Eu costumava ser uma garotinha qualquer. Eu costumava esperar ansiosamente as segundas-feiras e os elogios pela minha suposta inteligência. Eu costumava ignorar o fato de eu estar atrasada na escola e ser um ano mais velha do que meus colegas e que isso era um pouco incoerente com os elogios que eu recebia. E tudo estava bem. Ou ao menos tudo parecia bem. Se algo estava errado, não sabia dizer onde. Talvez um probleminha aqui ou ali. Um irmão ciumento que me espancava um pouco de mais, que ria de mim e aos poucos ia contribuindo para destruir minha autoestima. Nada de especial. Quem nunca brigou com seus irmãos? Eu costumava amá-lo apesar de tudo. Talvez pais um pouco ocupados de mais com seus próprios universos para tentarem entrar ou se interessarem pelo meu. Tudo bem. Quem nunca sentiu falta de alguém? Eu costumava amá-los apesar de tudo. Quem sabe amigos abusivos, que riam, que criticavam maldosamente tudo o que você era ou pensava ser, amigos que precisavam te diminuir para se sentirem bem com eles mesmos. Mas tudo bem. Quem nunca se sentiu injustiçado? Ou sozinho, com medo, confuso, deprimido.
Quem nunca pensou em se matar?
O que eu deveria fazer? Quem eu deveria ser? Minhas escolhas, escolhas erradas. Erradas? O que é certo? Não havia ninguém ali, nunca houve. Sempre estivesse tão sozinha. Como podem esperar que isso desse certo? Me olho no espelho, sempre espelhos, sinto meu monstro se contorcendo de prazer dentro de mim enquanto tudo o que eu sou chora de dor. Minha culpa. Minha culpa. Minha culpa. Meu monstro tem sede de vingança, de justiça, afinal qual a diferença? Eu preciso pousar minhas mãos em meu peito porque tenho medo que ele saia de dentro de mim e, enfim, me destrua de vez. Eu preciso segurar minha cabeça entre as mãos, porque dói, e o mundo está se desmanchando bem diante de meus olhos. Está tudo sempre tão errado. Vocês não percebem? As coisas nunca são como deveriam ser, tudo o que eu encontro em meu caminho são mentiras. Mentiras que me manteram vivas até hoje, mas que agora queimam aqui dentro e eu preciso desvendá-las. Eu preciso. Está tudo errado de mais. Eu só quero que tudo isso acabe, eu só quero um fim, uma solução, um milagre, qualquer coisa.
Eu costumava ser só uma garotinha. E por que a vida tirou isso de mim? Por que eu não pude crescer normalmente e saudável? Por que algo deu tão errado no meio desse processo? Há tantas pessoas, tantas coisas ruins, e nem por isso elas deixam de se tornar pessoas perfeitas, perfeitamente normal. Eu não. Eu quebrei. Eu dei errado. Eu sou um fracasso. Um projeto de pessoa que nunca irá se realizar. E só. Eu costumava ser feliz, ou ao menos costumava acreditar ser feliz. A vida era simples e bonita. E ao longo dos anos tudo passou a ser cada vez mais escuridão, dor e raiva. Onde está? Onde está aquela garotinha? Não consigo sentí-la, não consigo... Eu olho para dentro de mim e tudo o que eu vejo é esse maldito monstro. E ele me olha de volta. Seus olhos brilham. Ele não vai embora. Eu sei disso, ele sabe disso, todo mundo sabe disso.
Sabe, eu costumava ser alguém. Inteira e única. Agora o que me resta são fragmentos, migalhas e só.
Um comentário:
Puxa Sabrina,fico muito chateado como hoje em dia ocorre mais cedo os problemas emocionais,acometendo pessoas jovens,inteligentes e com grande potencial como você.Eu com meus 18/19 anos nunca imaginava que ia passar pelo suplício que começou nos meados de meus 20 e poucos anos,até chegar ao ponto de nos cruzar no Vera,mas se la vie como dizem certo? Bola prá frente!!!
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