É um assunto delicado. É sobre psiquiatria.
Eu vejo muitas pessoas falando sobre doenças mentais, sobre o quão importante é tomar seus remédios religiosamente. Fala-se muito mais em tomar remédios, em aceitar a doença como parte do que você é, uma espécie de identidade, do que na possibilidade da recuperação total. Eu passei sete anos convivendo com Transtorno de Personalidade Borderline e Esquizofrenia. Nos meus dois piores anos eu fui internada 5 vezes seguidas na mesma clínica psiquiátrica. Os médicos diziam na minha frente, para as enfermeiras, que eu era um caso perdido, eles achavam que eu não conseguia ouvi-los de tão severas que eram minhas crises. Eu ouvia vozes, eu via coisas, eu delirava, eu me auto-mutilava constantemente, tinha um padrão de comportamento extremamente perigoso para mim mesma, eu me odiava de um modo que não parece ser possível. Eu simplesmente não suportava viver de modo nenhum sendo eu mesma, em meu corpo. Eu fui amarrada, controlada, medicada de todas as formas possíveis. Eu tomava doses tão fortes de tantos tipos de remédios que as vezes era difícil se mexer, era difícil pensar, era difícil até controlar minha bexiga. E mesmo assim eu só piorava. Eu quase fui aposentada por invalidez. Ninguém acreditava que um dia eu poderia voltar a estudar, muito menos que eu poderia trabalhar, enfim, viver uma vida normal. Eu também não acreditava.
Não é um milagre eu estar aqui, fazendo tudo o que pessoas normais fazem. Quando você cai, todos te falam que você tem que parar de cair, dar a volta por cima e tudo mais, médicos tentam impedir que você continue caindo, a maioria dos psicólogos também, remédios fazem isso. Mas ninguém te diz que só é possível levantar depois que você terminou de cair. Como você vai simplesmente parar de cair e flutuar para a superfície magicamente? Ninguém faz isso. Você só levanta depois de chegar ao fim do poço. O caminho de volta é extremamente difícil, você tem que se agarrar as paredes, você se arranha, por vezes volta a cair, é um processo. E cada pessoa tem um jeito de fazer isso que é único e próprio.
Eu sabia que eu não ia parar de cair, eu sabia que eu não voltaria a superfície provavelmente de nenhum dos jeitos que eles estavam me dizendo. Então eu quis cair, eu quis chegar ao fim do poço. Achei que quando chegasse lá eu simplesmente iria morrer e isso seria ótimo, eu tentei suicídio algumas vezes, mas ainda faltava muito para cair. Quando eu parei de tomar todos os remédios eu estava muito mal, eu sentia que iria me perder para sempre, na verdade eu tinha certeza, mas eu não poderia viver da forma que eu estava vivendo. Talvez eu só quisesse piorar tanto a ponto de eu não ter mais nenhum resquício de consciência. A ponto de eu não ser mais uma pessoa. Não existia outra alternativa além de continuar caindo, eu não sabia o que iria acontecer, mas estava cansada de prolongar essa queda. Cansada de adiar o dia em que não restaria mais nada.
Eu parei de ir na psiquiatra, continuei com a terapia. Eu estava com uma nova terapeuta, ela era diferente. Ela não tinha medo. De mim ou do que eu poderia fazer comigo mesma. Ela não ameaçava me internar, não importava o que eu fizesse ou dissesse. Ela não ligava para quais remédios eu estava tomando ou quais eram as doses exatas e se os remédios estavam me controlando o bastante. Ela me ouvia. Não simplesmente ouvir, como os outros fazia, procurando sintomas e formas de lidar melhor com eles como se fosse uma dor de cabeça ou enjoo, que você pode lidar com formulas prontas. Ela queria me entender. Ela queria entender o que eu queria dizer ao fazer isso ou aquilo, ao sentir isso ou aquilo, o que meus "sintomas" queriam dizer. Eu aprendi que sintomas aparecem quando não conseguimos colocar as questões em palavras, nem mesmo para nós mesmos. Sintomas são nosso jeito de falar algo que não podemos dizer. São nossa estratégia de sobrevivência. O jeito que nossa mente encontrou de lidar com algo que não seguimos lidar.
Eu cheguei ao fim do poço. Ela não se assustava comigo, eu estava acostumada a deixar médicos e psicólogos assustados com meu estado. Ela nunca se assustou. Nunca demonstrou que eu poderia acabar com minha vida se fosse deixada um minuto sem supervisão. E isso foi extremamente importante. Eu entendi que se eu melhorasse, seria pelo meu próprio esforço, seria minha luta e não dela.
Eu estou a mais de três meses sem nenhum remédio. Não voltei mais a nenhum psiquiatra. Não sei dizer se eu não tenho mais nenhum transtorno psiquiátrico, para mim pouco importa como a medicina olha para meu caso. Eu não sou feliz o tempo todo, eu não tenho uma vida ótima e sem problemas, eu não sei ainda lidar com todos meus problemas. Mas isso não me desespera mais. Eu não entro em pânico mais quando eu fico mal, eu não entro em uma espiral de desespero que se auto-alimenta sem parar. Porque não existe nada de errado em ficar mal, não existe nada errado em chorar compulsivamente, não é uma doença. Nós precisamos sentir tudo o que precisamos sentir, não importa o quão terrível seja, para que possamos melhorar. Porque essa é a forma que nossa mente lida com coisas difíceis, traumáticas, aterrorizantes. Não devemos ter medo de sentir ou achar que não é normal sentir o que sentimos da forma que sentimos. Só nós sabemos pelo que passamos, só nós sabemos como e o que nós temos que sentir para suportar ou superar.
Não estou falando que você não deve tomar remédios, não estou falando que você deve fazer o que eu fiz. Não existe formula pronta e essa é a chave. Sua mente sabe o que fazer para passar por aquilo, ela já está tentando.
Não deixe que ninguém diga o que você deve fazer ou o que você deve sentir, ou como você deve sentir. Não tenha medo do descontrole.
Existe uma pesquisa que durou 20 anos com pacientes esquizofrenicos. 30 a 40% deles se recusavam a tomar remédios psiquiátricos, a absoluta maioria deles se recuperaram. Dos que tomavam remédios, só 5% teve alguma melhora.
Mas isso nenhum médico te fala. Nenhum médico quer que você acredite que existem outras formas de se lidar com o que você está passando. Eu ouvi inúmeras vezes, incontáveis vezes, que se eu parasse com os remédios eu não sobreviveria, eu não só não me recuperaria, mas pioraria absurdamente, teria que viver internada, enfim, isso se eu não me matasse, ou perdesse o movimento dos braços de tanto me automutilar. Acho que eu não preciso dizer que existe uma industria farmacêutica enorme por trás, entregando amostras grátis de drogas para psiquiatras para que eles façam seus pacientes experimentarem, ficarem dependentes, e quanto mais receitas eles dão mais esses médicos viajam, vão em congressos na Europa, ganham prêmios, etc.
É muito mais lucrativo dizer que o problema está na química do cérebro e que aquela pessoa tem uma doença como a diabetes, que precisa de remédios todo santo dia pro resto da vida.
Para aqueles que têm doenças psiquiátricas eu queria reforçar mais uma vez que não estou dizendo para pararem os remédios, só quero dizer que existem outras formas, o perigo está em não tentar nada. Para aqueles que não têm queria dizer para pararem de impor que devemos tomar remédios pro resto da vida, parem de nos ver como se nós não fossemos normais. Cada pessoa lida com as coisas de uma forma, respeite a nossa.
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