"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Estou aqui. Vou te proteger.



O sofrimento... Correndo líquido pelas minhas veias, brotando pelos meus olhos, se solidificando em meu peito. Não consigo respirar. Meus olhos perdem o foco, somem no infinito. Meu corpo treme, minha mente em pedaços. Estou caindo, estou caindo. Quero gritar por ajuda mas as palavras morrem antes de chegarem em minha garganta. Não consigo respirar. Algo me segura por alguns momentos. Você me segura, me obriga a te olhar nos olhos. Fica comigo, você me diz. Me ajude, me ajude, eu quero dizer mas me calo mais do que nunca. Mesmo assim você me segura mais forte, como se me entendesse, como se pudesse ouvir meus pensamentos. Fique comigo, estou aqui, sou eu. Quero concordar com a cabeça, quero dizer que entendi e que vou ficar bem, mas a escuridão me puxa pelos pés e eu me perco de novo em meu pequeno inferno. Me ajude, me ajude. Tenho tanto medo. Sinto suas mãos me segurando, sua voz procurando por mim. Por favor, não me deixe aqui sozinha. Dói tanto.

Deus, por que você fez isso comigo? O que eu fiz para merecer tanto sofrimento? A vida inteira, Deus, eu esperei pelo dia em que eu não precisaria mais chorar e, no entanto, nada. Você nunca veio, ninguém nunca veio. Você se escondeu, covardemente, como todo mundo, você se omitiu. O que eu fiz de errado? O que tem de errado comigo? Por que comigo? Por que as pessoas são más? Por que fazem isso?

Eu não consigo parar de pensar nessas perguntas, constantemente. É duro viver com a verdade. Creio que estava melhor enquanto conseguia mentir para mim mesma. É uma pena que toda mentira tenha perna curta. Eu pensei que depois que parasse de mentir para mim mesma as coisas melhorariam, mas isso está demorando para acontecer. Sinto que quanto mais eu abro a boca disposta a contar meu passado, mais coisas impronunciáveis eu descubro sobre o mesmo. Quando olhei para o lixo escondido em minha mente pela primeira vez eu o achei horrível, porém, agora que eu realmente comecei a mexer no mesmo, percebi que ele é pior do que parece, percebi que havia muito mais sujeira enterrada ali do que podia imaginar.

Ouço sua voz distante. Meus olhos lentamente entram em foco e eu consigo te ver. Aqui, bem perto, preocupada. Quero dizer que te amo, mas minha voz ainda não sai. Simplesmente te abraço e desejo de todo meu ser que você me entenda, que todo o sentimento que tenho por você passe de minha pele para a sua e você consiga compreender. Estou aqui, estou aqui, vou te proteger.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Em paz um dia, quem sabe.



A irritação. A raiva. Sinto as lágrimas escorrendo pelo meu rosto e não há nada que eu possa fazer para impedi-las. Você não entende, ninguém entende. Droga, não consigo parar de chorar. Você diz que eu preciso fazer isso, que eu preciso fazer aquilo. Você não entende. Não consigo, não consigo. Sinto vontade de te bater até você desmaiar para você sentir um milésimo da dor que constantemente eu sinto em meu peito. Você fala que eu posso, que merda, vai se foder. Você deveria me ajudar, não falar esse monte de besteira, auto-ajuda barata para gente burra. Desculpa, eu não sou tão burra assim. Eu sei que não esta nada bem e que você não faz ideia do que está fazendo. Eu tomo toneladas de remédios e ainda assim não consigo passar uma semana sem surtar, as coisas não deveriam ser assim, deveriam? Você deveria me ajudar, você deveria me ajudar. Por que eu não estou bem? Por que eu simplesmente não consigo ficar bem? Pare com as desculpas, com as mentiras, com os conselhos infantis, eu não sou burra. Um dia eu vou conseguir ficar bem? Doutor, um dia eu realmente vou conseguir ficar bem?

Sinto um nó na garganta, as lágrimas nunca param de escorrer. Quero me machucar de novo, me sinto uma inútil, uma defeituosa, incapaz e incorrigível. É tão fácil tudo perder o sentido, o desespero tapar meus olhos e meus pés não encontrarem chão. Um dia as coisas vão ficar bem? Eu queria que não doesse tanto estar viva, eu queria... Eu queria tanta coisa. Ele me perguntou o que se passa na minha cabeça. O que me passa na minha cabeça? Muitas coisas. Uma voz constante me rebaixando, outra me repreendendo, outra falando como tudo vai dar errado de qualquer jeito, um choro constante, um grito mudo, medo. Um inferno. Eu pensei que você pudesse me tirar daqui, pensei que você pudesse me ajudar só mais um pouquinho, só mais uma vez, mas acho que me enganei. Como posso acreditar que posso melhorar se seus olhos me dizem que eu não tenho jeito? Como posso continuar me esforçando frente a uma desesperança tão grande?

Por alguns instantes hoje pensei ter me perdido. Pensei que tivesse desistido. Chorei, e chorei, bati minha cabeça na parede até sentir dor suficiente para me distrair do caos que é minha mente. Mas agora, ao som do violão da minha namorada e o calmante correndo em minhas veias, sinto uma certa paz. Quero que isso dure para sempre. Não quero levantar da cama amanhã e enfrentar os estresses do dia a dia, quero só um tempo para descansar, um tempo para esquecer tudo o que tanto me aflige. Só alguns segundos, poder fechar meus olhos e respirar fundo sem sentir dor nenhuma, os músculos do meu corpo finalmente relaxados e minha mente limpa de toda essa sujeira.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Um sonho idiota



Pensei em me tornar escritora. De novo. É um sonho muito antigo e idiota. Acho que começou a ser construído lá atrás, quando ganhei meu primeiro diário aos 7 anos de idade. Desde então escrevo. O que? Perguntei para a babá do meu irmão quando ela me deu meu primeiro diário. Qualquer coisa, ela me disse, o que você quiser, as coisas que acontecem com você, na escola, em casa, sua vida, tudo o que você quer contar mas não tem a quem. Olhei para aquele caderninho vermelho com um cadeado e me senti muito feliz, foi o melhor presente que eu já ganhei. Lembro que fiquei olhando para as páginas em branco sem saber direito o que fazer, então escrevi os presentes que havia ganhado naquele aniversário. Depois contei que tinha duas amigas na escola e que elas brigavam entre si e que eu não gostava disso. Até hoje escrevo diários, além desse blog que eu criei há dois anos atrás. Escrever se tornou parte do que eu sou, se tornou a forma de uma grande parte de mim se conectar com o mundo exterior. É por meio das palavras digitadas aqui ou escritas em uma folha em branco que minha alma quebradiça pode respirar. Sempre que sento em algum lugar e começo a escrever sinto que estou me encontrando com um velho amigo, alguém que sempre me ouve, alguém com quem eu posso falar sobre qualquer coisa, quantas vezes eu quiser e da forma que eu quiser. Posso me esconder atrás das palavras, posso me escancarar por meio delas, posso atirá-las contra o mundo ou em minha própria direção. Posso construir uma saída temporária do meu inferno, posso me afundar mais ainda. Meu universo gira em torno delas, eu dependo delas. Às vezes sinto que enquanto eu puder escrever eu vou suportar a vida, por mais que pense em desistir, por mais que às vezes até deseje desistir, quando escrevo me sinto viva, me sinto conectada à algum lugar, à alguma coisa.

Escritora... Por quê não? Eu amo escrever, mais do que qualquer atividade que eu já tenha feito na vida. Às vezes penso que minha história deveria ser contada, que eu deveria contar minha história. É uma pena que minha mente me pregue peças, que a realidade e os pesadelos se confundam e que muitas coisas sejam simplesmente impronunciáveis. Talvez por isso mesmo contar. Ou não. Talvez confundir meu leitor da mesma forma que minha mente me confunde, trazê-lo para meu universo particular e líquido, escuro e assustador. Fazê-lo sentir uma fração do que eu sinto.

Me arrepia ouvir alguém dizer que meus textos doem de ler, é exatamente isso que eu quero. Que as pessoas, ao me lerem, sangrem comigo, chorem ao meu lado, consigam me entender, viver um pouco na pele o que eu passo todo dia. É, eu poderia ser escritora. Isso me deixaria feliz... É um bom sonho para se correr atrás. Pena que eu sempre desisto dessas coisas, pena que me perco em meio de tanta dor e me esqueço que a vida pode ter um sentido, que sonhos existem e esperanças também. Pena que são tão poucas coisas que bastam para mim. Um dia meu amigo disse que tudo que eu toco quebra. Eu realmente me sinto assim, nada parece durar muito em minhas mãos. Pessoas, sentimentos, sonhos, esperanças, estabilidade, saúde... Mas eu devia parar de reclamar, as pessoas vivem me dizendo. "Pare de perder tempo reclamando e vá fazer algo para ficar melhor". Como se eu não passasse o tempo inteiro atrás desse "algo" para ficar melhor.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Minha luta, quanto mais penso em desistir.



