"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Para uma menina


Toda vez que te vejo desfilando pelo prédio, pelas escadas, elevadores e corredores, sinto um aperto desconcertante em meu peito. Dez, onze anos, pernas finas descobertas, ainda sem vestígio nenhum de seio, rosto fortemente maquiado, salto alto, olhos grandes de criança, olhar enigmático, passado intragável, presente incerto. O que fizeram com você menina?

Lembro de seus seis, sete anos, a menininha esquisita, dada, de irmão gago e problemático, olhar malicioso desde aquela época, fala rápida e nervosa, esquisita. O que fizeram com você? Os boatos sempre me assustaram, fizeram com que eu sentisse repulsa por você, repetisse para mim mesma que não era verdade e pior, se fosse, significava que você não valia nada, que a culpa era sua... Uma criança, eu também, uma criança.

Veja como são as coisas, negar você é negar a mim mesma, te culpar é me culpar. Sinto como se, de certa forma, sua pequena vida nada inocente, fosse uma continuação da minha, uma continuação talvez pior, talvez "melhor", não sei dizer. De um jeito ou de outro, indiscutivelmente, sinto em seus olhos o inferno que você vive, ou melhor, eu o reconheço. E só por essa sensação existir, esse reconhecimento, já me faz querer te arrancar daquelas garras, mãos, corpos, limpar a maquiagem de seu rosto e te dar uma boneca, te dar uma infância que você nunca pareceu ter, uma chance para sair da escuridão, ver o sol, brincar e todas essas coisas. O que fizeram com você menina?

Eu rezo todos os dias para um deus que eu não acredito, para que alguém te salve, para que sua vida esteja melhor hoje do que estava naquela época. Nós guardamos os segredos ruins em um lugar distante de nossa consciência, para que eles não nos destrua. Eu rezo para que daqui a alguns anos, quando o segredo se tornar pesado e insuportável de mais, você não apareça com cicatrizes em seus pulsos e braços. Ou melhor, rezo para que os boatos sejam só boatos e que seus olhos tristes, profundos e assustadores sejam só algo da minha cabeça.

Nenhum comentário: