"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

domingo, 28 de agosto de 2011

O garoto-garota


É noite, tarde da noite, mas mesmo assim o lugar por onde ele passa é muito movimentado. As pessoas andam em casais ou em grupos. Os casais dominam a região, os homens e as mulheres andam de mãos dadas como se isso fosse um escudo frente a crueldade dos grupos, homens afirmam sua masculinidade pelas pequenas que andam confiantes ao seu lado e elas se sentem protegida pelo homem que segura com força seus braços e mandam nelas como se fossem cachorros. Os grupos não mexem com os casais, os casais estão em um status mais alto que os solteiros. Os grupos são ou inteiramente formado de meninos ou inteiramente formado de meninas, obviamente os meninos mexem com as meninas da forma que eles bem entendem, entre as meninas é fácil reconhecer as fortes e as fracas, as fortes tão intocáveis, as fracas são seu oposto.

Ele não se encaixa em nenhuma das categorias. Ele não é um homem, muito menos é uma mulher, ele não é forte, nem fraco. Quando costumava ser mulher, era fraca, agora que decidiu ser homem, fingia ser forte. O garoto-menina andava sozinho, de cabeça baixa, tentando não chamar atenção na confusão suja e barulhenta que era aquele mundo. Ele tremia quando um grupo de garotos passava por ele, e quando era a vez das garotas, ele não sabia se desejava ser como elas ou se desejava possuí-las, talvez os dois, talvez nenhum dos dois.

Naquele caos, as pessoas jogavam cartas em mesas improvisadas de caixas, vendiam milho, pipoca, balas, doces, salgadinhos, produtos pirateados, drogas, mulheres, tudo. A menina-menino andava sozinha, sem saber ao certo porque existia, nem o que havia de errado com ela. Mas uma coisa ela tinha certeza, não se encaixava em nenhum dos grupos, não era uma garota, não era um garoto, não era nada. Talvez fosse tudo, mas no momento sentia que não era nada.

Por um milagre, ela passou pela zona de perigo e pela primeira vez ninguém a viu. Preferia não ser nada.