"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

domingo, 28 de julho de 2013

É o jeito de se ver as coisas



As coisas mudam um pouco quando você escuta um doente mental gritando por sua vida. Eu quero viver, eu quero viver, por favor, me deixe viver. Acho que as coisas mudam quando você escuta qualquer pessoa implorando por isso. Faz você se sentir meio idiota por desejar tanto a morte, faz você querer trocar de lugar com aquela pessoa, faz você se sentir culpado por ter tanta sorte... que se torna azar. E o que nós podemos fazer? Sinto vontade de estender meus braços e dizer: Me prendam no lugar dele, me amarrem nessa maldita maca mas deixem ele em paz, me apliquem todas essas injeções, sintam raiva de mim, não dele... Não aguento ouvir esse choro, esses gritos, não aguento. Levo minhas mãos aos meus ouvidos e grito junto, tenho que gritar junto se não vou acabar enlouquecendo do mesmo jeito. E eu não quero enlouquecer, não quero perder o controle de novo, não quero levar mais 10, 20, 60 pontos nos meus braços, não quero... Não quero que as pessoas me olhem com pena, não quero que passem a mão na minha cabeça e me chamem de menina, criança. Eles não entendem, eu sou um monstro, escondido atrás desse rostinho redondo, eu sou um monstro e ninguém vê. Só eu consigo enxergar o monstro horrível que mora dentro de mim. Como eu posso amar a mim mesma com uma coisa dessas aqui dentro? É impossível.

Mas as pessoas insistem. Ame a si mesmo, antes do que qualquer coisa, ame o que você é, ame até a sua doença, porque ela faz parte de você. Eu não consigo, a cada minuto que me esforço tentando ver algo de positivo dentro de mim, eu escuto a risada do meu Monstro dentro da minha mente. Você é isso, você é aquilo, ele me aponta seu dedo nojento. E eu concordo com ele. Eu sou patética. Quero chorar toda vez que me olho no espelho e toda vez que me olho no espelho, procuro no reflexo dos meus olhos o monstro que vive dentro de mim. Às vezes eu vejo, às vezes não. Ele é de lua, só aparecer quando quer, nos piores momentos. Tem um ótimo time, um ótimo senso de humor macabro e sádico. Esses dias internada pela terceira vez na clínica foram os piores. Fazia tempo que eu não me sentia tão sozinha, fazia tempo que eu não chorava tanto e tão descontroladamente, fazia tempo que um amigo meu não me traia tão descaradamente. Fazia tempo. O mundo desabou. Ninguém percebeu mas para mim o mundo acabou.

E no fim continua existindo. Eu continuo existindo, meu monstro continua existindo. E eu sei, ah eu sei, que essa não foi a última vez que eu vou chorar e sangrar por alguém. Você, traidora, não é a única, infelizmente ou felizmente, não sei de mais nada.

sábado, 27 de julho de 2013

Abaixo assinado a favor da liberação da medicação de alto custo



Pessoal, minha clínica está fazendo um abaixo assinado para que o governo libere a medicação de alto custo gratuita para todos os doentes mentais que necessitem da mesma. Por favor nos ajudem a conquistar esse direito!

Abaixo assinado a favor da liberação da medicação de alto custo para doenças psiquiátricas

Esta petição visa que os medicamentos de alto custo, que se fazem necessários a tantas doenças psiquiátricas, sejam custeados pelo governo.

A realidade que se coloca na saúde mental, hoje, é a de que apenas pacientes com o diagnóstico de esquizofrenia (CID F20) tem o direito a receber gratuitamente medicação de preço elevado. No entanto estes mesmos medicamentos são de essencial importância ao tratamento de outros diagnósticos psiquiátricos. Sendo assim, pessoas que precisam dessas medicações acabam com duas opções: gastar um valor elevado na medicação ou, então contar com a adaptação a um remédio de menor valor e menor eficácia.

Aqui assinamos para que haja uma terceira alternativa: a de que todos aqueles que necessitam, tenham acesso à melhor medicação disponível no mercado e que para isso o Estado custeie este acesso, cumprindo seu dever de garantir saúde a todos os seus cidadãos.

