"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

sábado, 11 de dezembro de 2010

Sainda do armário



Bom... Esse ano eu surtei, dei a loca, quis me matar, me afundei, tive crises e mais crises de tudo o que eu tinha direito, sobrevivi a base de terapia e tarja preta e... finalmente, sai do armário! Obviamente foi da forma mais doida e inesperada possível. Irritei meio mundo, assustei outra parte e quase ninguém acreditou de primeira em mim. É claro que não iriam acreditar. Afinal eu mesma consegui me enganar por um bom tempo, enganar os outros também não é muito difícil (desculpem a decepção... mas sim, eu sei mentir e muito bem se minha vida depender disso lol). O fato é que eu simplesmente não podia contar nada para ninguém. Eu estava confusa de mais, perdida de mais para ter certeza se quer se eu continuava viva em meu corpo, que dirá quanto a sexualidade que sempre foi um problema e tanto na minha vida. Maaas, isso tudo passou. E hoje estou aqui para deixar que vocês me conheçam um pouquinho mais, de verdade dessa vez. Talvez vocês consigam me entender agora.

Sempre fui uma menina esquisita... Isso é fato. Tímida de mais, absolutamente perdida. Quando pequena eu odiava as outras meninas, alias durante grande parte da minha vida eu guardei uma irritação injustificava de quase todas as garotas. Eu gostava de andar com os meninos. Me identificava com eles, gostava de brincar do que eles brincavam e tê-los como amigos... Não, não gostava das meninas, todas frescas com suas bonecas e coisas cor-de-rosa. Mas eu não era um menino. Por mais que me esforçasse e tentasse me encaixar (passava dias e dias treinando futebol para conseguir ser tão boa quanto os outros garotos) eu era uma menina oras... Eu não era vista com igualdade pelos outros meninos. Eu era fraca e feminina de mais para ser vista como um deles e forte, desajeitada e muleque de mais para ser vista como uma amiga pelas outras garotas. Daí vem minha sensação de nunca se encaixar em lugar nenhum.

Bom... Viver no meio de muleques não é uma boa idéia quando se é uma menina. Tem que ser muito macho para conseguir botar respeito em um bando de mulequinhos descontrolados. Eu não era macho. Eu era só uma garotinha que gostava das mesma coisa que eles gostavam! Mas ainda sim uma garotinha. Tive muitas experiencias ruins com meninos quando pequena. Principalmente com os mais velhos e os mais problemáticos. Coisas que foram contribuindo para que eu me sentisse cada vez mais tímida, fechada, perdida, diferente, submissa e fraca. Quando digo que sou fraca... muitas vezes eu não estou dizendo no sentido psicológico, estou falando no sentido físico mesmo. Sou fraca de mais para conseguir manter os homens longe de mim e eu sei que por mais que eu queira, eu nunca vou ser forte o suficiente. E o problema é que eu não quero ser forte! Entende? Não quero ser um homem! Não, eu gostava de ser menina! Só não gostava que os meninos me tratassem como menina, a bonequinha deles, o brinquedo. Não sei se vocês estão conseguindo me entender... mas tudo bem.

Enfim. Os garotos me deixaram muito claro onde era meu lugar. Submissa a eles. E como eu odiava isso... Como eu odiava ter que abaixar a cabeça toda a vez que eles se aproximavam e rezar para que não fizessem nada, como eu odiava... Odiava quando o jogo acabava, quantos gols eu tinha feito? Não importava, eu era uma menina, eu era sortuda só isso, sorte... Ela sempre tá no lugar certo para chutar a bola, mas no corpo a corpo até o vento ganha dela. Eu me lembro... eu era ou goleira ou artilheira, lembro de estar sempre machucada, eu não me importava de me machucar, a única coisa que me importava era fazer gol ou defender o gol. Quantas vezes sai sangrando daquela quadra? Nem me lembro. Mas eu era feliz quando jogava, era jogando o único momento que eu sentia que fazia parte de alguma coisa, me encaixava em algum lugar... Apesar de eu detestar quando o jogo acabava e eu deixava de ser a jogadora para ser a garotinha. De qualquer jeito... Fui crescendo assim.

Nessa época que só andava com meninos quase não tinha nenhuma amiga menina, mas com o tempo eu não pude mais jogar bola com os muleques... Eles estavam crescendo, ficando cada vez mais fortes e perigosos, no fim fui forçada a tentar pelo menos alguma amizade com meninas. Garotas são complicadas... Mas eu passei a gostar delas, não de todas... Eu tinha um ódio recíproco por uma garota em especial do meu prédio, o nome dela era Aline... Absolutamente linda, perfeitamente mimadinha e irritante. Eu me sentia intimidada com a beleza dela... é. Enfim. Eu nunca desconfiei que poderia gostar de garotas até uns 12 anos de idade eu acho. Simplesmente porque eu não sabia que era possível homem gostar de homem ou mulher gostar de mulher lol (entendam que eu venho de ma família absurdamente religiosa e que isso é um tabu). Quando soube da existência dos gays, eu só soube dos homens... Gays, garotos afeminados, fim. Sapatão? Já tinha ouvido minha vó falar uma vez ou outra eu acho, com desprezo, mulheres machonas... Mas até ai eu não sabia que essas mulheres poderiam gostar de outras mulheres. Quero dizer... Isso para mim não existia. Era totalmente fora da minha realidade. Deus fez o homem e mulher, certo? Não a mulher e a mulher.

Fui crescendo, arrumei uma melhor amiga no meu prédio... Uma que eu amava de paixão. Fazia tudo por ela, tudo (e isso inclui brincar de boneca e essas coisas de meninas, na verdade foi ela que me ensinou a brincar de boneca...). E algumas outras amigas na escola... Chorei muito por essas amigas da escola, elas viviam me magoando sem dó nem piedade. Garotas são crueis. Eu obviamente era o saco de pancada delas, para variar. Alias eu sempre fui o saco de pancada de todo mundo. Enfim... Lá estou eu, com 12 anos. Vendo pela primeira vez um beijo lésbico na internet... E então a confusão começou. Fiquei pela primeira vez com um garoto, meu melhor amigo, e eu nem sei porque. O fato é que fiquei com ele e surtei. Obviamente. Era engraçado como eu "ficava" com ele na escola e em casa via o clipe da Tatu, all the thinks she said, incansávelmente. E nem me tocava que talvez, só talvez o que eu estava sentindo pela minha amiga fosse um pouco mais do que amizade. Bom, eu passei a odiar esse meu amigo sem explicação nenhuma, terminei com ele, terminar é pouco, eu quebrei seu coração sem nem pensar duas vezes, só para ter certeza que ele nem pensaria mais em chegar perto de mim.

Eu ficava com garotos, sabendo que era isso que eu deveria fazer, encontrar um garoto. Nada mais do que isso. Bom, na verdade eu fiquei com poucos garotos, uns 4 só acho... Eu geralmente preferia escolher um e botar na minha cabeça que ele era perfeito, exatamente aquele, aquele mesmo, o mais inalcansável possível e distante. Geralmente era assim. Eu me "apaixonava" pela personalidade de um ou outro, olhava como as garotas ficavam animadas ou excitadas na frente de meninos e não entendia muito bem, mas fingia que sentia atração também. Na verdade eu nunca soube o que era exatamente atração física até o começo desse ano. Bom... E assim as coisas foram indo... confusas e desencaixada. Eu ainda não entendia qual era a porra do problema comigo. Até que eu fiquei um menino, o último menino que eu fiquei... E com ele as coisas foram diferentes, foram longe de mais, eu não tive o controle que tinha conseguido das últimas vezes, não... Ele foi longe de mais e desesterrou todos os meus traumas e medos em um dia só. Foi ai que as coisas começaram a desandar de vez... Eu me perdi, no labirinto confuso que eu sou. E fui me afundando cada vez mais no meu inferno particular...

