"A vida é aquilo que você faz daquilo que te fizeram"

domingo, 28 de agosto de 2011

O garoto-garota


É noite, tarde da noite, mas mesmo assim o lugar por onde ele passa é muito movimentado. As pessoas andam em casais ou em grupos. Os casais dominam a região, os homens e as mulheres andam de mãos dadas como se isso fosse um escudo frente a crueldade dos grupos, homens afirmam sua masculinidade pelas pequenas que andam confiantes ao seu lado e elas se sentem protegida pelo homem que segura com força seus braços e mandam nelas como se fossem cachorros. Os grupos não mexem com os casais, os casais estão em um status mais alto que os solteiros. Os grupos são ou inteiramente formado de meninos ou inteiramente formado de meninas, obviamente os meninos mexem com as meninas da forma que eles bem entendem, entre as meninas é fácil reconhecer as fortes e as fracas, as fortes tão intocáveis, as fracas são seu oposto.

Ele não se encaixa em nenhuma das categorias. Ele não é um homem, muito menos é uma mulher, ele não é forte, nem fraco. Quando costumava ser mulher, era fraca, agora que decidiu ser homem, fingia ser forte. O garoto-menina andava sozinho, de cabeça baixa, tentando não chamar atenção na confusão suja e barulhenta que era aquele mundo. Ele tremia quando um grupo de garotos passava por ele, e quando era a vez das garotas, ele não sabia se desejava ser como elas ou se desejava possuí-las, talvez os dois, talvez nenhum dos dois.

Naquele caos, as pessoas jogavam cartas em mesas improvisadas de caixas, vendiam milho, pipoca, balas, doces, salgadinhos, produtos pirateados, drogas, mulheres, tudo. A menina-menino andava sozinha, sem saber ao certo porque existia, nem o que havia de errado com ela. Mas uma coisa ela tinha certeza, não se encaixava em nenhum dos grupos, não era uma garota, não era um garoto, não era nada. Talvez fosse tudo, mas no momento sentia que não era nada.

Por um milagre, ela passou pela zona de perigo e pela primeira vez ninguém a viu. Preferia não ser nada.

Palavras bonitas não curam, nem consertam, nem trazem de volta o que se perdeu


As pessoas sempre tem palavras bonitas para nos dar. Elas falam de esperança, falam que precisamos olhar as coisas de outra forma, que tudo vai dar certo. E você sorri, porque são palavras realmente bonitas, e chora, porque elas não se encaixam na sua vida.

É bom contar o que rasga seu peito para alguém, o que faz você desmanchar em lágrimas de repente. E por um momento você se sente bem colocando isso para fora, mas então... Esse seu locutor vai se levantar e seguir sua vida despreocupada, e seus monstros vão voltar para dentro de você. No fim é inútil. Todos dizem que faz bem falar, mas as vezes é difícil de acreditar. Eu falei, não tudo, não literalmente, não consigo sentar e contar minha história inteira, meus medos, meus traumas e tudo pelo que eu passei, não assim, como quem conta uma história qualquer... Mas está tudo em meus texto, tudo. Está tudo em meu olhar, em minha palavras entrecortadas, minhas atitudes, meus medos, minhas inseguranças.

E mesmo assim é como se ninguém visse, é como se não fosse importante. Já passou, já foi, não há nada para se fazer, não há nada para se falar, não tem jeito, nem solução, nem nada. E por mais que eu grite, as coisas nunca vão mudar, e por mais que eu me desdobre inteira, busque outras soluções, sorria e tente pensar das mais diversas formas, por mais que eu tente arrancar da minha mente, ignorar, seguir em frente, fingir que está tudo bem, correr, fugir ou o que quer que seja. As coisas nunca vão mudar.

As vezes


As vezes aqui dentro dói, uma dor esquisita, desesperadora, fica difícil respirar e sua cabeça não para de repetir sem parar. Tem algo de errado, tem algo de errado, tem algo de errado. O que está acontecendo, você encara seus pés e tenta não vomitar, o que está acontecendo? Ora... estava tudo tão bem, tão certo e agora isso. Por que? Me deixe em paz... Por favor... Por favor.

Esse maldito buraco... Quando eu estou muito feliz, eu sempre tenho a esperança de que ele não vai voltar. Mas ele sempre volta. Como é bom viver, como dói viver. As vezes, as vezes a morte me fascina, quando eu olho para os lados e nada faz sentido, todas essas pessoas, todas essas vidas apressadas, desperdiçadas, inúteis. E mesmo assim tão interessantes, as vezes quando alguém passa por mim, não consigo deixar de me perguntar quantas lágrimas essa pessoa já derramou, quantos traumas, quandas tragédias. Talvez nenhuma, é verdade, talvez todas.