Ela respirou fundo e me fez aquela pergunta de novo. Desistir ou lutar? Também respiro fundo, cansada.

Doutora, estou cansada... Quantas vezes você já me fez essa pergunta? Estou cansada. Doutora, eu nunca aprendo, eu nunca melhoro de verdade. Quando que essa tortura vai acabar? Quando que eu vou ficar bem? Não quero olhar para ela, não quero ouvir de novo tudo o que eu sei que ela vai falar. Sinto vontade de desistir, ameaço dizer que desisti. Ela tenta me animar, fala sobre o futuro, fala sobre sonhos que eu ainda posso realizar, fala de pequenas esperanças, fala que eu tenho capacidade. Sinto vontade de chorar, não sinto que eu vá melhorar. Há quanto tempo ela me diz isso? Por que eu sempre volto a piorar? E cada vez pior, cada vez pior... Sempre caindo, sempre caindo. Não aguento mais, quero dizer mas as palavras travam em minha garganta. Doutora, não tenho mais forças. Você vai insistir, eu vou concordar com você porque não sou boa com as palavras. Vou prometer que vou me esforçar, como sempre. Não vou desistir, pode deixar, vou procurar ajuda sim, quando precisar. Não vou comprar giletes, vou parar de mentir para você, vou parar de esconder coisas, vou parar de fazer mal para mim mesma.

É só que... Eu não consigo. Doutora, eu não consigo. Estou tentando, estou tentando. Estou cansada de não conseguir, estou cansada de perder para mim mesma. E você continua me dizendo que eu preciso me esforçar, se fosse tão simples assim... Se fosse tão simples assim eu não estaria onde estou. Há um tempo atrás eu tinha medo de ser internada, hoje em dia quando pioro eu quase imploro para o ser. Eu preciso que alguém segure minha mão quando eu estiver com uma gilete entre os dedos, preciso que alguém me controle, preciso disso. Não consigo sozinha, não adianta, não consigo. Minha psicóloga tenta me manter o mais independente possível, mas dia após dia eu reajo de forma pior frente a situação mais simples. Parece que pouco a pouco tudo foi se tornando cada vez mais difícil. Até as tarefas mais simples hoje exigem um tremendo esforço, entro em pânico só com a ideia de que preciso fazer alguma coisa, por mais simples que seja, como levantar de manhã, ir para a faculdade, cumprimentar alguém, etc.

O que eu posso fazer doutora? Estou tão cansada. Preciso de um tempo, preciso de um tempo de ser eu mesma. Não aguento ser eu mesma, não suporto tudo isso. Estou o tempo inteiro tensa, o tempo inteiro assustada e acuada. Tudo me estressa, tudo me machuca. Como eu posso suportar tudo isso? Dia após dia... Quando a única coisa que parece me aliviar de verdade é a lâmina em minha pele, um tiro na minha cabeça, uma corrida em direção a morte. Algo que faça a dor parar, para sempre. Uma solução. Preciso de uma solução, rápida, eficiente, permanente. Não aguento mais doutora. Você me diz com olhos tristes que minha vida vai ser sempre assim, que eu vou ter que sempre lutar, que nunca vai ser fácil. Não consigo aceitar que sou uma defeituosa, não consigo aceitar que minha vida vai ser sempre assim. Ela não pode ser sempre assim, se o for, não a quero viver. De jeito nenhum, eu nunca concordei com isso, eu nunca pedi por isso. Por favor doutora, me ajude, por favor. Me diga que existe uma solução, por favor, me diga que um dia eu vou ficar bem de verdade, que um dia eu vou ser normal, que um dia as coisas vão ser mais fáceis, que um dia que terei controle sobre minhas próprias mãos e mente. Por favor, preciso disso, preciso disso para querer viver. Preciso de uma esperança, uma que me convença, uma que seja falsa o bastante para me fazer sorrir. Só uma.