Enfim... Começo do ano. Estou relativamente bem ainda, animada com o começo das aulas, quero estudar para passar no vesbular, tenho um objetivo para lutar. Minha animação não dura quase nem uma semana... Vou piorando aos pouquinhos, sempre piorando, chego no fim do poço nas férias de julho. Me corto quase todos os dias... Não me importo com mais nada, tenho certeza absoluta que não vou sobreviver até o final do ano... Na verdade não me importo muito se vou sobreviver ou não. E então... Uma pessoa começa a me chamar atenção... Já chamava atenção antes, mas agora é diferente. Uma amiga, ela se preocupa comigo, limpa meus cortes, faz curativos, conversa comigo incansavelmente, quantas vezes for necessário para me tirar, nem se for só por alguns momentos da escuridão que eu estava. Eu tentava mentir para ela sobre os cortes, mas ela sempre acabava descobrindo que eu havia feito de novo, eu gostava quando ela cuidava de mim... ou quando conversava comigo sozinha... Fazia eu me sentir estranhamente bem, bem como ninguém mais conseguia. Eu me policiava para não olhar muito para ela, tinha medo que ela visse nos meus olhos o que eu sentia, ao mesmo tempo queria que ela pecebesse. Queria que ela gostasse de mim também e tomasse a iniciativa, mas ela nunca deixou parecer que quisesse algo a mais além da amizade.

Bom, então eu cansei. Estava cansada comigo mesma, estava cansada de dar voltas em mim mesma sem nunca entender o que eu era e o que eu queria, estava cansada de ver as pessoas preocupadas comigo, estava cansada de ser um peso e me fazer de vítima... Então eu pensei... "pqp, que se foda essa merda, to apaixonada por ela, pronto, admiti, tarde de mais para voltar atrás." e falei para ela que gostava dela, em um dia meio doido e impulsivo. Assim "do nada" porque eu nunca havia falado para ninguém que eu talvez estivesse me apaixonando por ela desde lá o começo do ano. Assim "do nada" porque vocês não sentiram na pele a confusão sem respostas que foi a minha vida inteira. O fato é que a dúvida sempre esteve comigo... E eu tentei, juro que tentei de todos os jeitos possíveis ficar com um garoto, tentei até quase me destruir, mas tentei. Mas... Seria mentira se eu não dissesse que a coisa mais certa que eu já fiz na minha vida, foi ter admitido para mim mesma naquele dia, que estava apaixonada por ela.

É engraçado agora como tudo parece se encaixar e fazer sentido... Todos aqueles sentimentos confusos e atropelados que eu nunca entendi direito, agora parecem tão mais claros. É engraçado como parece que eu encontrei meu lugar finalmente... Lugar que eu nunca pensei que pudesse existir. Bom... Acho que essa é a história contada meio nas cochas de como eu sai do armário. Eu ainda não sai totalmente do armário, porque por mais que meus pais desconfiem, eu ainda não admiti para eles. E acho que não pretendo admitir por ainda um bom tempo. Mas eu acho que o passo mais importante para a felicidade de pessoas como nós é sair do armário para nós mesmos, admitir para si mesmo e aceitar o que você é.

Acho que é uma questão de auto-conhecimento, sabe? Pessoas que se conhecem muito bem, têem certeza desde cedo que são homossexuais. Mas não é assim com todo mundo. Para muitas pessoas a resposta não estão assim tão clara desde cedo. A unica coisa que temos certeza é que tem algo "errado" ou diferente em nós e não entendemos porque, nem o que exatamente é. De qualquer jeito, depois de admitir para si mesmo, o primeiro passo é contar para pessoas de sua confiança... Até porque é uma carga muito pesada de se carregar sozinho. Eu tenho sorte de ter minha namorada... Muita gente não tem um companheiro para contar com e é difícil saber como seus amigos vão reagir. De qualquer jeito, insentivo as pessoas a serem sempre elas mesmas. É solitário fazer da sua vida um segredo, sempre se policiando e desconfiando das pessoas. Bom, por experiencia própria, minha vida está indo de vento em polpa desde que desisti de tentar ser o que não sou. É isso ai, get out of the closet!

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