Você passa por um período muito difícil, aquele período em que você finalmente começa a contar sua história para você mesma, sem mentiras, sem cortes, tudo que você se lembra. E no início você tem certeza que nunca vai conseguir sair dali, é tudo forte de mais, como levar vários socos na cara, ou estar cercada de pessoas que te chutam sem parar enquanto você fica ali, encolhida no chão. Você não pode levantar, simplesmente não pode. Não há forças para isso e ninguém pode realmente fazer a dor parar. Ela está lá. Latente. Mas os dias passam e se tornam meses, eventualmente anos. E você olha a sua volta e percebe que não há mais ninguém te socando ou chutando. Seu corpo dói, mas você levanta, rezando para que todo aquele sofrimento não volte. E ele não volta. Você até ensaia um sorriso... Eles não te destruíram, você conseguiu, é o que você pensa, é, você conseguiu. Mas então, quando você pensa que está tudo acabado, as memórias voltam. O tempo todo, elas voltam. Elas estão em todos os lugares. Me sinto suja, tudo a minha volta me lembra aquilo, está tudo contaminado, envenenado. Não quero tocar, não quero ver, não quero sentir. Eu sou uma pessoa marcada, é como eu me sinto. As mesmas coisas ruins me perseguiram a vida inteira. Um predador sabe reconhecer uma vítima. E eu sou uma presa muito fácil.
Eles te dizem para esquecer. É passado, é passado, deixa para lá. Eu sei que é passado, mas quem nunca o remoeu? Eu tento e tento esquecer. Quando alguém fala alguma coisa que me lembra isso, ou quando eu vejo alguma coisa, eu tento ignorar com todas as minhas forças e não pensar na Sabrina que morreu ali por aquilo. Tento manter uma distância segura, tento não ter pena de mim mesma, tento imaginar que não sou eu. Mas sou eu, não sou? Por mais desconectada que eu possa estar da realidade, ainda sou eu. Estou um pouco cansada de me dividir no meio por tantos motivos. Eles criticam meu monstro mas exigem que eu faça coisas que só podem ser feitas se seu quebrar minha personalidade e tudo que eu sou e trancar a parte "feia" em algum lugar no meu cérebro. Isso não me parece muito saudável. Não, eu nunca vou esquecer. Mas preciso conseguir pensar nisso sem que doa. Sinto que as coisas ainda estão muito mal resolvidas aqui dentro, muito confusas. Não consigo entender o por que de muitas coisas, há lembranças picotadas de mais para que eu as entenda, há aquelas que se juntam também de forma confusa e os sonhos... Tanta coisa. Se formos ver é melhor você se lembrar do que não conseguir se lembrar. A lembrança é uma verdade, a não-lembrança é um grande e assustador qualquer coisa. Eu posso confiar no que eu lembro, no que minha mente apresenta para mim claramente, mas não posso confiar em algo que nem minha mente parece saber se aconteceu ou não.
Mas ela sabe. Eu só não tenho acesso a isso. E eu estou forçando a porta, o tempo todo, porque não me contento com meias-verdades. Quero saber tudo, preciso saber tudo. Não que isso vá mudar alguma coisa... Mas essas barreiras na minha mente, preciso derrubá-las, preciso conseguir pensar sem elas atrapalhando no caminho. Quero despir minhas proteções, todas elas. Pular de cabeça em um lago há muito congelado e conseguir quebrar o gelo, quero penetrar o mais profundamente possível dentro de mim. Enquanto isso não for possível eu continuarei sofrendo pelo que eu já sei e pelo que quero saber. É preciso chegar ao fundo do abismo antes de se começar a subida de volta.
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