, piscar e esperar que tudo volte ao normal, rezar para que tudo volte ao normal, implorar para que tudo volte ao normal. Implorar para quem? Rezar para quem? Deus morreu no meu universo há muito tempo atrás e mesmo assim eu continuo com essas manias de gente que acredita na existência de alguma salvação. Não há salvação para a humanindade, não há uma segunda chance, uma vida eterna, pelo amor de deus, se conformem com a realidade, eu que estou mais fora dela do que qualquer um desses religiosos e me conformo com a mesma muito mais do que eles. Estamos todos perdidos, é verdade, estamos todos fodidos, todos temos problemas, sérios problemas. Só que eu sou a azarada que calhou de ser a mais fodida, só um pequeno detalhe.

Um pequeno detalhe... Não gosto de me olhar no espelho e no entanto passo horas fazendo isso, notando cada pequeno defeito em meu corpo, me criticando duramente, chorando, sentindo voltade de bater a cabeça contra meu reflexo. Aquilo não sou eu, penso. Olá Monstro, penso comigo mesma. Meu Monstro não é de falar muito não, e quando fala, ele só fala comigo. Ele é muito seletivo, mas eu o entendo. Esse reflexo no espelho não sou eu, mas eu o entendo. É, eu entendo.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

HELL



(Texto produzido por mim e apresentado na aula de Lingua Portuguesa, inspirado no livro Hell de Lolita Pille.)

"As pessoas se assustam, olham para meus braços destroçados e me julgam louca. Bem, eu sou louca, mas não é só isso. Não se julga um livro pela capa, é o que dizem, eu concordo, não me julguem só pelas minhas cicatrizes. Eu sou uma pessoa muito pior do que aparento, eu não sou só louca. Eu sou pior do que isso. Eu cresci acostumada a dor e a solidão. Ainda criança eu já dizia para mim mesma que não tinha família ou amigos verdadeiros, eu nunca me senti parte de coisa alguma, a não ser do meu inferno particular. Foi em meio a esse sentimento extremo de rejeição que eu cresci, cada vez mais depressiva, isolada e explosiva. A solidão, inicialmente, me fez uma criança muito independente e de certa forma assustadoramente madura. Eu não me lembro de depender de qualquer pessoa nessa época, eu não precisava de ninguém. Eu cresci rápido demais, eu fui obrigada a crescer rápido demais. Para ser sincera acho que nunca fui criança, pelo menos eu não me lembro de me sentir como uma. Aos 8 anos eu já aguentava sem chorar coisas que, hoje, com seus 20 e poucos anos, nenhum de vocês aguentariam. Eu não reclamava, eu não questionava, aquela era a única vida que eu conhecia.

Mas ninguém é de ferro, um dia tudo se quebra, a mente se quebra, a personalidade, tudo o que é real, tudo o que antes era certo para você. Eu quebrei. Em um momento aos 15 anos de idade eu finalmente quebrei. Algo se quebrou para sempre dentro de mim. Creio que tenha sido a gota d'água, e essa gota me fez enxergar tudo o que eu tinha vivido a infância inteira e o que eu estava vivendo naquele momento. Eu não aguentei o tranco. A verdade é sempre dura demais, destrutiva demais, fria demais... Mentir é muito mais fácil, muito mais suportável. Mas não havia mais lugar em minha mente para mentiras, eu já tinha passado a vida inteira escondida atrás delas. Então, pouco a pouco, eu fui caindo. Se você acha que alguma vez já chegou ao fim do poço é porque você ainda não me conheceu bem o bastante. Primeiro, de pessoa aparentemente independente e confiante (só aparentemente porque eu nunca fui verdadeiramente confiante e segura de si), eu passei para alguém altamente dependente, frágil e instável. A força que vinha me sustentando até então desapareceu e eu me sentia mais sozinha do que nunca. Meu humor foi se tornando cada vez mais instável, ao ponto de em poucos minutos eu passar da alegria intensa para a mais profunda depressão, e isso acontecia todos os dias. Me chamavam de bipolar na escola, era divertido para as pessoas a minha volta observarem o quanto eu estava fora de controle.

Não só o meu humor se tornou instável como também minha personalidade. De repente eu não era mais só a Sabrina, eu era a Sabrina e o Monstro. Agora, contando isso para vocês, eu sou o Monstro, não sou a Sabrina. E tinha também a dor insuportável no peito, a angustia, intercalada com a perda de sensibilidade, quando eu perdia a capacidade de sentir qualquer coisa e acreditava estar morta. De um jeito ou de outro eu fui piorando e piorando. Me tornei agressiva. Machucar as pessoas a minha volta se tornou um vício. Eu tenho um medo irracional de ser abandonada, então, quando alguém diz ser meu amigo, eu preciso de provas, preciso testá-los ao máximo para ver até onde aguentam ficar ao meu lado. Só assim eu me sinto bem ao lado de alguém, em um relação altamente destrutiva. Há muitas formas de machucar alguém que gosta de você, uma delas é se destruindo. A automutilação é extremamente útil para uma pessoa como eu. Se a dor aqui dentro é insuportável, eu me corto para aliviá-la; se estou com raiva de mim mesma ou de qualquer outra pessoa, eu me corto para me acalmar; se eu quero me vingar de alguém, eu me corto e coloco a culpa naquela pessoa; se eu lembro do passado ou tenho pesadelos, eu me corto para esquecer; se minha personalidade se altera diante de meus olhos e a realidade me foge do controle, eu me corto para ter certeza de que continuo viva... É um vício, é uma droga. O ato de se cortar, se bater, se arranhar, libera uma substância anestesiadora no cérebro, essa substância vicia e, como qualquer outra droga, precisa usar dela cada vez mais, ao longo do tempo, para conseguir o mesmo efeito. Então você começa se arranhando, ou fazendo pequenos cortes que não deixam nem cicatrizes, quando você dá por si você já está no hospital precisando de pontos porque não conseguiu controlar sua mão. Mas é uma ótima droga, totalmente legalizada, barata e eficiente. Eu não me orgulho das minhas cicatrizes, eu odeio meu corpo e o que eu fiz com ele. Mas afinal eu sou um Monstro, não posso fazer muita coisa quanto a isso."