"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A casa dos artistas - Enfim, de volta ao mundo lá fora.



Foram 27 dias de internação.

"Alô. Casa dos artistas, pois não."

"Deus, eu não pedi por isso, eu não pedi por isso, eu não pedi por isso. Dói de mais, dói de mais, dói de mais. Doutor me ajuda, POR FAVOR, ME AJUDA"

"Por favor, por favor, por favor, por favor, por favor...."

"Me solta, me solta, ME SOLTA."

A garganta dói de tanto fumar e engolir comprimidos, e não há muito mais para se fazer além disso. Cada louco com sua mania, é o que dizem. É verdade, cada louco com sua mania, preso em seu próprio inferno, solitário mesmo que acompanhado. Lá dentro, é cada um por si e um enfermeiro por todos. Todos nós nos entendemos e nos afastamos devidamente caso alguém entre em crise. Nesses momentos, os enfermeiros aparecem e restauram a "paz" tênue do ambiente coletivo, isso quando os gritos do louco da vez não acabam por perturbar todos os outros por horas a fio. É algo como uma bomba relógio, não, é algo como umas 30 bombas relógio convivendo juntas 24 horas por dia, 7 dias por semana. Tá na cara que não vai dar muito certo, mas mesmo assim arriscá-se, não há muito que se possa fazer quanto a isso. Um enfermeiro passa por você, ou um médico, ou uma das professoras, ou um psicólogo:

"Tudo bem?"

"Tudo bem."

Eles parecem sempre passar correndo. Intercorrências. É como eles chamam. Intercorrência na UCE masculina. Intercorrência na UCE feminina. Intercorrência na Unips 2. Intercorrência para todo lado. Traduzindo: Um paciente saiu do controle, uma das bombas relógio explodiu. Se você não está muito mal ou já está lá há algum tempo lá, você vai ter que ter paciência porque todos os funcionários sempre vão estar ocupados com alguém que precisa de mais atenção do que você e você vai se frustrar porque, obviamente, para você o seu problema é o pior possível, o mais insuportável e  incomodo possível, quando na verdade não é e essa é uma das lições que algumas pessoas acabam por aprender ali dentro. Você não é o pior caso. Há sempre alguém pior do que você. Você não é um caso perdido, há chances para você melhorar e ficar bem, muito mais que para você piorar e acabar vivendo de internação em internação. Não tem como saber qual vai ser seu destino, mas espera-se o melhor, e com razão.

E tem o efeito dominó. Uma bomba relógio explode, o que acaba gerando outra explosão, e mais uma, e mais uma e mais uma. Não era difícil acontecer, eu mesma diversas vezes, lá dentro, tive que ser medicada porque não estava passando bem porque algum dos pacientes estava mal e me atormentando, é simplesmente duro de mais ver uma amiga sua começar a ouvir vozes que mandam ela se matar por exemplo, o que obriga os enfermeiros a amará-la na cama, onde ela fica se debatendo e gritando de forma desesperadora de se observar. É difícil, é muito difícil. Havia dias em que ficava difícil até de respirar, de tão pesado que ficava o ar daquele lugar. Era quase sombrio, aterrorizante. Nesses dias não importava nada o fato de haver um jardim bonitinho ou você estar em um quarto melhor do que outro. Todo mundo ficava mal, cada um a sua maneira única. Cada louco com sua mania, todos iguais, enfim.

Eu nunca vou me esquecer dos dias em que eu passei na Casa dos Artistas (como a clínica foi chamada um dia, atendendo a um telefonema e em outros quando queríamos rir um pouco). Sei que todas as coisas que passei lá vão me acompanhar para sempre, tanto para me atormentar quanto para me fazer sorrir de saudade dos amigos que ali fiz e dos momentos bons que vivi com eles. Adeus Casa dos Artistas, estou de alta, o pessoal de casa tudo votou em mim para me tirar de lá. Adeus.

Um comentário:

Marcelo disse...

"...Nesses dias não importava nada o fato de haver um jardim bonitinho ou você estar em um quarto melhor do que outro. Todo mundo ficava mal, cada um a sua maneira única. Cada louco com sua mania, todos iguais, enfim..."
resumo completo querida amiga,beijos!
Marcelo