"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

domingo, 14 de novembro de 2010

Desde quando a gente é assim?

Meu médico e minha psicóloga já me perguntaram parece que várias vezes desde quando eu me sinto assim e eu tenho a impressão que sempre dou uma resposta diferente. 16 anos? 12? 14? 8? Desde quando a gente sente que tem algo de errado em nós? Sabe, já conheci pessoas que me falaram que desde sempre se sentiam "diferente", só que o diferente que eles falavam era sempre no sentido positivo, enfim... Pessoas que se sentiam de alguma forma especial. Não é esse diferente que eu me refiro... Não, eu me sentia... Errada. Não sei se essa é a palavra certa, o que eu sentia é que tinha algo errado dentro de mim, eu sabia disso, acho que sempre soube. Alguma coisa de ruim, muito ruim vinha acontecendo comigo, crescendo e crescendo. Até que um dia eu me peguei olhando para minhas mãos com a estranha sensação que elas não pertenciam a mim, me peguei achando graça por me ver sofrendo, me peguei fora de mim, olhando tudo de cima, em câmera lenta e estranhamente engraçada... Uma vez, duas, três... Esse algo ruim dentro de mim tomando "forma", essa coisa que eu chamo de monstro, sem sentimentos, sem arrependimento, esse alguém dentro de mim que fazia com que eu tivesse vontade de me bater, me arranhar, me machucar de alguma forma, só para ter certeza que eu continuava viva aqui dentro. E então um dia eu me peguei chorando... Repentinamente, como uma criança, inconsolável, e depois esse choro parou, da mesma forma que começou, de repente, no mesmo instante que eu avistei o estilete provocantemente largado em cima da minha escrivaninha. Eu sorri e olhei para minhas mãos sem sentir que era eu mesma naquele corpo e como se fosse a coisa mais óbvia a se fazer, eu me cortei.

A lembrança desse dia é tão viva aqui dentro de mim que ainda posso sentir a "força" que aquele ato me permitiu experimentar, tive vontade de rir, rir de verdade. Eu estremeci sentindo o sangue correr pelas minhas veias, nunca havia me sentindo tão viva em toda minha vida. Era incrível, mais do que incrível... Era... Viciante como eu nunca imaginei que alguma coisa pudesse ser. Tive vontade de me abraçar, ironicamente me amando naquele momento, me sentia forte, muito forte, viva, inteira e... como posso dizer... de verdade, sabe? Então, desde aquele dia, tudo virou motivo para me cortar, tudo, qualquer dor, qualquer decepção, melhorava com a lâmina no meu braço. Tudo se resolvia com esse pequeno ato, os cortes não era grandes nem profundos, ninguém precisava saber, estava tudo bem, eu não iria piorar, só precisava disso quando coisas ruins aconteciam, quando eu me sentia mal ou estranha. Tudo mentira é claro. Mas eu realmente pensava assim na maioria das vezes.... Porém, por sorte... Eu ainda tinha... Uma parte de mim, em alguns rompantes de lucidez, se é que posso me referir a isso dessa forma, que ainda gritava que tinha algo muito errado, que isso era muito errado, que eu precisava de ajuda. E eu realmente fui procurar ajuda... Mas na maioria do tempo eu pensava e continuei pensando mesmo depois de um bom tempo de tratamento, que eu precisava dos cortes para sobreviver.

Na minha cabeça, o único jeito que eu poderia aguentar viver com tudo que estava se passando comigo, era me cortando, dia após dia... Eu pensei em me matar sim, diversas vezes... Mas nunca cheguei a tentar de verdade. Analisando as coisas agora... Posso dizer que eu realmente era e sou uma pessoa que sempre quis viver muito, lá no fundo... Afinal, eu me cortava para sobreviver, certo? Não para me matar. Eu queria viver sim e essa foi a forma que eu achei de aguentar. É.... Eu nunca quis me cortar para morrer, mas para acabar com a dor. Mas o fato é que a medida que o tempo passava, os cortes e a frequência pioravam, passei do estilete, para uma faquinha e depois finalmente para a gilete... A gilete é de longe a coisa cortante mais viciante e eficiente que existe, quando eu começei a usá-la, eu realmente achei que nunca poderia parar, realmente achei que do jeito que eu estava indo, dificilmente terminaria o ano viva. Porém... Cá estou, viva, inteira, a um mês sem me cortar. Eu vou conseguir completar o ensino médio, não vou só sobreviver como estou aprendendo finalmente a viver, passei na faculdade que eu queria fazer... Cá estou eu, vencendo a cada dia.... Quem diria né?

Se as coisas podem piorar? Podem... Claro que podem... A qualquer instante o frágil castelo da minha vida, que eu venho tentando construir inúmeras vezes nesses ultimos meses, pode desabar. A qualquer instante, a qualquer pedra um pouco maior do que a esperada no caminho eu posso ter uma recaída. Mas a medida que eu estou bem, eu me preparo para o dia em que essas dificuldade reaparecerem para mim, me preparo para quando o monstro dentro de mim acordar por algum motivo qualquer... Me preparo, ficando cada vez mais forte a cada obstáculo superado. Muitas vezes me sinto uma criança, frágil e doente, aprendendo a andar... Tudo me machuca, qualquer tropeço pode se tornar um acidente irreparável, qualquer coisinha pode se tornar um motivo para não continuar a andar. Me sinto um criança aprendendo a viver finalmente. Me pergunto o que eu estava fazendo todos esses anos. Dando voltas e mais voltas em torno de mim mesma, me estranhando, não compreendendo, caindo, chorando, me atirando sempre em situações cada vez mais perigosas, em atitudes claramente auto-destrutivas, matando o pouco de auto-estima que eu possuia, errando ou não, mas sempre me culpando, sempre sofrendo por tudo, sempre com medo, assustada, me cercando de inúmeras negações, me enganando, confusa e perdida, sem nunca me encontrar, cheia de aversões, manias, atitudes impensadas, sempre sentindo aquele algo errado e mau dentro de mim.

Talvez a pergunta mais importante não seja desde quando a gente é assim, mas porque a gente é assim. Eu não sei ao certo. Pode ser tanta coisa, como pode ser nada. Como ter certeza?

2 comentários:

Marcos disse...

Esse foi seu texto mais inspirador que eu já li. Senti como se você estivesse contando tudo isso diante de mim, como uma profunda conhecedora de si mesma.
Parabéns por ter passado por tudo e descoberto um pouco mais dos complexos "eus" que formam cada um de nós, Sah. Achoq ue você deveria postar no seu "quem sou eu" da Route :D

Unknown disse...

brigada marcos! ^^

vou pensar em postar na route sim o/

e mto mto obrigada por ter continuado ao meu lado esse tempo todo! bjos.