"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Realidade inventada



Tudo. Indo e vindo, seguindo o ritmo das pontadas insuportáveis em sua cabeça. Ela sentia como se seu cérebro fosse grande de mais para caber em seu cranio. Segurava a cabeça com as mãos, os olhos fechados com força  e o ranger dos dentes inevitável. Tudo vem e vai em fleches, com tanta intensidade que ela mal consegue reconhecer o que acontece dentro de sua mente e o que acontece na vida real. Aparece um quarto escuro, seu quarto? O quarto de outra pessoa, difícil dizer. 25 anos? 5? Indo contra sua dor de cabeça insuportável, Clara abriu os olhos e olhou para suas mãos, só para entrar em pânico ao perceber que elas mudavam de tamanho diante de seus olhos, fechou-os novamente, mas a sensação de que seu corpo mudava de tamanho permaneceu. De repente não só seu corpo mudava de tamanho como também tudo a sua volta. Vieram as vozes, altas e claras. Você vai morrer. Você não vai suportar. Você sabe do que estamos falando. Se mate, se mate, se mate. Clara há muito tempo já era uma adulta, mas nessas horas parecia mais infantil do que uma criancinha de 5 anos, deitada em sua cama, apertando a própria cabeça com as mãos e chorando. Todos temos nossas fraquezas, mas alguns sabem lidar melhor com elas do que outros. Ela não sabia lidar muito bem com nada.

Não acreditava nessa história de que as coisas que passamos quando criança molda nossa personalidade, junto com nossa educação, ambiente, etc. Clara não se lembrava de ter passado por nada de mais, era uma criança como outra qualquer. Seus pais viviam juntos como um casal perfeito, ela tinha um irmão mais velho que nunca brigava com ela e avós atenciosos. No entanto, essas crises a perseguiam desde quando ela conseguia se lembrar. Quando pequena ela costumava ter medo de abrir os olhos quando amanhecia porque a luz poderia fazer com que seu cérebro explodisse a qualquer momento. Há coisas sem explicação, ela imaginava. Alguns tem gastrite, uns roem a unha, outros tem dor de cabeça, ela possuía tudo isso. E de volta, mais uma pontada. Ela se curvou sobre o próprio corpo, prendendo o ar, esperando que a dor amenizasse por alguns instantes até a próxima pontada. O pior, as vezes, nem era a dor pura e simplesmente, mas as imagens que invadiam sua mente a confundiam. Nessas imagens ela via a vida inteira de uma garotinha, que nascera com um certo atraso mental e crescera em uma família totalmente destruída afetivamente. A cada pontada, ela ouvia os gritos da garota que apanhava e era abusada de todas as formas imagináveis, cercada por pessoas sem coração, insensíveis que não a consideravam se quer como ser humano.

Clara agradecia todos os dias por não ser essa garotinha, por ter 25 e ter se formado como advogada com louvor. Ter crises de dor de cabeça como as que ela tinha eram, de longe, infinitas vezes melhor do que ser aquela garotinha que teimava em voltar em sua mente. Enquanto sua cabeça explodia ela observou a garota crescer e ser abandonada em uma instituição psiquiátrica, depois de sua primeira tentativa de suicídio. Abriu os olhos com o barulho da enfermeira entrando no quarto com seus remédios, mal conseguia mexer os braços devido as atadoras e menos ainda o corpo devido a enxaqueca, porém levantou a cabeça perguntando se ela tinha algo para dor de cabeça, em silêncio a enfermeira serviu os remédio e foi embora. Fechou os olhos novamente, se rendendo a uma nova pontada, era uma sorte ela não ser Clara.

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