Eu gosto de voar, dá uma sensação gostosa de perder o chão, para variar, literalmente. E é ótimo que seja só literalmente porque assim temos certeza que cedo ou tarde, por bem ou por mal, nossos pés vão reencontrar o chão. O que não acontece quando perdemos o chão figurativamente. Essas últimas semanas foram um pouco complicadas. Meu quadro piorou e meu psiquiatra aumentou a dose da quetiapina, estou tomando a dose máxima já desse remédio. Isso me preocupa muito. Tenho medo que as alucinações visuais piorem ou que eu comece a ouvir vozes. Os remédios nunca duram muito tempo comigo, parece que meu transtorno é extremamente eficiente em contornar todos os tratamentos. Faz um mês que eu estou sem terapia por motivos maiores e eu já estou percebendo meu cérebro voltando a pensar como eu pensava há dois anos atrás. É muito fácil perder todo o avanço que eu lutei tanto para conquistar. Meu equilíbrio, minha vida... É tudo tão frágil. É difícil, as vezes, acreditar que as coisas podem dar certo, que eu vou durar, que eu posso ser feliz, essas coisas. Todo santo dia é uma batalha. E eu não tenho como prever como eu vou estar daqui a uma semana, um dia, uma hora, no próximo minuto, não tenho como. Tem dias que eu vou ter que lutar contra minhas próprias mãos, porque elas vão fazer de tudo para me socar, me arranhar, me cortar. Tem dias que a luta será contra meu cérebro, que vai travar em um pensamento obsessivo e cruel e a única coisa que eu vou conseguir fazer é chorar, enquanto sinto aquela mesma frase ou palavra me rasgar por dentro. E outros dias que a luta será contra o monstro que eu tenho aqui dentro e é uma luta injusta porque, como ele mora dentro de mim, ele me conhece como ninguém, mas eu não o conheço por completo. Tenho medo dele, do que ele é capaz de fazer. E o medo é uma excelente arma.
De um jeito ou de outro, as coisas nunca são fáceis para mim, acho que não são fáceis para ninguém na verdade, mas de jeitos diferentes. Eu gostaria que ao menos as coisas não tivessem tanto peso para mim. Gostaria de poder ficar em casa sozinha sem que minha família tivesse medo de eu acabar me matando do nada. Gostaria de poder beber quando todo mundo estivesse bebendo, só porque isso me dá a falsa sensação de pertencer ao mundo dos adultos e ter minha vida sob controle. Eu gostaria de poder tirar minha carta de motorista, porque isso me daria a falsa sensação de ser uma pessoa normal. Eu gostaria de poder errar sem que isso fosse um sinal da piora da minha doença. Eu gostaria de ser a Sabrina impulsiva e inconsequente as vezes, qual o problema? Eu gostaria de ser livre, eu gostaria de não precisar engolir 7 comprimidos a noite e 4 de manhã. As vezes eu queria mandar tudo para a puta que pariu, como qualquer adolescente normal já deve ter feito. Por que não? Mas não. Eu não posso. Não a Sabrina. Não com esse diagnóstico nas costas. Eu estou tão cheia de tanto controle, tão cheia de gente me dizendo quem eu tenho que ser, como eu tenho que ser, o que eu posso ou não fazer. Todos os meus atos, pensamentos e sensações precisam ser vigiados, 24 horas por dia, 7 dias por semana, nada pode escapar. É preciso que tudo esteja claro para que possa ser bem analisado e julgado. A Sabrina está bem? A Sabrina está vendo coisas? A Sabrina está sentindo coisas? O humor está minimamente estável? Como anda a automutilação? E os pensamentos ruins? E a paranoia? Está mais agressiva? Menos consciente? Ou mais deprimida? Como está o risco de suicídio? Foda-se! Sei que é egoísmo da minha parte, sei que é infantilidade, mas foda-se! Quero tanto que tudo vá para o inferno. Há uma Sabrina dentro de mim acorrentada, reprimida, injustiçada. Todos odeiam ela, todos querem que ela suma, que outra pessoa que não existe assuma seu lugar. É ridículo, se você pensar bem, é ridículo. Essa Sabrina borderline, sou eu! Eu sou assim. É minha personalidade. Porque é tão errado ser eu mesma? Não há batalha mais dura do que aquela que você é obrigado a travar contra você mesmo. Ser borderline é o que me destrói e tentar não ser é o que me impede de viver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário