Em uma nação vigiada pelos olhos de Deus, um adolescente olhava-se no espelho do banheiro da sua casa. Seu olho roxo e inchado tornava seu rosto grotesco, sua mente povoada de xingamentos e provocações, nenhuma lágrima. Da onde estava podia ouvir seus pais discutindo na sala. Sua mãe estava preocupada com as constantes brigas que seu filho se metia na escola, seu pai dizia que elas eram boas porque fariam do garoto, um homem. Gritos e mais gritos, mais um vazo quebrado, nenhuma conclusão, nenhuma ação.
Lucas saiu do banheiro e se trancou em seu quarto. Ligou o computador e com os fones de ouvido ficou escutando todas as músicas escritas para ele. Tentou imaginar se existiam outros garotos como ele e o que eles estariam fazendo no momento. Não conseguiu imaginar nada, a não ser ele mesmo, sentado naquela cadeira patética, com o olho roxo e as mãos tremulas. Constantemente entrava em pânico por nada e quando tinha motivos reais para entrar em pânico ele simplesmente não sentia nada. Ele sabia, desde quando conseguia se lembrar, que havia algo de errado com ele, só não sabia dizer o que. As pessoas a sua volta confirmavam isso batendo nele, xingando-o e o excluindo de todas as maneiras. Desde quando conseguia se lembrar.
O que faz uma pessoa tão diferente que ela tenha que sofrer tudo isso por conta dessa diferença? Lucas não sabia dizer. Talvez ele fosse burro de mais para perceber, parecia que todo mundo sabia menos ele. Lucas achava injusto ninguém lhe contar o grande segredo que o tornava tão errado e tão diferente em relação aos outros. Quando pequeno havia perguntado isso para sua mãe, recebera um tapa e um "pare de atrapalhar os adultos com bobagens."
O garoto não chorava. Homens não choram. Dessa forma, recebia tudo o que lhe davam de ruim em silêncio, com a indiferença já citada. As vezes, enquanto apanhava, pensava em Deus e perguntava-lhe onde estava errando, o que o fazia merecedor disso. Nunca obtinha resposta alguma. Deus deveria estar muito ocupado com outras coisas, ou então também não gostava dele.
Lucas era um garoto muito solitário, porém não se sentia sozinho, pois nunca havia conhecido companhia alguma. Há algumas semanas havia roubado a arma que seu pai mantinha guardada no armário da garagem. Não sabia muito bem porque havia feito isso, mas gostava de sentir o peso dela em suas mãos. Havia desenvolvido uma espécie de jogo esquisito; toda a vez que apanhava, ele colocava uma única bala no tambor e o girava, então apontava a arma para a própria cabeça e apertava o gatilho. Tivera sorte até então, a bala nunca estava lá. Já havia brincado desse jogo hoje, mas decidiu se dar uma segunda chance. Ele se sentia vivo fazendo isso. Toda a vez que apertava o gatilho e nada acontecia, ele dizia para si mesmo que não chegara sua hora, que ainda restava esperança, que alguém, em algum lugar, olhava por ele. Estou vivo. Repetia para si mesmo. Algo me espera amanhã para que eu não tenha morrido hoje. E assim, ele conseguia sorrir por alguns segundos.
Pensando nisso ele apontou a arma para a própria cabeça e apertou o gatilho. Nada de novo. As lágrimas escorreram pelo seu rosto como não acontecia há muitos anos. Amanhã é outro dia. Não quero outro dia. Nada de novo me espera amanhã, não há esperança, só socos e palavras pesadas como pedras, não há nada, não há ninguém. Pressionou o gatilho e dessa vez ganhou o jogo.
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