domingo, 17 de junho de 2012

Encontrar




Me sinto agitada e cansada, se é que é possível sentir as duas coisas ao mesmo tempo. Está um pouco difícil perceber o quão mal eu estou, mas sei que não estou bem. Posso perceber pelo jeito como minha psicóloga me trata e me olha, as coisas que diz e como diz, mas se eu me olhar no espelho não vou saber dizer o que meus olhos mostram, mal vou conseguir me reconhecer, não vou saber dizer porque estou fazendo as coisas que estou fazendo, porque de repente meus comportamentos compulsivos pioraram drasticamente, porque o mundo anda tão estranho, porque o choro anda tão fácil, porque me falta vontade de viver, de levantar da cama, de ter qualquer contato social. Por que? Não sei... Me sinto um pouco distante, um pouco perdida, não me sinto eu mesma, sinto como se assistisse um filme sem graça e que não me importasse com a protagonista (no caso eu) enchendo seus braços de cortes. É tudo muito longe, muito pequeno, muito sem importância. Não sei onde estou, em qual momento me perdi, me desliguei. Estou cansada só de pensar nisso. Fico irritada comigo mesma o tempo todo, com a protagonista desse filme idiota. Ela é uma retardada, burra, gorda e feia, odeio ela. Fecho os olhos às vezes quando estou no ônibus ou no metrô e me imagino em um lugar bem longe dali, onde não há pessoas nenhuma, um lugar aberto e livre, onde eu possa correr, correr para sempre. Um campo verde, flores, algo assim.

As pessoas me assustam, o contato me assusta. Nunca se sabe o que elas vão fazer, o que vão dizer, o que vão perguntar, todas elas me deixam terrivelmente nervosa. Sempre tenho a sensação que elas surgem do nada, falam muito rápido e se aproximam muito de mim. Fico me perguntando como eu pareço aos olhos delas, será que deixo transparecer o quão assustada estou? Ultimamente ando curiosa para saber como sou aos olhos dos outros, porque as pessoas me dizem muitas coisas que me incomodam... Dizem que eu pareço triste quando não percebo estar sentindo coisa alguma, dizem que eu sou extremamente fechada, que eu sou isso e aquilo, parece que algumas coisas eu demonstro demais e outras eu demonstro de menos e que nem sempre minha expressão facial condiz com meus estado de espírito interior. O que é bizarro, porque não é legal estar feliz e todo mundo ficar te falando que você parece triste, eu começo a ficar muito noiada com isso. Quero dizer, como assim triste? Por que eu pareço triste? Será que eu estou triste e não percebi? Eu estou triste? Eu sou triste? Será que minha cara sempre é triste? Não sei de nada, só estou um pouco cansada de mais. Outro dia dormi 20 horas seguidas, é meu record. E mesmo depois desse tempo todo na cama, ainda não tinha forças para levantar. É, talvez eu não esteja muito bem.

Talvez seja a época do ano, talvez seja a faculdade, talvez seja só eu sendo eu e a vida sendo a vida. Não sei. O que devo fazer? Eu quero um pouco de luz, quero uma pausa, quero um tempo para pensar, quero andar um pouco sem rumo, quero me encontrar por acaso em um lugar escuro, quero um abraço, quero ficar sozinha. O que devo fazer? Não, não, não gosto disso, não gosto daquilo. Sinto um aperto em meu peito. Não sei me defender, não acho que eu mereça ser defendida. Me sinto um pouco sozinha. Se eu me calar você vai conseguir me ouvir? Vai conseguir me entender? Vai mesmo assim me abraçar e dizer que está tudo bem? Falar me dói às vezes. Mas eu quero ser entendida, quero que alguém me entenda. De qualquer jeito continuo escrevendo, quase que compulsivamente, página atrás de página, em busca de não sei o quê. Um sentido, uma história, respostas. Sim! Respostas. Por que estou assim, por que sou assim, por que isso, por que aquilo. Um dia quero me encontrar de uma vez por todas, não me importo se isso vá me destruir, eu simplesmente preciso. Acho que todo mundo precisa.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Opostos e complementares



Eu olho para essa pessoa tão pequena e frágil e sinto um certo aperto no peito. Não sei se a amo ou se a odeio. Algo nela me irrita, algo nela me dá vontade de chorar. Quero abraçá-la, quero sufocá-la, não sei direito.  Acho que deveria protegê-la, mas adoro machucá-la, é um sentimento viciante de poder. O que posso fazer? Há uma certa beleza em seu olhar triste, cheio de ódio, profundo. Há uma certa monstruosidade na forma como ela sorri, um sorriso perfeito, uma infâmia frente a tanta tragédia. Vergonhoso. Ela foge de mim, ela se esconde, ela fala baixo, ela desvia os olhos, ela abaixa a cabeça e desliza silenciosamente pela casa tentando se fundir a parede e desaparecer para sempre. Uma linda garotinha. Adoraria destruí-la, adoraria protegê-la para sempre. Gosto de forçá-la a fazer coisas que não quer, é divertido, todo o conflito é divertido, o sofrimento, a dor, a confusão.

