Esse ano eu pensei muito em meu passado, foi um ano longo e sofrido, talvez o pior da minha vida, mas não sei afirmar com certeza. Perdi as contas de quantas vezes minhas lágrimas se confundiram com meu sangue e eu pensei que fosse morrer, perdi as contas de quantas vezes eu fechei os olhos, sentindo tanta dor aqui dentro que eu não poderia descrever e tive certeza que não poderia aguentar mais um dia, mais uma hora ou um segundo se quer.
As vezes ainda penso que vou enlouquecer, que não há forma alguma de continuar em frente, mas admito que meu corpo e mente me surpreendem frequentemente, a cada dia que eu acordo e simplesmente consigo levantar da cama já é uma vitória. A cada novo corte cicatrizado, quando a última casquinha cai e não há um novo corte do lado, ou no outro braço ou perna para me preocupar... Isso é incrível. Deveria existir um grupo anônimo idiota de pessoas que se auto-mutilam compulsivamente, onde eu pudesse ir e falar: "Oi, meu nome é Sabrina e eu estou a três dias sem me cortar". Olá Sabrina. Deve existir em algum lugar, tem de tudo nesse mundo.
É engraçado o quanto as pessoas se acostumam, sempre que apareço com uma nova cicatriz ou um novo curativo ninguém se surpreende mais, ninguém se importa, já virou "normal". Lembro do quanto as pessoas se assustavam no colégio... Agora não é mais assim, até minha psicóloga e meu psiquiatra precisam se esforçar para não verem isso como normal em mim.
Estava certo quem dizia que a vida é uma caixinha de surpresas, eu nunca sei onde vou parar, em um dia eu posso simplesmente acordar, não aguentar minhas lembranças, meus traumas e medos e fim. Giletes, hospitais, internação, morte. Fim. Que seja.
Na verdade isso pode acontecer com qualquer um, mas imagino que comigo seja mais provável.
E aqui estou eu, sobrevivendo apesar de tudo, quem diria. Eu nem virei uma drogada maluca destinada de todas as formas a fugir da realidade, não... Me contento com meus cortes, cigarros, cerveja e calmantes. Está tudo ótimo. As vezes os calmantes demoram de mais para fazer efeito, um passo em falso e está tudo acabado, minha mão escorrega, o alívio encobre qualquer dor e sem querer eu passei um pouco dos limites. De novo. Tudo bem, tem gente muito pior do que eu, mais remédios, discursos, brigas, broncas, decepções e ameaças. Sim senhor, sim senhora. Não vou fazer de novo, meu braço dói tanto que eu nem consigo mais segurar a gilete, vou me esforçar, não vou beber, não vou fumar. Eu vou melhorar, por favor não me internem!
As brigas me perseguem, os problemas, os gritos e os dedos apontados em minha direção me acusando voltam esporadicamente como fantasmas. Eu não sinto mais nada. Será que resta algo dentro de mim que ainda não foi quebrado? As vezes tenho sonhos ruins, onde sou levada para um lugar e entregue nas mãos de homens que irão me violentar. As vezes tenho tanta certeza que esse sonho irá acontecer que basta só alguém me olhar nos olhos para que eu abaixe a cabeça e queira fazer tudo o que me mandam. Na verdade eu tenho certeza que isso ainda irá acontecer, não sei porque, eu só tenho. É algo que me persegue.
E apesar de tudo aqui estou eu, sobrevivi a mais um semestre. Quanto tempo mais eu ainda vou durar? Sempre me pergunto isso. Sempre me surpreendo com as respostas.
Eu sou a pessoa azarada mais sortuda que conheço, o fato de eu estar suportando uma faculdade até agora e indo bem ainda por cima é ótimo, é mais do que ótimo. É legal quando eu consigo pensar positivo dessa forma... É verdade que desde meu diagnóstico eu venho piorando, é verdade que existe uma tendência perigosa em minha trajetória... Mas hoje eu simplesmente não ligo, estou feliz que o ano esteja terminando.
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