"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Não sou (e nunca deveria ter nascido)


Agora as coisas são fáceis, não preciso ter medo e esconder quem eu sou... Mas um dia as coisas vão voltar a ser difíceis. Um dia eu vou ter que procurar um emprego... E o que as pessoas vão pensar se virem meus braços? Um dia, se eu tiver um filho, o que eu vou dizer quando ele perguntar o que são essas cicatrizes horríveis? Um dia... Um dia os olhares que eu recebo na rua ou onde quer que eu vá vão me machucar muito mais, eu sei.

Isso vai estar comigo minha vida inteira, me perseguindo, me atormentando, me lembrando dos dias ruins, me lembrando do monstro que eu sou. E sempre que eu passar os dedos por essas marcas protuberantes, vou lembrar da gilete rasgando minha pele e da sensação de estar finalmente viva. Sempre que, distraída, meus olhos passarem por elas, meu passado voltará para assombrar meus dias, me diminuir e destruir mais um pouquinho do que sobrou da minha alma. As vezes me pergunto como consigo enganar as pessoas a ponto delas pensarem que não tem nada de errado comigo, como consigo passar despercebida, como consigo viver essa vida normal, sentindo que não sou eu que a estou vivendo, enquanto meu inferno arde aqui dentro a todo o vapor, pronto para explodir a qualquer instante.

Me sinto uma bomba relógio. Meu psiquiatra e minha psicólogo trabalham incansavelmente para que essa bomba não exploda, e se explodir, para que faça o mínimo de estrago possível. Eu observo de longe, como se não fosse eu. Esse monstro não sou eu, não tem como ser eu, e não entendo como que minha psicóloga e meu médico confiam nele para que o deixem andar solto por aí. Você sabe, ele não é simpático, as pessoas o incomodam, ele pode machucá-las, porque não machucaria?

Mas não sou eu... Também não sou eu, essa pequena criatura indefesa dentro de mim, o oposto do monstro. Essa que chora, que machuca a si mesma compulsivamente, que se vitimiza. Essa criatura sensível de mais, doce para com as outras pessoas, carente e infantil. Ela não tem nome, mas também não sou eu.

Não sei quem sou de verdade, não faço ideia... Acho que não sou, simplesmente não sou. Acho que não existo. Sou um corpo oco onde essas duas pessoas vivem em conflito constantemente. Gostaria de existir e viver a vida com a facilidade das pessoas a minha volta, como se respirar não doesse, como se o medo e o desespero não estivessem sempre a espreita, como se o mundo fizesse sentido, como se meu sorriso fosse verdadeiro. Gostaria de existir e ser mais do que um monstro patético, egoísta e cheio de mágoas. Gostaria de existir e ser mais do que uma criança chorona, tão machucada que já nem sabe pelo que chora. Gostaria de nunca ter nascido.

Nenhum comentário: