"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

terça-feira, 24 de abril de 2012

Sombras do passado



Se tem uma coisa que parece certa de um tempo para cá, é o quanto eu me tornei obsessiva pelo meu passado. Antes, há uns dois anos atrás, quando eu comecei a apresentar os primeiros sinais da minha personalidade Borderline eu fazia de tudo para não lembrar de absolutamente nada relacionado a minha infância e início da adolescência. Era relativamente fácil continuar a mentir para mim mesma, fingir que nada nunca aconteceu, só que eu não percebi que esse exercício praticado inconscientemente por mim durante anos estava me destruindo por dentro. Até que um dia as cicatrizes que eu mantinha escondidas dentro de mim começaram a saltar para fora por meio da automutilação. Eu estava, pouco a pouco, me tornando por fora o que eu era por dentro. Não havia mais lugar em meu cérebro para guardar e esconder tanto lixo. Eu estava transbordando, explodindo, se dividindo em duas. Mas mesmo chegando ao meu limite, eu me recusava a olhar para tráz e tentar entender minha história. Não, eu não queria olhar para trás. Por mais que eu sentisse a presença de um inferno terrível me apunhalando pelas costas, um inferno feito de memórias confusas e incertas, eu não queria mexer nisso. Não queria aceitar ou enxergar que tinha tantas questões mal resolvidas. Então eu simplesmente ia levando a vida, me cortando a cada dia mais, reclamando e chorando, falando que eu não tinha motivos para ser assim e justamente por não ter motivos, não poderia ser curada (Afinal um problema só pode ser resolvido se sabemos seu motivo e onde ele se encontra, o que eu acreditava não saber). Eu me sentia de mãos atadas, cega e surda para meus próprios gritos desesperados.

Aos poucos, ao longo desses dois anos, quanto mais eu falava em minha terapia, mais as coisas pareciam se tornar um pouco mais claras. Como se bem lentamente minha psicóloga estivesse tirando o véu dos meus olhos que havia me tornado cega a vida inteira. Então chegou uma época em que eu senti que não havia mais saída. Há um tempo já, eu fugia das perguntas da minha psicóloga quando ela chegava em um assunto que me incomodava e de repente, de tanto fugir involuntariamente, percebi do que estava fugindo e comecei a me questionar... E é engraçado quando você para de fugir de algo, como isso se torna claro em sua mente. Foi como se eu sempre soubesse, como se alguém tivesse finalmente me entregado tudo o que fosse necessário para fazer qualquer um acreditar nisso. Eu poderia dizer que foi um alívio, mas não foi. No momento em que eu consegui contar, entre horas de lágrimas que pareciam nunca parar de cair, soluços e uma das piores dores que eu já senti na minha vida... Foi como voltar no passado e reviver tudo, absolutamente tudo de novo. Com tanto realismo que foi quase impossível eu não começar a me arranhar, bater a cabeça na parede ou me cortar ali mesmo, na frente da minha psicóloga, para provar para mim mesma que eu continuava bem ali, com 18 anos nas costas e não com 4, 6, 8, que seja. Foi um período muito ruim mesmo, tanto que há até brancos de memória, eu quase reprimi de tão horrível. Seria irônico eu ter reprimido minha tentativa de parar de reprimir meus problemas.

De qualquer jeito, eu sobrevivi a isso. Não sei como, mas sobrevivi. E hoje, é um pouco mais fácil entender minhas atitudes, meus sintomas, meu jeito de ser e pensar. Apesar disso... Eu não pude deixar de me tornar obsessiva quanto ao meu passado. Sou agora o oposto do que era há dois anos atrás, penso muito nele, quase o tempo todo, como se fosse masoquista, ainda mais quando estou com problemas ou triste. Por mais que algumas coisas tenham ficado mais claras, ainda tem muito em meu passado que é nebuloso, confuso e incerto. Me pergunto o tempo inteiro se o que eu lembro foi tudo o que aconteceu comigo... Com certeza não, sinto que não. Sinto que há ainda muitas coisas mal contadas e isso me incomoda. Agora que já enfrentei o pior, quero saber tudo, cada milimetro da minha história. Eu preciso saber, enfiei isso na cabeça, eu preciso saber de tudo porque só assim poderei descansar em paz. Dessa forma, percorro minha infância e adolescência minusiosamente, atenta para cada detalhe que minha mente possa ter querido esconder de mim. Quando tudo começou exatamente? Por quê? Será que eu não dei nenhum sinal para ninguém do que estava acontecendo comigo? Será que minto tão bem assim? Será que eu já nasci com algum problema e o resto só contribuiu? Por quê? O que aconteceu primeiro? Em qual ordem? Com quais consequências? Há muitas incógnitas. Buracos em minha memória. Lembro de várias situações claramente, mas não tenho como ter certeza absoluta de muitas, simplesmente porque não me lembro quando isso aconteceu, não consigo distinguir se isso faz parte só da minha coleção de pesadelos ou se é realidade. E eu preciso saber... Preciso saber. Não vou conseguir descansar até ter vomitado toda a sujeira que há dentro de mim. Porém eu procuro e procuro, e esse algo me escapa, não sei o que é. Me incomoda o tempo inteiro, mas não sei o que é. Me sinto perdida de novo, andando em círculos inutilmente. A maioria das pessoas gostariam de poder voltar a idade das crianças para se divertir, pois possuem boas lembranças dessa época. Eu não gostaria nunca de voltar no passado, mas eu gostaria que alguém me contasse minha história e me ensinasse o que eu sou, quem eu sou, porque eu sou. Ninguém vai fazer isso de qualquer jeito, quem se importa?

Nenhum comentário: