"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

terça-feira, 27 de março de 2012

Procrastinação



Foi um  mês difícil. Troca de remédios, instabilidade, mudanças, crises. A realidade é incerta, o futuro também. No meio dessa confusão toda eu me perdi um pouco mais do que o normal, dificilmente eu me sinto presente nas coisas que eu faço, é como se algo no meu cérebro tivesse se desligado e eu tivesse me tornado um robô ou algo do tipo. É difícil prestar atenção em qualquer coisa, é difícil ter paciência com as pessoas a minha volta. Barulhos me incomodam, luzes me incomodam, pessoas me incomodam, tudo. Foi realmente um mês difícil, me cortei muito, fumei muito, me isolei, parei de comer, tive uma crise convulsiva, e mais uma vez estive há um pezinho de entrar em um surto psicótico. Aos meus olhos todos olhavam para mim, todos riam de mim, todos me perseguindo, e então, a raiva, o medo, misturados, explosivos. Se as pessoas pudessem imaginar o quão perto eu chego de perder totalmente o controle e fazer alguma besteira... Eu mataria, eu machucaria, eu faria qualquer coisa. Sei muito bem que posso fazer isso, mas não consigo reconhecer essa maldade que corre pelas minhas veias como algo pertencente de forma legítima à minha personalidade, dou a isso o nome de Monstro. Meu monstro, dentro de mim, sempre procurando uma pequena brecha para poder vir a tona. Meu monstro me corta, gosta de me machucar e machucar as pessoas a minha volta, ele é assim. Eu não, ele.

Meus sintomas costumavam ser assustadores. Eu costumava morrer de medo ao sentir a realidade sumindo diante de meus olhos,costumava tremer ao sentir esse enorme estranhamento que eu tenho de mim mesma e que chamo de monstro, eu costumava chorar quando sofria alucinações sensoriais e entrava em estado persecutório. Sempre foi muito assustador ser eu, a cada novo sintoma, a cada piora... Eu sentia perder cada vez mais o controle das minhas próprias mãos e mente, quase como se fosse uma doença degenerativa. Ainda sinto isso, ainda sinto que caminho sempre em direção à uma piora sem volta, por mais que as vezes eu tenha algumas melhoras, no fim sempre volto a piorar e a cada piora, acrescenta-se mais um sintoma ou piora-se os existentes. É sempre assim, sempre. Vai chegar uma hora em que não terá mais melhora, eu tenho certeza. De qualquer jeito, essa visão das coisas costumava ser assustadora... Agora não mais. Sinto uma espécie de morte aqui dentro, ou uma certa paz, não sei diferenciar o que está morto e o que está em paz. De qualquer jeito, agora, quando caminho e sinto minha mente se separando de meu corpo, posso até sorrir, como se desejasse mesmo que ela voasse para bem longe e abandonasse para sempre esse corpo feio e sujo. Posso olhar para minhas mãos com uma rara tranquilidade, não as sinto, não são minhas, não sou responsável pelo que elas fazem. Não me importo, não sou eu, eu não estou aqui, eu não sou essa. Estou em paz, estou morta, bem longe dali.... É uma sensação gostosa. Meu mundo imaginário me seduz mais do que assusta agora, me acostumei a ele, passo a vida atravessando a fronteira entre a realidade e a não-realidade ao sabor do vento. É como eu sou, é quem eu sou.

Poucas coisas em mim mesma me assustam agora, o mundo externo creio que sempre vai me assustar, mas pela primeira vez não tenho medo do meu inferno interior. Algo se quebrou aqui dentro de um jeito diferente dessa vez, me sinto desconectada, desligada, morta. Perdi algo importante em algum lugar por aí. É o máximo que eu consigo pensar. O resto passa... Dia após dia, não procuro nada, não luto por nada, não desejo quase nada. Mas ainda estou viva aparentemente... E minha vida parece estar querendo me acordar, tudo está acontecendo rápido demais, sem que eu mal esteja me movendo. Ela tenta me surpreender e me sacudir. Escuto algo me chamando o tempo todo, que nem na noite em que tive a convulsão, eu não estava consciente, mas assim que minha consciência começou a voltar, a única coisa que eu conseguia entender no que as pessoas falavam a minha volta era meu nome. Sabrina. Sabrina. Sabrina. Era a única coisa clara, a única coisa que minha mente conseguia assimilar. Sinto que a vida nesse momento está me sacudindo e me chamando como minha mãe estava fazendo comigo naquela noite. Abrir os olhos é um pouco pesado demais, sinto que desaprendi a viver, como naquela noite desaprendi a falar, a me manter em pé, a compreender tudo a minha volta. Mas eu preciso abrir os olhos, eu preciso voltar. E eu vou voltar... Eu só queria um tempinho, só mais um tempinho, em que eu conseguisse me concentrar unicamente em mim e em meus problemas mais profundos, para, quem sabe, com muita sorte, conseguir recomeçar de um jeito um pouco mais certo. A boa e velha procrastinação.

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