Lá está ela, crescendo, se tornando alguém diferente. No fundo tudo igual, sempre igual, a mesma criança assustada. Olá de novo, sou eu de novo. Me dói te ver, te dói me ver. É uma espécie de valsa terrível, amaldiçoada. Não deveríamos estar aqui. Você aí, eu aqui. Juntos para sempre, separados como nunca. Onde estou? Onde está? Aqui, bem aqui. Posso apunhalar seu coração, embaralhar seu cérebro, controlar suas mãos. Pobre criança, me deixe abraçá-la, me deixe protegê-la até não sobrar mais nada. Quem é você? Quem sou eu? Posso sentir seu sorriso queimando minha pele, escurecendo meus olhos. Uma perfeita garotinha saltitante, escondendo atrás de cada passo a tragédia de um universo inteiro, as lágrimas de uma geração, a tristeza do mundo. Ninguém importante, só continue e continue. Nada demais, só continue, vamos lá. Um pouco mais fundo, um pouco mais doído, um pouco mais de força, um pouco mais de sangue.  Tão frágil, tão frágil. Um caco de vidro sujo, uma tragédia a menos ou a mais, tanto faz.

Ninguém tem esse direito.



"Ninguém tem o direito de fazer com você o que bem entenderem."

Eu queria ter ouvido isso antes. Eu queria ter entendido isso antes. Sinto que agora não faz mais diferença, por mais que às vezes o choro ainda fuja do controle e eu me pegue balançando o corpo e soluçando, me perguntando porque eu nunca me defendi. Por que eu nunca me defendi? Por que eu nunca pedi ajuda? Por que eu nunca falei nada? Por que eu nunca falei não com um pouco mais de firmeza? Por que eu nunca gritei? Eu não sei. Eu nunca esperei que ninguém me salvasse, nem eu mesma. Acho que no fundo sempre acreditei que merecia tudo o que me dessem ou tirassem de mim. A injustiça é uma coisa difícil de se entender, principalmente para uma criança. Por que pessoas boas sofrem coisas ruins? Não conseguia entender. Para mim quem sofria coisas ruins eram as pessoas ruins, então eu deveria ser ruim. Certo? É o princípio de justiça que tanto me ensinavam na igreja: Cada um tem o que merece, as pessoas más pagam por seus erros e as boas são abençoadas. Eu nunca fui uma menina abençoada, ao contrário. Acho que era de se esperar que eu não questionasse ou me defendesse. Mas ainda assim, mesmo entendendo... Continuo me perguntando: Por quê? Por que comigo? Por que por tanto tempo sem que eu tivesse nenhuma reação?

Meu passado me persegue todos os dias. Eu deveria esquecer, deveria me concentrar no presente e parar de sofrer tanto com o que eu nunca vou poder mudar... Mas eu não consigo. Lá está ele, bem atrás de mim, me perseguindo aonde quer que eu vá, posso sentir sua presença pesada e escura, não consigo me concentrar no que vem a frente com algo tão horrível bem atrás de mim. Eu quero destruí-lo, quero me livrar dele de alguma forma, quero entendê-lo pedacinho por pedacinho até que tudo se torne tão claro que desapareça em meio à outras lembranças mais insignificantes. Não sei se isso é possível. Mas é inevitável virar para trás a cada passo para frente que eu dou. Às vezes sinto vontade de abandonar minha caminhada e simplesmente voltar, virar de costas e entrar em meio a essa escuridão toda, mergulhar de cabeça, se afundar de uma vez por toda na lama. Aquilo é parte de mim e quanto mais eu tento renegá-lo ou esqueçe-lo, mais ele parece me voltar a mente. Minha psicóloga diz que eu preciso fazer com que essas coisas percam a importância em minha mente, com que elas se tornem menores. Eu pergunto porquê. Falando, falando sobre elas.

