Já fui criança um dia, mas não me lembro muito bem. Já fui adulta antes da hora, já fui pega desprevenida e já esperei pacientemente pelo pior, sabendo que ele viria. Já briguei na escola, inúmeras vezes, já chorei, já me tranquei no banheiro de vergonha depois de ser humilhada publicamente pelos meus amigos. Já me desesperei tanto que não consigo descrever, já sai correndo no meio da rua porque não sabia como lidar com o problema no qual eu me encontrava. Já gritei como louca por nada, já soquei paredes, atirei objetos para longe ou em direção a alguém, já me mordi, me bati, me arranhei, já bati nos outros, já me arremessei contra a parede para bater a cabeça do jeito mais forte que eu conseguia. Já me cortei com facas, estiles, giletes, canivetes, pedaços de vidros, espinhos, tesouras. Já bebi até começar a ver coisas, já fumei até não conseguir mais falar. Já experimentei drogas. Já perdi o contato com a realidade, já perdi a consciência, já estive tão nervosa que não conseguia controlar meu próprio corpo, já estive tão perdida que não conseguia mais ser racional e manter uma linha de raciocínio enquanto falava, já vi coisas que não existem, já senti coisas que não existem. Já tive ataques de choro, ataques de raiva, ataques de alegria, ataques de impulsividade, ataques de automutilação, ataques de qualquer coisa.
Já fui internada, já fui amarrada a uma cama, já fui dopada. Porque eu precisava me cortar e eles não entendiam. Já conversei com enfermeiros, com médicos, com psicólogos, psiquiatras, bipolares, depressivos, borderlines, esquizofrênicos, bulímicas, anorexas, pessoas com transtornos de ansiedade, de personalidade, pessoas aparentemente sem nada. Já tomei tantos remédios que senti vontade de vomitar, ainda tomo todos esses remédios. Já odiei quase todas as pessoas que eu amo, já amei muitas pessoas que odeio. Já me sacrifiquei inúmeras vezes, inutilmente. Sempre me coloco em posição inferior as pessoas a minha volta. Já quis ser livre, já quis abandonar tudo, já quis tomar todos meus remédios de uma vez ou jogá-los todos na privada e dar a descarga. Já quis tanto fazer algo de errado que as palmas da minha mão chegaram a coçar. Já tive tanto medo de errar que isso me obrigou a permanecer dias de cabeça baixada, sem nem pensar em dar um passo a frente. Já implorei para deus me matar. Já quis implorar para as pessoas a minha volta para que não deixassem eu me matar.
Já tive dias péssimos, já fui resgatadas inúmeras vezes do inferno onde às vezes eu acabo caindo. Já tive uma segunda chance, uma terceira, quarta, quinta, sexta... Já recebi sorrisos e abraços, palavras bonitas. Já fui amada. Já tive dias ótimos, já ouvi minha voz com segurança, seguindo uma linha de raciocínio perfeita como todo mundo, já sorri e também dei abraços, já consegui ajudar alguém, já fui útil, já fui normal. Já fui feliz. Eu ainda sou feliz. Às vezes eu passo tantos dias imersa em minhas sombras que eu esqueço que minha doença ou tudo o que eu sou (no fim é a mesma coisa) é como um pêndulo, ou uma montanha russa, ou um iô-iô. Vai e volta. Se hoje as coisas não estão boas, amanhã elas estarão e se depois de amanhã elas voltarem a ficar ruim, logo depois elas voltarão de novo e de novo. Está tudo bem. Há uma luz no fim do túnel e, por enquanto, vamos só pensar nessa luz e não no outro túnel logo a seguir.
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