Obrigada.
Página no face: https://www.facebook.com/pages/Direitos-na-Saúde-Mental/186232664876619?ref=ts&fref=ts
Link da petição: http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2013N42455

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Quando e porque se internar



A clínica psiquiátrica se constitui como um universo a parte. Quando você é internado é como se alguém tivesse apertado o pause na sua vida e te jogado para outra dimensão. Falando assim até parece ser uma boa ideia para quem está querendo fugir do mundo por exemplo, mas como tudo na vida, ser internado em uma clínica tem seus prós e contras.

Vamos ao lado bom. Por que uma pessoa é internada? Essa é fácil. Porque ela se tornou um perigo para si mesma ou para a sociedade. Esse é o único motivo justificável para prender uma pessoa entre quatro paredes. A internação protege o indivíduo dele mesmo e, caso ele seja agressivo, protege o mundo contra essa pessoa. O universo da clínica gira ao redor do paciente e todos os profissionais estão lá para recuperá-lo e tornar a vida do mesmo melhor. É um lugar onde você está supostamente seguro e deveria se sentir assim. Lá a única coisa que importa é a sua doença e como você vai aprender a lidar com ela para ser reinserido na sociedade.

Pois bem. Por que, então, tanta gente é contra a internação? Isso já é um pouco mais complicado. O universo da internação não é o universo real, é algo construído para proteger pessoas problemáticas. A função da clínica é recuperar o doente para que ele volte a ter uma vida normal, ou tão normal quanto seja possível. O problema é que algumas pessoas acabam se viciando nesse ambiente. Elas começam a negar o mundo real e passam a buscar a doença como desculpa para se manterem internadas. Não é muito difícil entender porque elas fazem isso. Viver dentro de uma clínica psiquiátrica significa não ter liberdade, mas também significa não ter responsabilidades, não precisar lidar com os problemas do dia-a-dia fora dali e significa nunca se ver sozinho e sem apoio. É um pouco assustador ver que muita gente prefere renunciar sua liberdade ao invés de enfrentar seus problemas, mas acontece bastante. Outro lado negativo em uma internação é a convivência, ou seja, o fato de ter um bando de louco vivendo trancado no mesmo lugar. Não é raro observarmos o efeito bola de neve ali dentro. Uma pessoa surta e acaba levando a clínica inteira junto. É preciso tomar cuidado para ao invés de sair melhor, não sair com mais problemas ainda.

Tudo isso sem contar os detalhes de como é o dia-a-dia trancado em um lugar como este. Estar internado significa ter horário para tudo, liberdade para nada e privacidade como artigo de luxo. Significa ser vigiado 24 horas por dia, 7 dias por semana. Significa estar longe das pessoas que te amam e ter como único meio de comunicação com o mundo lá fora um telefone público que mal funciona. Estar internado significa ser amarrado em uma cama e ser dopado quando a única coisa que você queria era um abraço, significa passar dias e noites ouvindo os gritos das pessoas que estão piores do que você. Significa perceber que eles te tiraram tudo... Absolutamente tudo, porque você não tinha mais capacidade de fazer suas próprias escolhas. Ser internado é como voltar ao útero da sua mãe depois de experimentar a maravilhosa liberdade do mundo lá fora. No começo pode parecer quente e seguro, mas com o tempo você percebe que aquilo não passa de uma prisão sufocante.

Eu não sou contra a internação, tanto que já fui internada duas vezes, mas acredito que seja uma ferramenta para casos bem específicos e extremos. Ser internado não é como tirar férias, está há anos luz de distância disso. Não se engane e nunca se acomode.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Esquizofrenia e despersonalização



É engraçado como o mundo às vezes parece tão real, tão concreto e seguro... E como isso se desfaz em segundos para dar lugar a um lugar instável, irreal e impalpável. E tudo o que é certo se torna incerto, e tudo o que eu sei ou aprendi se torna relativo. É engraçado olhar o universo pelos meus olhos, costumava ser assustador, mas na verdade é engraçado se você olhar bem. É engraçado quando coisas que não deveriam se mexer se mexem, é engraçado quando o sólido se torna líquido e tudo a sua volta parece estar se desmanchando. Só não é engraçado quando isso dura tempo o suficiente para te deixar perdida e desnorteada, em um universo que deveria existir só nas páginas do livro Alice no País das Maravilhas. Só não é engraçado quando você precisa ver seu sangue escorrendo pelo seus braços para provar para você mesma que você continua viva em um mundo que realmente existe e não um mundo inventado pela sua cabeça. Mas na maioria das vezes eu posso sorrir para as coisas bizarras que meus olhos veem. Só não é engraçado quando o que eu estou vendo é um monstro que decididamente quer me matar, e isso é estranhamente assustador, apesar de eu desejar a morte como uma velha amiga, não tão secretamente assim.

A gente se acostuma com quase tudo, é assim com a loucura também. No começo cada crise de despersonalização, cada ilusão ou alucinação era muito notada por mim mesma e me causava um grande impacto, aos poucos meu coração parou de bater tão rápido quando algo estranho acontecia, aos poucos eu deixei de ser tão paranóica em relação a isso, aos poucos eu aprendi que por mais que o mundo se desfaça aos meus olhos, em algum lugar ele é seguro e concreto e vai voltar a ser desse jeito para mim também, mesmo que por pouco tempo. E esse pouco tempo ainda é melhor do que nada. A gente aprende. É tudo uma questão de não se desesperar, se você se desespera, o surto dura muito mais tempo, ou parece durar mais tempo, quase que infinitamente. Quando você respira, quando você encara sua alucinação de frente e sabe que aquilo é só um truque, uma peça pregada pelos seus olhos, tudo fica bem. Talvez esse "aprender" a lidar com a Esquizofrenia seja afeito dos remédios, finalmente funcionando, mas eu prefiro levar os créditos por isso para variar. Quem disse que eu não possa ter participação nessa imensa melhora afinal?

Eu ainda me sinto muito esquisita em grande parte dos meus dias, eu ainda tenho muitas sensações estranhas apesar delas terem diminuído bastante. Eu ainda me sinto morta às vezes e acredito que precise me cortar para voltar a me sentir viva, a tristeza ainda bate a porta, a paranóia e o medo também, ainda penso em me matar às vezes, aos meus olhos o mundo ainda se transforma de real para irreal em sua dança sem fim, mas posso dizer que de modo geral estou bem, pelo menos é como estou me vendo no momento. Nada é perfeito e eu sempre vou carregar algo de diferente comigo, durante minha vida inteira, mas enquanto eu tenha forças para carregar esse algo de diferente e saiba como lidar comigo mesma, tudo bem. Sabe... Tudo bem. Talvez eu tenha muito mais sorte do que eu imagine.



Eu não costumo acreditar em muitas coisas. Não costumo acreditar que um dia eu consiga melhorar mais do que como estou agora. Não acredito que minha doença tenha cura, não acredito que minha vida tenha um sentido ou propósito, ou que um dia eu consiga fazer algo grande ou útil com ela. Não acredito em milagres, ajuda divina ou o que quer que seja. Talvez um pouco na sorte. Não acredito que alguém possa me salvar ou que eu mesma o possa fazer. Não acredito em vida após a morte, segundas chances e reincarnações. Se acredito em deus? Nem sei quem é deus, como posso acreditar ou desacreditar? Não sou uma pessoa cheia de esperanças ou fé, por assim dizer. Por que eu sigo em frente então? Não faço a mínima ideia. Não sei para onde estou indo, não sei porque estou indo e se um dia eu chegar lá, provavelmente nem vou chegar a reconhecer que o fiz. Nada faz sentido. Não consigo acreditar em mim mesma e muito menos nas outras pessoas. Existe um muro que divide tudo o que eu sou da realidade e o mundo lá fora. Não consigo avançar, não consigo me sentir parte de algo, não consigo.

Minha falta de fé e positividade são como uma sentença na minha vida. Para se vencer é preciso acreditar na vitória, para, assim, lutar por ela. Se eu não acredito, não luto, não venço. Queria entender de onde as pessoas tiram essa fé ou esperança, como isso nasce dentro das pessoas, como é cultivada, como se multiplica. Não entendo nada disso. Não sei onde encontrar essas coisas. Sinto como se tivesse nascido defeituosa, sem a habilidade de ter algo para me impulsionar para frente. Penso que há tantas chances para algo dar errado que o fato de às vezes dar certo é como um milagre ou um golpe de extrema sorte. Olho para a vida das outras pessoas e tudo parece tão... Certo para elas. Tudo vai bem, todos os problemas podem ser resolvidos, nenhuma dor é tão insuportável que seja capaz de levar a pessoa a considerar o suicídio. Eles não são loucos ou depressivos, a realidade é concreta e imutável, viver é mais um presente do que um peso.

Para mim e os outros pacientes da clínica as coisas não são assim. Nós nos juntamos em roda e cantamos como todo mundo, caminhamos para cima e para baixo como todo mundo, comemos e dormimos, às vezes com certa dificuldade mas nos fazemos tudo o que as pessoas normais fazem. Mas falta algo, nada é leve ou simples. Viver é pesado, um fardo que nos vemos obrigados a carregar até não aguentarmos mais e decidirmos por um fim em tudo. E por tudo se mostrar tão difícil, não temos fé que um dia as coisas podem melhorar, que um dia podemos vencer. É como se estivéssemos jogando xadrez contra um profissional, nós sabemos que vamos perder, como podemos ter fé então? Não temos fé, não conseguimos acreditar em nada. Nós já perdemos.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Uma segunda chance




Meu coração acelera descompassado. Em minha mente, um turbilhão de pensamentos que ecoam sem fim, sem sentido. Aos meus olhos o mundo caminha em câmera lenta e eu sinto uma estranha vontade de dar risada, um riso nervoso, quase maníaco. Não me sinto eu mesma. Olá Monstro, comprimento-o sorrindo. Não existe dor, não há espaço para lágrimas... A única coisa que eu quero, friamente, é me destruir por inteira. Não sei de onde vêm essas sensações que interrompem minha vida, meu caminhar, meus pensamentos. Do mesmo jeito que vêm, se vão. A questão sempre é, quanto tempo vai durar dessa vez? Quanto tempo eu sou capaz de suportar? Às vezes acontece quando estou dentro de casa, "segura" e vigiada e então tudo bem, mas às vezes acontece quando estou sozinha no metrô e, deus me perdoe, como aqueles trilhos me atraem. E então passa. Continuo com meu sorriso vazio e me pergunto onde eu estarei da próxima vez que acontecer, quanto mais eu ainda vou conseguir sobreviver. É essa a sensação que eu tenho, como se minha vida pudesse acabar a qualquer momento, no próximo surto, bem ali na esquina. Não guardo muitas expectativas, tento só viver um dia de cada vez, aos trancos e barrancos. Gostaria de melhorar, gostaria de ter uma vida decente mas não importa o que eu faça, no fim eu sempre volto para meu canto e abraço minhas pernas como uma criança indefesa e inútil. E meus maiores companheiros são as lembranças do passado que me assombra.

Às vezes eu sou feliz, bem feliz, é verdade. Uma pena que esses momentos durem tão poucos e sejam tão facilmente apagados pelos momentos ruins. Por que o mal sempre tem mais peso do que o bom? Não me parece muito justo. Um único detalhe ruim é capaz de estragar um dia inteiro bom. Muitos detalhes ruins são capazes de estragar uma vida inteira que poderia ser boa. Pense positivo, as pessoas costumam dizer, poderia ser pior. As coisas sempre podem ser pior, mas isso não faz da minha situação atual uma coisa boa, não me alegra de jeito nenhum pensar desse jeito. Não entendo as pessoas, não entendo como elas sobrevivem. Onde arranjam tanta força, como conseguem superar qualquer problema sem pensar em se matar. Eu sou uma fraca, fraca e covarde, penso o tempo todo na morte, obsessivamente, como se essa fosse a única resposta para qualquer coisa. Não consigo eliminar isso da minha mente... Venho tentando há tanto tempo me sentir bem, venho falhando há tanto tempo... E quando as pessoas ainda falam que eu tenho a vida inteira pela frente, me vejo entrando em desespero. Não quero ter uma vida inteira pela frente disso, dessa maldita doença, desse sofrimento sem fim, sem lógica.

Não, não quero ter uma vida inteira pela frente, não essa vida pelo menos. Quero morrer e nascer de novo, em outro lugar, outro tempo, outras condições, outra história. As pessoas deveriam ter uma segunda chance, uma segunda chance para ser feliz, para reconstruir suas vidas. Uma segunda chance para acertar. Meu coração volta a acelerar. Minha mente se transforma em um furacão e eu me pergunto até quando eu vou continuar ganhando essas segundas chances.

sábado, 6 de julho de 2013

Efeitos colaterais



Suas mãos tremiam e ela mau consegue levar o cigarro aos lábios. Estava longe de parecer bem, sentei ao seu lado e me perguntei se eu poderia fazer algo. Ela nem parecia a pessoa que eu havia aconhecido a pouco mais de um mês atrás. Ela costumava ser tão segura de si, uma mentirosa nata, mandando em todo mundo, bagunçando o psicológico de todo mundo. Agora parecia só um tênue resquício de tudo aquilo, uma carcaça.

- Você está bem?

Ela me olha com os olhos mais tristes do universo e treme tanto que eu tenho vontade de ajudá-la a levar o maldito cigarro até seus lábios.

- Não deixe eles fazerem isso comigo Sabrina.

Essas terríveis frases jogadas sem contexto, que sempre abriam janelas enormes que me permitiam pensar em coisas cada vez mais horríveis. A verdade é que eu não podia fazer nada a respeito de coisa alguma. Encarei o chão envergonhada por ter perguntado qualquer coisa, por ter me aproximado, por ter ousado pensar que talvez, só talvez ela estivesse um pouquinho melhor em algum aspecto. Todo o ódio que eu alimentei por ela desde que a conheci desapareceu tão rápido quanto surgiu. Sinto pena dela, o sentimento mais nojento que alguém pode ter por outra pessoa. Também me sinto envergonhada por me sentir assim. A questão é que era horrível ver a decadência de alguém desse jeito, tão rápido, tão brutal... Enquanto você está se levantando, ver alguém bem do seu lado se atirando em um buraco mais fundo ainda.

- Eles não vão fazer nada com você.

Não faço ideia do que falar em uma situação dessas. Me sinto uma idiota. É claro que podem fazer de tudo para tornar a vida dela um inferno maior ainda. Se é que é possível. Me pergunto quantos remédios estão dando para ela, para ela estar tremendo tanto. Ela não consegue nem comer sozinha, deveria ser um crime fazer uma pessoa tão jovem se tornar tão dependente e frágil. Deveria ser um crime prender pessoas em clínicas e deixar que elas apodreçam ali. Deveria... Encosto minha mão em seu ombro por impulso. Gostaria de abraçá-la, gostaria de demonstrar de alguma forma que eu me importo. Ela se afasta assustada. Parece uma criança. Eu coro e retiro minha mão.

- Me desculpe... Eles não vão fazer nada com você, ok?

Falo novamente, tentando convencer mais a mim mesma do que a ela. Ninguém vai fazer mais nada com a gente.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Lembranças



Há coisas que eu não quero ser lembrada, já basta a tortura que minha mente me submete diariamente, não preciso de lembretes a mais. Feridas devem ser mexidas para cicatrizarem melhor, mas dói. Dói e eu reclamo como uma criança teimosa, não quero. Não quero. Estou com medo, desesperada. Me sinto acuada em um canto com todas essas perguntas e sugestões do que eu devo fazer. Há ainda muito da minha história para ser contada, mas eu não sei ao certo se eu a quero ver esclarecida. O que é pior? A dúvida de algo terrível ou a certeza do mesmo? Há uma barreira em minha mente que me impede de lembrar de muitas coisas, mas imagino que exista um bom motivo para essa barreira existir. Talvez eu ainda não esteja pronta para limpar essas feridas tão profundas e no entanto, não aguento mais sangrar. Não sei o que fazer. Gostaria de simplesmente esquecer, a medida que o tempo passa, naturalmente. Mas isso não me sai da cabeça. Fico repassando essas fotografias assustadoras em minha mente insistentemente, e para que? É como se eu estivesse socando a parede que me barra as lembranças, desejando de toda a alma simplesmente sair correndo para o mais longe possível.

Minha psicóloga disse que eu estou pronta, eu tenho minhas dúvidas. E mesmo se eu achasse que estou pronta e quisesse derrubar essa barreira, eu ainda assim não saberia como fazer isso. Já tentei, já soquei tantas vezes essa parede no desespero que essa dúvida me trás. Nesses momentos imagino que a certeza seja melhor do que a dúvida, afinal como eu posso esquecer ou superar algo que eu nem sei direito como aconteceu e se aconteceu do jeito que eu imagino ter acontecido. É tudo inconcreto de mais. Essa bagunça de lembranças despedaçadas e incompletas, martelando minha mente teimosamente. Minha única certeza é que existe algo de muito errado na dinâmica que foi minha vida inteira. Eu só não consiga enxergar muito claramente onde estão os erros, e talvez a verdade seja que eu nem quero enxergar. Mas eu sei que preciso, preciso encontrar todos os pedacinhos de lembranças fragmentadas, juntá-las todas e contar para mim mesma minha história. Esclarecer os fatos. Só assim conseguirei seguir em frente.

Falando até parece fácil.