Há um bolo em minha garganta e eu esqueço como se fala, as palavras morrem antes de chegarem em minha boca. Como posso dizer, como posso contar? Há coisas que não se dizem. Há coisas que ninguém quer ouvir. Se mesmo medindo minhas palavras e falando tudo entre máscaras e panos quentes eu assusto as pessoas, imagina se eu falasse tudo o que me vem a mente sem filtro nenhum. Ninguém suportaria ficar perto de mim, ninguém quer uma pessoa como eu por perto... Não desse jeito. Há coisas que não se dizem, não é simples assim. Não consigo falar, não posso falar, não quero falar. E no entanto a única coisa que eu falo o tempo todo é isso, seja pelos meus modos, minhas manias, minhas cicatrizes, minhas palavras digitadas aqui, é disso que eu estou falando o tempo todo, incansavelmente. E isso nunca se tornou menos pesado, menos dolorido ou o que quer que seja.... Será que um dia isso vai acontecer? Eu não sei... Há algumas coisas ainda tão frescas em minha mente. Será que um dia eu aprenderei a me defender? Eu não sei.

Um "eu te amo" basta, mas eu sou prolixa.



Pensei em falar que te amo, mas isso eu já falo todos os dias. Pensei em falar o quão importante você é para mim, mas isso você já sabe. Pensei em te encher de presentes e flores, me faltou um pouco de dinheiro e floristas. Pensei em te abraçar, isso eu também já faço sempre que te vejo. Pensei em sorrir, você gosta do meu sorriso, mas eu não preciso pensar para sorrir para você. Pensei em simplesmente segurar sua mão, pensei em te olhar nos olhos, em ficar em silêncio e esperar que algo em mim te diga tudo o que eu quero te dizer sem que eu precise abrir a boca. Como é difícil se expressar! Eu gostaria de te pegar pela mão, te sentar a meu lado em meu piano e tocar todas as músicas de amor do mundo. Gostaria de cantar, de cozinhar ao seu lado, de dormir sentindo o calor do seu corpo todos os dias e roubar seu travesseiro.

Eu seria feliz ao seu lado. Você sabe, você consegue ver, não consegue? Não que eu nunca mais vá chorar, não é isso, mas quando sua presença me envolve, a escuridão em minha alma recua, o céu clareia, e de repente o mundo é até bonito, de repente as coisas até podem dar certo. E quem se importa se somos só duas meninas? E quem se importa se não temos dinheiro, ou casa, ou trabalho, ou uma família que nos apoie? Quando seguro sua mão tudo parece tão certo, tão óbvio. E grito de ódio nenhum é capaz de destruir isso, olhar nenhum, julgamento nenhum. Nada importa, a não ser eu e você. Foi tão difícil chegar aqui, foram tantas lágrimas, tantas brigas, tantos desentendimentos e momentos de desespero, mas apesar de tudo, continuamos juntas, não importa quantas vezes caímos ao longo do caminho. Aos poucos os problemas e empecilhos que pareciam impedir nosso amor foram diminuindo e se tornando cada vez menos importantes. Eu te amo, você me ama, isso basta.

Pensei em te agradecer, por estar sempre a meu lado, mas agradecer não é o jeito certo de fazer isso. Afinal, agradecer faz parecer que isso é um favor que você está me fazendo, o que não é verdade. Eu queria mesmo é que você soubesse que, para mim, não existe ninguém no mundo como você e que nunca ninguém conseguiu se aproximar tanto de mim quanto você. Foi foi minha melhor amiga, meu amor, meu apoio, meu porto seguro, você é tudo para mim. Você sabe, todo mundo sabe. Não me importo nem um pouco de gritar para o mundo inteiro se for preciso. Não me importo nem um pouco em enfrentar sua família inteira, minha família inteira, deus e o diabo, que seja. Eu te amo, mais do que qualquer coisa no universo inteiro.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Um pouco tarde demais



Você está gorda, gorda demais. Você gosta de ser feia assim? Se você continuar gorda desse jeito nenhum moço vai querer casar com você. Você vai ficar sozinha para sempre que nem a fulana, é isso que você quer? Por que você não emagrece? Você está ridícula. Nossa! Que gorda. Gorda, gorda, gorda, gorda. Fecho os olhos tentando segurar as lágrimas, posso ouvir meu irmão rindo de mim, me perseguindo pela casa me chamando de gorda, posso ouvir as críticas de minha avó, posso ver seu olhar de desprezo, posso sentir as outras crianças puxando meu cabelo, me empurrando, rindo de mim. Deus, por que você me fez tão feia? Por que eu sou assim? Por que as coisas precisam ser assim? Fecho os olhos com força e tampo meus ouvidos tentando abafar as risadas ecoando em minha mente. Deus, eu me odeio tanto, tanto. Eu só queria morrer à vezes, fazer a dor parar. Deus, por que eu existo? Qual o objetivo dessa tortura toda? Eu me odeio tanto, tanto, tanto. Meu peito dói, minhas mãos tremem e eu sinto que meu mundo está despedaçando de novo, por favor, alguém me ajude, por favor, por favor, por favor. Tento não voltar para o passado mas é inútil, estou constantemente voltando aos meus 5 anos, 8, 10, 15 anos.

