"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

sábado, 26 de maio de 2012

Padrões



O mundo nunca é o mesmo, há momentos em que existo e momentos em que não sou nada mais do que algo incerto flutuando acima da cabeça de uma garota perdida. Entro em uma livraria e instantaneamente tudo o que eu sou se funde com todos os livros a minha volta, meu olhar vazio não transmite a alegria e agitação que tomam conta da minha alma, me sinto mais morta e mais viva do que nunca. Meus olhos passam rápido por títulos e autores, imaginando todas as histórias por trás de cada palavra, confundindo-as, misturando-as em uma grande massa fantasiosa e incrível. A seção de livros estrangeiros sempre é minha preferida, seguida pela de psicologia. Hoje fui direto para os livros de psicologia porque sabia que se parasse nos livros estrangeiros nunca chegaria à outra seção. Não sei direito o que me levou a essa quebra de protocolo hoje, já que sempre vou primeiro para a seção de livros estrangeiros. Sem exceção. Mas de qualquer jeito lá estava eu. Percebi que estava esfregando as mãos nervosamente enquanto corria os olhos distraída pelos livros. De um tempo para cá vivo me surpreendendo com tiques nervosos, às vezes eles me incomodam e eu tento parar, às vezes não me importo. Não me importei hoje. Continuei esfregando as mãos, era confortável, como se uma velha amiga me acariciasse, tentasse me tranquilizar. Dicionário de Transtornos da personalidade, li surpresa, pegando-o rapidamente e abraçando-o como se tivesse achado um tesouro.

O livro era enorme. Pensei em sentar no chão para lê-lo, mas na última vez que havia feito isso um guardinha tinha vindo até mim e falado que eu não podia sentar no chão, o que fez com que eu entrasse em pânico (é sempre extremamente assustador quando algum estranho se aproxima de mim). Decidi ficar ali mesmo, em pé, balançando desconfortavelmente no mesmo lugar enquanto tentava equilibrar o livro em meus braços. Transtorno de personalidade paranóide, transtorno de personalidade antissocial, transtorno de personalidade borderline. Aqui. O capítulo começava bem, falando as qualidades de pessoas que possuíam alguns traços borderline, mas logo depois começava a falar dos verdadeiros borderlines e a coisa começava a piorar. Virei algumas páginas, já conhecia os critérios para o diagnóstico de trás para frente, já sabia todas suas características. Procurava pelo prognóstico, eu queria saber onde estavam esses borderlines, como a doença evoluia ou se era possível encontrar estabilidade de alguma forma. Senti que a cada página que virava pior se tornava o quadro. Segundo o livro havia muita discussão sobre qual método era mais eficiente no tratamento de pessoas com esse transtorno, mas seja qual for o método, nenhum tinha até hoje apresentado resultados realmente satisfatórios. Prognóstico pessimista, futuro incerto, instabilidade, internações, suicídio... Fechei o livro sentindo minha mente fugir de meu corpo. Não penso em nada, sorrio para mim mesma desligada e devolvo o livro em seu lugar, passando a arrumar todos os outros livros da prateleiras que estavam virados ou inclinados. Me vem de repente uma vontade súbita de escrever. Eu sei que a única forma de eu saber o que eu estou pensando no momento é escrevendo, minha mente às vezes é inacessível de mais para mim mesma, escrever é o único caminho tortuoso que me permite ouvir meus pensamentos (e está aí mais um motivo que torna tão vital para mim o ato de escrever). Me sinto inquieta, preciso escrever, preciso muito escrever. Então me lembro que esqueci meu diário em casa. Normalmente eu me irritaria comigo mesma por isso, mas sinto minha mente tão distante que não consigo perceber o que estou sentindo.

Tanto faz. Paro de me balançar inquieta no mesmo lugar e passo a andar pelas prateleiras, de novo esfregando uma mão na outra nervosamente. Prognóstico pessimista, penso. Eu sorrio mais uma vez para mim mesma porque não consigo perceber o que estou sentindo. Se eu pudesse bateria a cabeça na quina daquela prateleira para ver se minha mente voltava um pouco à realidade, mas se fizesse isso as pessoas me achariam louca. Ao menos isso eu ainda consigo perceber. Saio dali na esperança de que, fazendo isso, algo melhorasse. Nada. Vou ao banheiro e lavo as mãos contando até 20 lentamente, depois de apertar três vezes o lugar da onde sai sabão e por último puxando três vezes o papel toalha para secá-las. Eu deveria ter contato até 30, me repreendo baixinho. 3, 30, 3. Esse é o padrão. Se eu não tenho tempo e só posso contar até 20 então eu tenho que fazer 2, 20, 2. Se eu tenho menos tempo ainda então ai sim eu posso abrir uma exceção e contar 2, 10, 2. Eu não deveria ter manias, ou ao menos deveria tentar controlá-las mais, eu sei disso. Mas descobri que elas são estratégias boas para me acalmar, não posso evitar. E, bom... Pelo menos, lavar as mãos contanto até 30 é menos prejudicial do que eu seguir essa "regra dos três" me cortando. Porque, sempre que eu me corto, eu preciso passar a lâmina pela minha pele três vezes, ou então um número que pode ser dividido por três. Três cortes, ou 6, ou 9, nunca fora disso. Geralmente cortes paralelos, separados por meio centímetro mais ou menos. Às vezes quebro a lei de propósito só para não ficar certinho de mais. Mas há um padrão. Para tudo há um padrão.

Minhas mãos ficam ressecadas agora, tenho que passar hidratante e arde quando eu passo hidratante, mas tudo bem. Ao menos isso me acalma, me dá a ilusão de controle, a doce ilusão de controle. O controle tão incerto para mim, tão distante e surreal. De repente aparece bem diante de meus olhos, quando organizo coisas nervosamente, quando conto, quando sigo regras ou as quebro de propósito. Às vezes quando estou triste penso em me matar porque acho que estou constantemente piorando, que não tenho jeito, que essa é a única saída... O que me leva a pensar nisso são os sintomas, eles aparecem um atrás do outro, sempre piorando. Eu sempre preciso de remédios novos, mais remédios, doses maiores, sempre exijo novas estratégias de terapia, sempre apareço com mais e mais problemas. Nada me sacia. Nada dura muito tempo em minhas mãos. Eu nunca aprendo. Se na terapia eu me esforço para parar de me cortar, eu vou fumar mais no lugar, ou comer mais, ou comer menos, ou tomar café demais ou me afogar em remédios ou qualquer outra coisa destrutiva. Não sinto que possa melhorar, só piorar e piorar. Há quase dois anos eu tento de tudo para sobreviver a toda essa dor, a todo esse medo, esse nervosismo e essa minha mente quebradiça que insiste em fugir da realidade... e no entanto a única coisa que parece que eu fiz foi piorar.

Se para tudo há um padrão, o meu é piorar.

Nenhum comentário: