"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

domingo, 11 de dezembro de 2011

Onde o sol sempre brilha, a luz nos cega - Clara e seus sorrisos


Era uma vez uma terra governada pelo Sol, que brilhava insistentemente em quase todos os momentos. As vezes, em dias de medo e escuridão, uma chuva torrencial assolava a terra inteira e, nesses dias, todas as pessoas que ali moravam eram muito bem instruídas para permanecerem em lugares protegidos. Entre as regras principais daquele planeta, uma delas era a proibição para qualquer pessoas de se molhar e dessa forma se contaminar com a água da chuva. Em uma terra onde o que reinava era a luz, toda e qualquer escuridão era vista com maus olhos.

De dentro de uma casa grande uma menininha observava a chuva se derramando rua abaixo, os pingos dançavam ao entrarem em contato com o chão e Clara tentava olhar todos ao mesmo tempo. Como todos os habitantes daquele lugar, a menininha também sentia repulsa pela chuva, porém havia outras coisas naquele mundo que a assustavam. Subindo as escadas de sua casa, escondido em um canto no andar superior, havia um armário gigante onde todos os segredos, problemas e erros eram colocados uns sobre os outros, trancados de forma desorganizada, a pequena Clara tinha certeza que a qualquer momento a tranca não suportaria e tudo voaria para fora daqui, infestando a casa inteira. As vezes, ao passar por esse armário em caminho de seu quarto, uma sombra de medo se escorregava para fora do armário e a seguia quarto adentro, permanecendo ali por tempo indeterminado. Talvez, você que mora na Terra, esperaria que uma criança avisasse os pais quando estivesse com medo de algo, lá as coisas não eram assim. Havia regras naquele planeta iluminado. Uma delas, além de permanecer longe da chuva, era de nunca falar sobre coisas ruins.

Outra regra muito importante era sempre sorrir. Sempre. Uma pessoa que parece feliz, se torna feliz, era o lema daquele povo. Clara se lembrou de sorrir e assim permaneceu por um tempo, sorrindo para a chuva enquanto suas mãos tremiam de medo e nervosismo. Clara tinha um amigo imaginário. O que também era proibido ali, exercitar a imaginação incentiva questionamentos que leva a desordem, ter um amigo imaginário não era uma boa idéia, porém a garotinha não tinha como evitar, seu amigo simplesmente existia e por mais que ela tentasse ignorar, não havia como. Era exatamente como a sombra do armário, ela estava lá, Clara não sabia como ou porque, mas ela estava.

De um jeito ou de outro, Max, o amiguinho imaginário de Clara, sorriu para ela enquanto a garota se esforçava para continuar sorrindo em direção a chuva. Clara gostava de Max porque seus sorrisos nunca eram falsos, Max sorria quando bem entendia e para quem ele quisesse. Ele era livre. A garotinha desistiu de sorrir e deixou seus braços penderem tristemente ao seu lado enquanto encarava o chão cansada. Porque diabos a chuva tinha que ser algo tão ruim e triste. Clara não gostava tanto assim do Sol, o Sol queimava, a luz cegava, não conseguia entender porque as pessoas estavam tão dispostas a obedecer-lhe. Ei Clara, porque você não sai para a chuva? Max disse. Aposto que a sensação de ter ela dançando pela pele deve ser ótima, não está vendo ela escorrendo pelo chão como é legal? Clara concordou com a cabeça. Não conseguia entender porque as coisas eram proibidas, coisas bonitas como a chuva. A garotinha respirou fundo, olhou para o andar superior estremecendo, abriu a porta de casa e saiu chuva afora gritando de alegria, com Max a seu lado.

Foi o dia mais feliz de sua vida, se sentiu livre como nunca, sem sol nenhum para vigiar sua nuca ou regras e segredos para prender-lhe o rosto em um sorriso frio e sem sentido. Acordou por alguns minutos em uma cama de hospital, a chuva é ácida, corrói a carne humana rapidamente. Existia um motivo para a proibição. Mas Clara escolheu a liberdade, morreu em uma manhã mais ensolarada do que nunca, pela primeira vez sentindo um sorriso verdadeiro em seus lábios maus acostumados.

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