Pisco meus olhos com força tentando me concentrar na partitura em minha frente enquanto meus dedos erram pelo piano. Sinto o olhar acusador e exigente de minha avó em minhas costas. Tenho uns 13 anos nessa lembrança se não me engano, e uma grande dificuldade para me concentrar naquilo diante de meus olhos. Minha professora sempre sorri para mim e fala o quão inteligente eu sou, diz que eu tenho talento, que aprendo muito rápido... Mas ali, diante daqueles olhos, eu pareço uma retardada tentando tocar. Não consigo, não consigo, e a cada erro, menos eu consigo me concentrar e mais eu acabo errando. Minha avó suspira decepcionada interrompendo minha música, se é que aquilo podia se chamar música. Ela diz que eu sou horrível, que eu nunca vou ser como minha mãe, que eu nunca vou conseguir me tornar uma organista (como chamamos a pessoa que toca o órgão na minha igreja). Até essa idade eu sonhava em ser organista, depois desse dia não mais. Depois desse dia, tocar piano na presença de qualquer pessoa se tornou cada vez mais difícil. Minhas mãos não obedeciam mais meus comandos, não acompanhavam meus olhos, não seguiam a melodia. Eu nunca vou ser tão boa quanto minha mãe, eu nunca vou aprender a tocar direito, eu nunca vou ser boa o bastante. Soco as teclas do piano com raiva e frustração, nada o que eu faço é bom o bastante, nada é bom o bastante. Eu só queria que alguém se orgulhasse de mim, se orgulhasse do que eu faço.

Tenho 12, corro pelo apartamento tentando chegar a meu quarto antes que meu irmão me alcance, preciso me trancar ali dentro, preciso me proteger, ele vai me machucar, ele vai me machucar. Entro em meu quarto e tento fechar a porta atrás de mim, mas ele consegue impedir que eu a tranque colocando seu pé entre o vão. Ele ri, aquele riso maníaco ao ver meu desespero enquanto eu tento empurrar seu pé para fora do meu cubículo, estou tão assustada, tão assustada. Ele me xinga de gorda e feia, diz coisas horríveis. Se ele entrar eu sei que vai me encurralar e me bater só para me ver encolhida em um canto, só para me ver chorar. Por fim, depois de muito esforço, consigo empurrar seu pé e passar a chave rapidamente em minha porta. Meu irmão começa a socá-la, rindo mais alto ainda. Seu riso até hoje ecoa aqui dentro. O que eu fiz de errado para merecer isso? O que eu fiz de errado?

Tenho entre 8 e 10 anos de idade, as crianças mais velhas me cercam e me machucam, fazem coisas que não deveriam fazer. Quando finalmente me libertam eu saio correndo e chorando, por fim, percebendo que havia algo de errado em tudo o que eu passava, que aquilo não tinha como ser certo, tinha? Pela primeira vez chego chorando desesperadamente em casa. Minha mãe solta um simples "ignore" quando digo que as outras crianças riem de mim. Nunca mais contei nada que sofri para ela. Ignorar? Ignorar? Você ignora um joelho ralado, não uma alma sob tortura diariamente.

Me olho no espelho. Meu corpo é feio, meu rosto é feio, meus olhos fundos e cansados, em meus braços e pernas centenas de cicatrizes. Eu fui sozinha por muito tempo, ninguém nunca levou a sério meu sofrimento até que eu chegasse em meu limite, ninguém se preocupou comigo, com o que eu pudesse estar passando por, ninguém enxugou minhas lágrimas, ninguém me explicou que o que eu passava não era normal e que eu tinha o direito sim de ser feliz e respeitada como todo mundo, ninguém passou a mão em minha cabeça ou me abraçou quando eu mais precisei, ninguém ouviu o que eu tinha a dizer, ninguém imaginou que a dor que eu tinha aqui dentro era tão grande e profunda que se tornou incurável, irreversível, fatal. Em minha mente as pessoas continuam rindo de mim, continua me empurrando, me diminuindo, me abusando. É uma tortura constante. Onde estavam as pessoas que deveriam me proteger? As pessoas que deveriam estender a mão em minha direção e me ajudar a levantar? Onde elas estavam?

quarta-feira, 6 de junho de 2012

De onde eu vim, a que lugar pertenço.



Ele segurou minha mão com força, olhando bem fundo em meus olhos. Quem é você? É um pouco difícil manter esse olhar, fico repetindo em voz alta que está tudo bem, não sei ao certo se tentando convencer você ou eu mesma dessa mentira descarada. Não está nada bem, nunca está, está? Não sei. Quem é você? Me diga um pouco mais, me conte suas histórias dessa vez, me deixe te ouvir, me deixe entrar em sua alma. Quem é você? Você me ouviu como poucas pessoas o fizeram, assim, sem querer, sem esperar por isso, mas ouviu. Eu te disse tudo, te revelei tudo, você percebeu? Por trás de metaforas, por trás do verniz das palavras, do cuidado na construção das frases, esta sou eu, totalmente despida de mentiras, inteira e clara em minha escuridão quebradiça. Sua vez. É sua vez, me conte, me diga, converse comigo. Quero saber tudo, quero tudo. Não mude de assunto, não segure as lágrimas, não repreenda o que sente em prol de uma imagem. Quem é você? O que viveu? Por que você parece me entender? Por que tanta compreensão e tristeza? Por favor, me salve, me conte o que você sabe sobre isso, o que você viveu que eu te lembro tanto. Me de um filete de luz, uma esperança. O final é feliz? Ou é só mais uma tragédia? Há um universo inteiro por trás desse olhar, estou curiosa, me deixe entrar. Me diga que tudo vai ficar bem, que você já passou por isso e tem uma carta vital na manga. Estou sonhando muito alto, talvez. Mas por que não?

Desde o primeiro momento que te vi, desejei de toda a minha alma que você gostasse de mim, que me amasse de forma infantil e idiota. Você pode me adotar? Pode passar a mão em minha cabeça e dizer que tudo vai ficar bem? Eu nunca tive isso, sou uma adulta já e nunca tive a oportunidade de sentir a segurança que as crianças deveriam sentir. Me de um chão, por favor. Um lar para o qual eu posso voltar, um abraço, um beijo de boa noite... Tudo isso me faz uma falta extrema. Estudo as pessoas falando sobre suas famílias, sobre o quão são sortudas e feliz e sinto vontade de me matar. Eu não sei como é isso, não sinto isso, não recebi isso, algo deu terrivelmente errado no meio do caminho. Ou talvez desde o começo mesmo. Mas você me entende, não entende? Agora mesmo, em duas frases eu te revelei minha história inteira. Você parece entender, isso enxe meu coração de alegria e tristeza ao mesmo tempo. Olha... Eu te fiz chorar! Me desculpe, me desculpe, me desculpe. Eu só me sinto um pouco sozinha de mais, eu não me encaixo aqui nem em lugar nenhum, não me sinto bem, não me sinto parte de coisa alguma, não consigo me integrar, não consigo me apegar. Mas você é diferente, são poucas as pessoas que passaram na minha vida que foram realmente diferentes, mínimas as que eu realmente confio, geralmente eu sou só uma mentira ambulante, escondida atrás de sorrisos falsos e getilezas planejadas. Mas você é diferente. Você segurou minha mão e por mais que isso tenha me assustado (por que todo o contato físico me assusta em um primeiro momento), eu gostei, você não teve medo de se aproximar de mim, de perguntar se eu estava bem, se eu recebia a ajuda que minha condição necessitava.

Eu sorri triste em sua direção, nervosa. Estou bem professor, está tudo bem, está tudo bem. Não, não está tudo bem. Eu preciso tanto de ajuda... Não aguento mais, há muito tempo não aguento mais. Você pode me abraçar? Meu corpo vai, involuntariamente, se esquivar do seu, mas por favor não tome isso como uma rejeição da minha parte, é só meu instinto de preservação, meus medos e traumas. Eu gostaria de ter tido um adulto na minha vida como você. Eu gostaria de ter tido um pai de verdade. Eu gostaria de ter tido alguém em quem eu pudesse me espelhar, alguém que me desse tudo o que eu preciso. Eu gostaria de poder falar para a classe que tenho sorte e uma família perfeita como todo mundo, mas eu permaneço quieta em meu lugar. Esse discurso positivo me irritada, me machuca. É triste se comparar com as outras pessoas, com a vida que os outros levam, me sinto uma idiota, mais desencaixada do que nunca. Aqui não é o meu lugar. Nunca foi, nunca será.