"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

terça-feira, 27 de agosto de 2013

O jogo da vida



Se sentir parte de alguma coisa, por mais insignificante que isso seja. Sorrir, cumprimentar as pessoas, conversar, trocas de modo geral. Trocas de palavras, gestos, momentos... Tudo milimetricamente pensado, ensaiado, planejado. Eu tenho que parecer uma pessoa normal. Não importa muito se dentro da minha mente eu sou uma bagunça, se meu mundo está desabando ou se a única vontade que eu tenho no momento é de me atirar no vão do metrô, nada disso importa se eu conseguir manter as aparências. É um jogo. A vida é um jogo. E tudo o que eu tenho que fazer para ganhar é ser quem eles querem que eu seja. Se eles querem que eu seja sociável, então eu saio mais e abro grandes sorrisos quando estou com alguém, posso me mostrar animada e divertida, posso falar besteiras para os outros rirem e tornar o ambiente leve e confortável. Se eles querem que eu seja inteligente, posso anotar cada palavra que o professor diz, aprendendo como uma esponja, posso estudar muito mais e tirar notas altas, posso conversar sobre assuntos que eu entendo e falar por um bom tempo. Se eles querem que eu seja atenciosa, carinhosa e aberta. Posso abraçar, beijar, prestar muito mais atenção, ouvir mais, ver mais, essas coisas...

Mas de um tempo para cá eu venho perdendo nesse jogo. Eles querem que eu seja isso e aquilo... Mas meu sorriso falha e sempre alguém me pega com o olhar perdido no horizonte, não estou feliz. Meu coração acelera quando estou com pessoas a minha volta e de repente eu não faço ideia do que falar e não falo nada, não tenho nada a dizer, nada para fazer alguém rir, nada de interessante, nada de nada. Não consigo me mostrar animada, muito menos divertida, não consigo se quer prestar atenção no mundo a minha volta. Não sinto mais vontade de sair, apesar de ainda me arrastar para lá e para cá, na esperança que esse desanimo desapareça. Na faculdade tudo se torna cada vez mais pesado, ouvir, prestar atenção, anotar, raciocinar, tudo. Quando eu me dou conta, passei uma hora e meia olhando para o nada, pensando em coisa alguma, ou em tanta coisa que nem sei mais.

Uma das coisas que eu mais quero na vida é dormir, o tempo todo, para sempre. E fugir de tudo, absolutamente tudo. Ando me viciando em meus sonhos, cada vez mais malucos. É como se cada noite que eu deitasse minha cabeça no travesseiro, um filme estivesse pronto para começar, cada noite é uma história diferente e eu me pego ansiosa para a noite chegar. Mesmo quando são pesadelos, quero vivê-los, prefiro vivê-los do que viver minha própria vida. Acho que eu cansei de perder nesse jogo que é a vida. Nos sonhos o mundo é diferente, o jogo é outro, as regras são outras e está tudo na minha cabeça, tudo é, supostamente, controlado e de um jeito ou de outro, seguro. Sinto falta disso quando meus olhos estão abertos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Me explica uma coisa? Quem são “eles”? Seus pais? Seus amigos? A sociedade? Deus? Você mesma? Quem são eles? Quem são eles que te cobram, que usam conceitos velhos como “pessoal normal” pra te prender em uma jaula de cobranças e julgamentos de que você não é o que você deveria ser? Que escrever as regras daquilo que devemos fazer para nos tornar aquilo que devemos ser?

Não, a vida se resume à uma aparência. Diria simplesmente que a vida não é uma única narrativa (e graças à Deus nós vivemos no século XXI, em que não somente a pluralidade de narrativas é possível mas também as suas coexistências mesmo quando tudo parece contraditório). Da mesma forma que a ideia de “eu” na existe a ideia de “o que é a vida” não é estanque. Eu só sou o que eu sou na relação com o outro; e isso não é mera brincadeira bonita de palavras: com cada outro que eu me relaciono aparece-me um “eu” diferente (que é meu; que sou eu mas que eu não sou só e simplesmente esse eu). Sou todos esses eus e não sou nenhum deles, e essa possibilidade da existência de múltiplas narrativas de mim mesmo não me torna um cínico nem necessariamente um jogador frio e calculista. Não se trata de um jogo mas de uma compreensão menos rígidas dos conceitos de “eu” e “vida”. Eu não sou na casa da minha vó o que eu sou no banco, que não é o mesmo eu que eu sou entre os sociólogos que não é o mesmo eu que me aparece em um bate cabeça de um show do Dead Kennedys que não é o mesmo eu que se embebeda nos prazeres carnais contidos em uma delicada taça de Gevrey-Chambertin. Se eles te cobram que você seja “um” ria deles. Desconfigure a reverberação que esses conceitos podres possam ter na nos seus “eus”. Não seja sociável se não quiser, não de sorrisos à quem não te faz rir, não se cobre animação onde não há, e entenda que chorar não é o contrario de sorrir, que sociabilidade não exclui a solidão, que ares leves e descontraídos não anulam o podre que há dentro nós mesmos, nem que o sonho é o oposto da realidade; são gramáticas que caminham juntas. Seja uma, seja nenhuma, seja cem mil! Quando não souber o que falar, não fale nada; ou fale tudo mesmo sem saber o que esta falando. Não perca esse jogo, se recuse a jogá-lo! Não preste atenção quando aquilo à que se deveria dar atenção não merecer sua atenção. Abandone de uma vez por todas as normatizações, as prescrições e as formulas morais e de viés não confiável que um dia ouviu. Se quiser passar 5 horas olhando para azul do céu, o faça. Seja dona dos seus “eus” e da vida dos seus “eus”.

Anônimo disse...

me identifiquei demais. beijo, stefano.

Unknown disse...

"Eles" são a sociedade de modo geral. Porque o mundo espera algo de nós, o mundo sempre espera algo de nós e é natural. Desde antes de nascermos cria-se uma expectativa a nossa volta, se nascemos homens nossos pais esperam uma coisa, se nascemos mulher, eles esperam outra, na escola somos cobrados de diversas coisas e assim por diante e eu não acho isso necessariamente ruim. Essas expectativas precisam ser minimamente seguidas para conseguirmos viver em sociedade.

O que eu quis dizer no texto é que eu quero seguir essas expectativas, eu gostaria de ser como "eles" querem que eu seja pois assim a vida seria muito mais fácil. Eu seria provavelmente muito mais aceita e compreendida. O problema é que eu não consigo, não consigo sorrir o tempo todo, não consigo ser sociável, tenho dificuldade em muitas situações do dia a dia. Sou, enfim, humana. E deveria agradecer por isso, mas não, eu quero o sobre-humano, quero ser perfeita, quero o tempo todo ser o que nunca poderei ser.

Não sei porque quero isso, talvez eu acredite que essa seja a única forma de sumir na multidão, me tornar tão perfeitamente igual a todo mundo a ponto de sumir para sempre, quando na verdade o normal (e o que nos faz sumir na multidão) é exatamente ser diferente. Entende o que eu quero dizer? Estou errada, é claro e preciso tirar essas ideias malucas da minha cabeça, mas encontro certa dificuldade para fazer isso.

Abraços,
Sah.