Uma coisa interessante é observar a reação das pessoas quando olham meus braços multilados, algumas se afastam, desviam o olhar e fingem que não viram, outras não, outras não conseguem desviar o olhar, sobem pelos meus braços e me olham nos olhos, como se procurassem uma resposta. Uma vez uma menina olho para mim, levantou a manga discretamente e deixou a vista uma cicatriz próxima do pulso, só uma, mas mesmo assim uma cicatriz, desviei o olhar, como se tentasse dizer. Não, nós não somos iguais, apesar de eu te enteder, você não me entende. Sou bastante pretenciosa as vezes, nunca acredito que alguém possa me entender, nunca acredito que alguém possa sofrer como eu. Talvez mais, talvez muito mais, mas na maioria das vezes muito menos. Nunca exatamente como eu.

Eu julgo as pessoas duramente, mas não tanto quanto eu mesma me julgo. As vezes brinco, não preciso de um deus para me julgar e me castigar, eu mesma faço isso e muito bem alias. Ah... e essa solidão... Meu pequeno inferno particular que ninguém mais tem acesso. Se alguém tivesse idéia, se alguém tivesse a mais tenra idéia da aparência da minha alma, as pessoas não me achariam bonita, nem conversariam comigo ou iriam querer ser minha amiga, muito menos me ajudar. Mas as pessoas querem me ajudar, elas não sabem como eu sou, mas gostam de me ajudar...

É louvável, mas provavelmente nunca vai adiantar. Eu só não sou um caso perdido porque sou muito teimosa, porque as vezes o sol brilha, porque de vezes em quando alguém me abraça, alguém me escuta. Só por isso.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Tudo ou nada.


Que me internem, que tirem minha vida de mim, que me interrompam, que me amarrem! Não vou deixar de viver por isso, eu me recuso. Eu me recuso a fugir das fortes emoções, me recuso a me entregar pela metade, me recuso a andar com cuidado, a viver em cima do muro, a derrubar uma lágrima ou só dar um meio sorriso, não! Não... Quero viver por completo, quero chorar até cair no sono com os olhos ardendo, quero rir até perder o ar, quero amar muito mais do que cabe em meu coração e odiar mais que um assassino. Quero minhas contradições, minha instabilidade, minha irrelevância, minha impaciência e hiperatividade, quero minha inquietude, minha genialidade esquizofrênica, minha burrice depressiva, minha irritação. Quero responder ao mundo do meu jeito, como eu sou, como eu penso, como eu sinto. Isso sou eu, eu por completo, despedaçada, sou eu, eu! Me deixe ser como eu sou, me deixe viver e me destruir, me deixe.

Rápido! Rápido! Me traga o mundo, enquanto isso dura, enquanto essa alegria e desejo de quebrar todas as leis e barreiras estão aqui, rápido! Me deixe abraçá-lo por inteiro, me deixe conquistar todos os meus sonhos. Rápido! Vai passar, daqui a pouco vai passar e eu terei perdido, meu monstro logo vem. Enquanto isso dura. Rápido! Rápido!

Já passou.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

A muleta


Ter uma muleta quando não precisamos nos atraza, nos infantiliza, nos torna preguiçosos e fracos. Uma muleta serve para quando você está machucado e não pode andar sozinho, mas a partir do momento que você se cura, a partir do momento que você cresce e tem todas as condições para se virar sozinho, ter uma moleta se torna extremamente perigoso. Está aí o pecado das pessoas que sempre foram apoiadas, estimuladas e protegidas por outras. Elas se tornam fracas, pensam que não conseguem seguir em frente sem toda ajuda do mundo, quando podem, elas se escondem, fogem, enganam a si mesmas dizendo que fazem de tudo para melhorar, quando não fazem. Elas culpam os outros pelos seus fracassos, reclamam, choram, esperneiam e não saem nunca do lugar.

É um um erro não deixar que uma criança se machuque e sinta as consequencias de seus atos, tanto quanto é um erro largá-la em um ligar perigoso. É um erro esperar que ela cresça e se torne independente dentro de seu quarto cheio de brinquedos. É um erro impedir que briguem com ela, que seus coleguinhas a provoquem ou o que quer que seja, assim como é um erro ignorar que isso acontece caso aconteça todos os dias (o que se chama bullying, nome erroneamente atribuido a qualquer provocação ou ofença que alguém possa sofrer de vez em nunca). O problema das pessoas é sua incapacidade de medir as coisas, é muito comum os pais ou serem uma coisa ou serem seu oposto, é dificil achar pais que conseguem ser equilibrados e educarem seus filhos de forma saudável.

Eles não conseguem. Mas apesar de tudo, normalmente chega uma hora na vida de tudo mundo que a pessoa se vê obrigada a crescer. E ela cresce. E então não importa tanto como seus pais foram ou te trataram, mas o que você consegue fazer com o que eles te fizeram (frase que eu sempre digo, alias). Não adianta jogar a culpa nos ombros dos outros, não adianta ficar parada e esperar que os outros mudem para você, não adianta esperar que tudo caia na sua mão, não adianta esperar que os outros sejam bons e te entendam, não adianta esperar que tenham paciência, que vão te dar uma chance, que tudo vai dar certo simplesmente por dar certo. Não adianta.

Nada vai mudar se você não mudar. Absolutamente nada. Enquanto você não entender e admitir que não precisa de muleta nenhuma, você nunca vai crescer, vai sempre andar em círculos, sempre se auto-sabotando, sempre se enganando, acreditando em coisas que não existem, sonhando com uma vida que você não tem nem nunca vai ter, esperando que o mundo vire ao seu favor enquanto você permanece imóvel. Você não precisa de uma muleta, você não precisa de ajuda, você não precisa que te estendam a mão, tenham pena de você ou enxuguem suas lágrimas. Você tem tudo para crescer, tudo para dar certo, absolutamente tudo... Mas você não se mexe, porque ainda não consegue ver que o mundo não gira ao seu favor. Por mais que diga que entende, não entende. Você só vai entender quando começar a mudar.

Quem me dera ter tudo para dar certo, quem me dera não precisar nunca de ajuda, quem me dera poder caminhar sozinha, quem me dera... Mas quem sempre teve tudo não percebe o quanto está disperdiçando.

Há um pecado horrível no ter de mais e ter de menos, não importa o que seja.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Preciso de férias


Então eu acho que ela não me ama mais, assim, de repente, sem motivo nenhum. Então eu acho que sou feia, acho não, tenho certeza. Acho que estou gorda, que sou ridícula, que sou pequena de mais para ser levada a sério. Então, de repente, tudo está errado. Absolutamente tudo. Eu não vou conseguir, não vou chegar a lugar nenhum, todos vão me abandonar, eu não vou conseguir! Eu não vou conseguir e não vou conseguir.

Não vou conseguir seguir em frente, não vou conseguir passar na faculdade, não vou conseguir manter nenhum amigo, não vou conseguir manter meu namoro (que nem é namoro), não vou conseguir ser feliz, não vou conseguir superar nada, não vou conseguir manter minha mente no lugar, não vou conseguir. Eu entro no consultório do meu psiquiatra tremendo as vezes, eles vão me internar, eles vão me internar, eles vão me internar. Não sei o que falar, não sei como falar, não sei como parecer o mais normal possível. Não sei como falar meus problemas, não sei como contar para ele o quanto tudo está errado, não sei... Tenho medo. Quero ajuda, preciso de ajuda... E não quero. Estou cansada de tomar cada vez mais remédios... Dessa vez são as alucinações, da próxima o humor desproporcional, da próxima a angustia, da próxima a automutilação, da próxima o pânico, da próxima a intolerância e a agressividade, da próxima a síndrome de perseguição, da próxima a baixíssima autoestima, da próxima pensamentos acelerados e confusos, da próxima a ansiedade, da próxima, da próxima, da próxima. Tudo isso junto e misturado e eu a muito tempo eu perdi as rédeas da minha vida.

Vivo um dia atrás do outro e tomei para mim essa filosofia. Viva um dia depois do outro. Cada conquista para mim, que muitos considerariam idiota, é uma grande vitória. Eu não chorei quando ela foi embora! Eu consegui responder aquele comentário maldoso! Eu fiquei triste mas não me cortei! Eu estou conseguindo me concentrar! Eu estou a três dias sem chorar! Meu monstro está bem quietinho esses dias! Estou conseguindo me controlar!

Mas depois de um tempo... Essa filosofia cansa... Estou vivendo um dia atrás do outro porque? Por que eu acordo toda a manhã? Por que me esforço tanto? É difícil pensar nas respostas as vezes... As vezes eu me sinto tão sozinha. Do nada. É difícil pensar, me sinto terrivelmente tentada a deixar meu corpo cair nesse abismo para sempre... Eu estou tão cansada, estou sempre tão cansada... Não da faculdade, não disso ou daquilo, mas de viver... Viver dói e me da um trabalho do inferno.

Estou cansada de pedir desculpas, de pedir por mais uma chance, de implorar por mais uma chance... De correr... De tentar ser sempre o melhor possível.

Todas as outras pessoas podem ter o capricho de não darem sempre o melhor de si... Todas as outras pessoas podem acordar de mau humor... Podem ser chatas e grossas. Eu não. Eu não posso me dar ao luxo a essas coisas... Porque se eu ceder um instante que for é capaz de eu entrar em um circulo sem fim... As pessoas vão me abandonar. Eu tenho certeza que vão. Ninguém nunca vai ser louco de ficar ao lado de uma borderline que não luta todos os dias. Obviamente, é compreensivo. Eu entendo muito bem o porque não. Mas não posso deixar de me sentir cansada.

Eu quero ter a chance de não ser eu... Pelo menos por um dia. Eu quero férias de mim mesma.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O próximo ato. - Sobre o medo, a dor e a falta de um chão


Eu falo insistentemente sobre a dor, tentando arrancá-la de alguma forma de dentro do meu ser. Eu escrevo sobre ela, eu a desenho em rabiscos, eu pinto, risco-a em meus braços, derrubo lágrimas em seu nome e me torno subitamente agressiva. E no entanto ela parece estar gravada a fogo em minha alma. Sou pega de surpresa por um aperto insuportável no peito, o qual eu estou tão acostumada, não importa aonde, não importa qual a situação ou pessoa envolvida.

É desesperador sentir uma dor sem saber o motivo concreto que a desencadeou. Faz sentido você ficar triste ou chateada porque brigou com alguém ou porque alguém lhe disse algo que você não gostou... Não faz sentido sentir vontade de chorar no meio de uma conversa animada entre suas amigas. Isso me irrita. Meus pensamentos andam confusos, repetitivos e circulares. O que está me mantendo na linha são os estudos... Poder e dever estudar é realmente uma bênção, não tem coisa melhor capaz de deixar nossas mentes ocupadas e produtivas, é um ótimo remédio. O problema é que você tem que parar uma hora e então seus problemas vão voltar... Mas enfim.

Minha mente é um caos. Eu posso ser totalmente incapaz de manter um único pensamento racional, parece que de repente tudo o que eu aprendi e fui treinada na minha psicóloga é roubado de mim e eu me torno algo como uma criança burra, chorando frente a qualquer problema mínimo sem saber o que fazer (e minha psicóloga, mais paciente que uma santa, me explica tuuuudo de novo, me ensina tuuudo de novo). E no outro instante eu posso ser o oposto, racional e controlada, perfeitamente adequada e capaz de enfrentar várias situações. Inegavelmente eu ando em uma corda bamba e não importa o quão bom seja meu dia, eu sempre me sinto terrivelmente insegura. Sinto como se minha vida não estivesse em minhas mãos, como se eu fosse um fantoche da minha doença e vivesse com um medo insuportável do próximo ato.

Me falta chão, o concreto, o palpável. Algo em que eu possa me segurar e sentir que estou realmente segura para sempre e que nada vai abalar meu universo. Nunca mais.

E não existe nada no mundo capaz de me dar isso.

sábado, 13 de agosto de 2011

A bolha (Não há moral da história)


Era uma vez uma menininha que construiu uma parede de água e sabão a sua volta, como uma bolha. Ela era muito, muito feliz as vezes, sorria e pulava como as outras crianças e quem não prestasse muita atenção não reparava na bolha, que a tornava intocável. Ela tentava agir como se fosse normal, mas sabia que a bolha a fazia diferente. Aos poucos as pessoas foram percebendo que havia algo de errado com ela, quando a bolha se tornava turva e ninguém conseguia ver o que se passava lá dentro, quando ela temia a aproximação física das pessoas, quando sentava sozinha no sol e o reflexo da luz fazia tudo ficar colorido e ela não sorria. Quando se isolava cada vez mais e seus olhos se tornavam cada vez mais escuros e profundos. Havia algo de errado.

A bolha, quando ela era pequena, era bonita e transparente, mas a medida que a menina foi crescendo e se tornando cada vez mais sozinha, foi escurecendo e ficando opaca. Até que se tornou impossível que o mundo a visse e que ela visse o mundo. As poucas pessoas que sabiam que a garota existia se perguntavam porque ela não rompia a bolha, porque havia construído isso a sua volta e porque não deixava que ninguém a tirasse daqui, parecia estupidez, parecia suicídio. Mas ela ouvia tudo isso que as pessoas diziam como se estivessem bem distantes e ignorava, ela abraçava suas próprias pernas e sorria. As pessoas não entediam que o fato dela não se sentir normal não era porque havia construído uma bolha a sua volta, não entendiam que construir a bolha havia sido a saída que ela havia encontrado para se sentir segura e que se a consequência disso fosse ela viver sozinha para sempre e morrer assim, ela não se importava... Porque não conseguia enfrentar a vida sem isso, porque não tinha coragem nem vontade para fazer diferente, porque a vida que conhecia lá fora era ruim de mais para que ela acreditasse que estaria mais feliz fora da bolha.

Era uma vez uma menininha que construiu uma bolha a sua volta. E viveu sozinha para sempre, inventando uma vida de faz de conta para não enlouquecer. Ela sempre sorriu bastante, sempre chorou muito e possui o olhar mais profundo e pesado que eu conheço. Ela vai morrer, sufocada com seu próprio ar e ninguém vai ver. Mas ela está feliz, ninguém a está vendo porque não há como a ver... O que é melhor que do não ser vista mesmo podendo ser vista. Ela está feliz porque agora as pessoas podem dizer indiferentes que não são culpadas pela tragédia que se tornou sua vida, as pessoas podem viver como se ela nunca tivesse existido e ela nunca mais será um peso para ninguém. Ela está feliz.

Era uma vez uma menininha e ninguém quis ver o que se passava com ela, ninguém a ouviu chorar, ninguém a defendeu e príncipe nenhum a salvou de seu sofrimento, então ela construiu algo que a defendesse do mundo e morreu assim. E lição nenhuma foi aprendida.

O que você fez comigo


Eu tento tanto te odiar, a cada dia, a cada instante da minha existência. E de todo o meu ser eu te odeio, como se você fosse um ser abominável, intocável, algo que eu deveria temer e por não querer admitir que temo, eu desprezo de todas as formas que eu consigo expressar. Eu tento tanto, desejar nunca mais te ver, desejar que você desapareça, que nunca tenha existido. Mas lá está você, e eu odeio olhar em seus olhos, mas as vezes, como se tentasse te provar que sou mais forte agora, eu te encaro de cabeça erguida e sustento teu olhar pelos segundos que conseguir. Você tem olhos tristes que me irritam, suas fraquezas são tão pateticamente visíveis e sua simples presença me dói no mais profundo do meu ser, eu sangro quando você está por perto, minha alma grita em protesto.

Mas eu não consigo... Não consigo te odiar do jeito que eu queria, não consigo te desejar mau ou ignorar sua existência. Eu consigo te machucar, isso é fácil e eu faço quase que naturalmente, mas... Eu sou tão ridiculamente vulnerável com você. Ninguém tem o poder de me machucar como você, ninguém me decepciona tanto quanto você, ninguém me faz chorar e desejar morrer mais do que você... Você é cruel, você se faz de vítima, mas só eu sei que você não é. Você despeja seus podres em meu corpo, em minha mente, em minha alma. Um simples toque é capaz de me levar até o pior dos infernos, uma meia palavra tem a força de destruir meu dia, minha semana, o que quer que seja. E você é totalmente indiferente e totalmente "preocupado", você me confunde, me machuca.

Eu quero tanto ser livre, desde que eu me entendo por gente eu busco essa liberdade que agora desconfio que não existe. É tão difícil voltar para cá... A ilusão de estar longe aquece meu coração, como se recebesse um presente dos céus, me agarro a essa vida linda e perfeita de uma garota normal, de uma garota normal que é lembrada todo o dia do porque não é normal ao voltar para seu inferno, agarrada pelas pernas, pelos braços, brutalmente.

E sabe... Eu tento tanto te odiar. Mas enquanto algo grita aqui dentro o quanto isso é errado e terrível, outra parte sussurra o quanto você é importante para mim apesar de tudo e de tudo e de tudo. Eu choro, quase todo o dia, porque a confusão me dói tanto... Eu me odeio por não conseguir te tirar de dentro de mim, eu me odeio mais do que odeio você, muito mais. Me odeio porque sinto sua falta, porque você nunca foi quem deveria ser, porque eu sou frágil e patética de mais. Você faz eu me sentir perigosa, quando eu lanço meu veneno em sua direção, é fácil para todo mundo pensar que eu sou má, que a vítima é você, que eu sou uma péssima pessoa. É irônico. Me pergunto, a muito tempo, quando você tirará essa mascara. Me pergunto quem você é, se algum dia vai deixar de se esconder e permitir que todos vejam o monstro que você é.

Eu sou um monstro, tenho um monstro bem vivo dentro de mim, se alimentando de toda essa dor. Eu sei que me tornei tão agressora quanto vítima, a ponto de não merecer mais ser salva de forma alguma. Mas ao contrário de você, eu admito, enquanto você finge se importar, finge que é indefeso, que nunca fez nada, se vitimiza e se faz de inocente. Quem é você?

Tento tanto te odiar... Mas é muito mais fácil odiar a mim mesma, é muito mais fácil machucar minha pele e não a sua. Só tem uma coisa que eu desejo de toda minha alma; que você veja bem meus braços, minha condição psicológica, minha decadência... E saiba. Foi você que fez isso comigo. Imagino que se isso não te destruir, você já está destruído.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Não sou (e nunca deveria ter nascido)


Agora as coisas são fáceis, não preciso ter medo e esconder quem eu sou... Mas um dia as coisas vão voltar a ser difíceis. Um dia eu vou ter que procurar um emprego... E o que as pessoas vão pensar se virem meus braços? Um dia, se eu tiver um filho, o que eu vou dizer quando ele perguntar o que são essas cicatrizes horríveis? Um dia... Um dia os olhares que eu recebo na rua ou onde quer que eu vá vão me machucar muito mais, eu sei.

Isso vai estar comigo minha vida inteira, me perseguindo, me atormentando, me lembrando dos dias ruins, me lembrando do monstro que eu sou. E sempre que eu passar os dedos por essas marcas protuberantes, vou lembrar da gilete rasgando minha pele e da sensação de estar finalmente viva. Sempre que, distraída, meus olhos passarem por elas, meu passado voltará para assombrar meus dias, me diminuir e destruir mais um pouquinho do que sobrou da minha alma. As vezes me pergunto como consigo enganar as pessoas a ponto delas pensarem que não tem nada de errado comigo, como consigo passar despercebida, como consigo viver essa vida normal, sentindo que não sou eu que a estou vivendo, enquanto meu inferno arde aqui dentro a todo o vapor, pronto para explodir a qualquer instante.

Me sinto uma bomba relógio. Meu psiquiatra e minha psicólogo trabalham incansavelmente para que essa bomba não exploda, e se explodir, para que faça o mínimo de estrago possível. Eu observo de longe, como se não fosse eu. Esse monstro não sou eu, não tem como ser eu, e não entendo como que minha psicóloga e meu médico confiam nele para que o deixem andar solto por aí. Você sabe, ele não é simpático, as pessoas o incomodam, ele pode machucá-las, porque não machucaria?

Mas não sou eu... Também não sou eu, essa pequena criatura indefesa dentro de mim, o oposto do monstro. Essa que chora, que machuca a si mesma compulsivamente, que se vitimiza. Essa criatura sensível de mais, doce para com as outras pessoas, carente e infantil. Ela não tem nome, mas também não sou eu.

Não sei quem sou de verdade, não faço ideia... Acho que não sou, simplesmente não sou. Acho que não existo. Sou um corpo oco onde essas duas pessoas vivem em conflito constantemente. Gostaria de existir e viver a vida com a facilidade das pessoas a minha volta, como se respirar não doesse, como se o medo e o desespero não estivessem sempre a espreita, como se o mundo fizesse sentido, como se meu sorriso fosse verdadeiro. Gostaria de existir e ser mais do que um monstro patético, egoísta e cheio de mágoas. Gostaria de existir e ser mais do que uma criança chorona, tão machucada que já nem sabe pelo que chora. Gostaria de nunca ter nascido.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Nada romântico


Não gosto dessas coisas romanticas fantasiosas. Odeio principes encantados, odeio a beleza ditada e emoldurada, odeio finais irritantemente perfeitos e o fato das pessoas serem magicamente feitas uma para a outra. Não acredito em milagres ou destino ou em segundas chances ou em perdão divino ou o que quer que seja. Sou terrivelmente realista e pessimista, infantilmente esperançosa e sonhadora. E um poço de contradições.

O fato é que ninguém foi feito para ninguém, amar é um aprendizado diário. O máximo que alguém tem por outro alguém antes de conhecê-lo de verdade é simpatia. E essa simpatia pode dar lugar a amizade e companheirismo que pode ou não levar ao "amor" carnal, e é esse sentimento carnal que mantém as pessoas unidas durante tempo suficiente para que elas se conheçam melhor e decidam se vale ou não a pena tentar aprender a amar essa pessoa (o sentimento "puro" de amor, que significa simplesmente: eu gosto de você mais do que gosto das outras pessoas e quero sua companhia). Aprender a amar é aprender a gostar ou então pelo menos respeitar as qualidades e defeitos da pessoa amada. É um exercício de paciência e aceitação, carinho e respeito.

Nem por isso o amor é menor bonito do que a visão romântica dele. Eu o acho muito mais louvável por ser na verdade um esforço do que algo mágico que surge do nada e amarra duas pessoas juntas para sempre. Mais uma vez, é comum as pessoas confundirem o amor com a paixão ou atração física. A atração é sim algo meio que inexplicável, descontrolado e irracional, que pode juntar duas pessoas totalmente diferentes pelo tempo que vai levar até elas descobrirem que não possuem nada em comum. O amor não, o amor não é algo que existe, mas sim algo que é construído aos poucos, com esforço e muita vontade. É preciso renunciar a muitas coisas em prol de se construir isso com alguém e o que se ganha nem sempre é bom, pode ser maravilhoso como pode ser péssimo. Porque nem todas as pessoas que você escolher para se construir o amor vão fazer o mesmo, ou vão conseguir fazer o mesmo.

Alias, outra coisa, o amor é consciente. É possível que o amor nasça sem que a gente queira, mas é impossível que ele cresça sem que de alguma forma a gente não deseje isso. É cansativo e como já disse, nem sempre vale a pena. Mas admito que desde o momento que você tocou meus lábios eu tive certeza que queria tentar.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A loucura é o exagero - Cada um sente o que sente


A loucura é o exagero. Porque todo mundo já teve medo, ou se sentiu triste, ou contou uma mentira e gostou, desejou ser criança para sempre, pensou em morrer, se sentiu perseguido ou pensou ver algo que não viu. Isso é normal. Todo mundo já se sentiu triste e depois alegre e vice versa, todo mundo já explodiu de raiva alguma vez na vida, todo mundo já se sentiu hiperativo, desconcentrado ou desejou fazer mau para alguém.

É por isso que muitas pessoas pensam que podem ser descritas em diversos transtornos, o que elas não percebem é que o que conta é a intensidade com que isso acontece, o quanto isso destrói a vida da própria pessoa e das que estão a sua volta. O que elas não percebem é que ter uma fobia não é ter medo, e sim ter um ataque de pânico seríssimo quando diante do que causa o medo, alias elas nem sabem o que significa pânico. Elas não entendem que ter TOC (transtorno obsessivo compulsivo) não é ter manias, e sim ser sufocado por elas a tal ponto que você pode se recusar a entrar em casa por horas por acreditar que a maçaneta da porta está suja (e não importa o quanto limpem, você vai continuar a achar que está suja). Elas não entendem que ter oscilações de humor não significa que você é bipolar ou borderline, na verdade o terno oscilações de humor é errado na minha opinião, porque oscilar de humor todo mundo oscila. O problema é quando essas oscilações te levam da mais profunda depressão a mais surreal euforia.

É compreensivo, porque é fácil acreditar que a dor que você sofre é tão ruim ou pior do que a dor de outra pessoa, simplesmente porque você não está sentindo a dor do outro e sim a sua. Isso acontece com nós, pacientes psiquiátricos, acreditamos que sofremos mais do que as pessoas normais, e normalmente é verdade, mas as vezes isso pode nos levar a menosprezar a dor de quem é "normal", o que é um absurdo porque você não está sentindo a dor do outro para saber qual a menor ou maior. Alias o conceito de comprar sofrimento é ridículo.

Eu posso achar a dor de ser traído por um amigo ridícula perto das outras dores que eu já sofri na vida, mas para algumas pessoas pode ser que não exista coisa pior do que isso, ou não tenham enfrentado nada tão ruim, tanto faz. Eu posso achar que ser xingada mesmo que de brincadeira seja algo absurdamente desconfortável, e muita gente vai falar que é frescura minha por exemplo. Mas é exatamente isso. É frescura MINHA, ninguém está sentindo o que você está sentindo para julgar se isso é frescura ou não, se merece a atenção ou não.

É fácil de entender imagino, mas é difícil ver isso na prática. É muito mais fácil julgar. Alias estar na posição de quem não está sofrendo é muito fácil... É muitíssimo fácil passar por uma pessoa encolhida no chão chorando e ignorar, ou rir, ou dizer que ela está chorando por nada. Até mesmo quem tenta se colocar na posição de quem chora, peca. Falar "eu imagino como deve ser" é uma coisa muito errada de se dizer. Não, você não imagina. Cada pessoa é única, assim como as lágrimas que ela derruba, respeitar nem sempre é fácil, mas imagino que e vital.

domingo, 7 de agosto de 2011

Falta o freio


Então o mundo fica em câmera lenta, enquanto sua mente adquire uma velocidade que não é certa. Então as pessoas são lerdas de mais, seus olhos são lerdos de mais, sua boca é lerda de mais. Frente a seus pensamentos frenéticos tudo é lerdo de mais. Você se engasga com as palavras, você se confunde, troca tudo e de tanto querer dizer, não diz nada. E de tanto querer fazer, não faz nada. É fácil perder as rédeas dos pensamentos, e você pensa tanto, pensa em tanta coisa, que não consegue se entender, que não consegue se ouvir. São palavras atrás de palavras, frases atrás de frases, soltas, sem sentido, inúteis. Talvez para seu cérebro elas façam sentido, mas para você não.

É curioso o quanto eu não tenho controle de grande parte de mim mesma, o quanto meu cérebro as vezes parece estar desconectado de mim, ou pelo menos uma parte dele. Me sinto perdida e impotente grande parte do tempo. Não sei o que eu quero, para onde ir ou o que fazer. Não sei para onde estou indo nem nada dessas coisas. É bom que meu problema esteja se concentrando em mim mesma, em me destruir e não em destruir as pessoas a minha volta... Porque eu sei o quanto eu posso ser destrutiva... Mas está se tornando difícil sorrir, dizer que está tudo bem e tantas outras coisas. Tenho um medo terrível de que alguém perceba, de que alguém me veja fora do controle.

Preciso seguir em frente, mas não sei qual lado é a frente. Tenho medo de dar um passo e perceber tarde de mais que andei para trás. Estou meio que parada no tempo, observando o mundo evoluir sem mim... Confusa por pensar que o mundo anda em câmera lenta em comparação a minha cabeça, e mesmo andando nessa câmera lenta, eu não consigo alcançá-lo.

sábado, 6 de agosto de 2011

Releitura de uma velha história - Lúcifer


Vivo em um mundo marcado pela dualidade. Todas as pessoas com o mínimo de dignidade vivem bem longe do chão, são as pessoas consideradas boas, moram em andares cada vez mais altos, em prédios cada vez maiores. Todas as pessoas consideradas ruins vivem na superfície, tocam com seus pés o chão imundo, moram em seus barracos térreos e decadentes. É assim que as coisas são aqui. Lá embaixo o mundo é feio, sujo, repulsivo, as piores pessoas habitam ali e vivem suas vidas miseráveis sem lei ou regra que os impeça de cometer as piores atrocidades. É fácil reconhecer um pé-no-chão, eles são muito brancos, porque o sol não chega onde eles estão, possuem olhos profundos e maldosos. Lá no alto a vida é linda, aparentemente todos são felizes, o Estado garante a melhor qualidade de vida possível e nós retribuímos trabalhando a serviço dele, não existe vandalismo ou miséria, todos são iguais perante a lei e todos possuem os mesmos direitos, é perfeito. Também é fácil reconhecer um anjo (que é como nós nos chamamos), são morenos e saudáveis, abençoados por um sol lindo e constante, são sorridentes e padronizados.

Eu nasci no topo, na altura do décimo quinto andar de um prédio qualquer, uma boa altura. Porém eu sou diferente... Nasci com um defeito. Sou terrivelmente branca, tão branca que até meus cabelos e olhos são totalmente brancos. Pareço um fantasma... É terrível. Sou a única pessoa branca do mundo superior, o sol me faz mau, muito mau alias. Não tenho muitos amigos, minha aparência de ser inferior assusta as pessoas, elas pensam que eu tenho sangue de pé-no-chão. Mantenho meu cabelo cortado bem curto, odeio ele, se eu deixasse comprido chamaria mais atenção do que já chama e uso capuz e mangas compridas, enquanto meus colegas exibem braços, ombros e pernas perfeitamente morenas. Eu odeio quem eu sou porque por mais que eu queira e até tente ser como os outros, eu não consigo nem nunca vai conseguir. Uma vez tentei tomar sol por tempo suficiente para minha pele escurecer... Fui parar no hospital com queimaduras terríveis.

Aqui em cima a vida é linda e perfeita e eu a odeio.

Quando eu tinha 9 anos, depois de me recuperar das queimaduras que me levaram para o hospital, eu decidi encontrar uma forma de descer até o chão, afim de ver se as pessoas lá embaixo eram como eu. Talvez meu lugar fosse lá. Há um "chão" artificial que separa o mundo de cá e o de lá e são pouquíssimas as passagens ainda existentes de um lugar para o outro e a grande maioria delas é vigiada. Com muita dificuldade eu consegui encontrar um buraco que me permitiu descer, imagino que a sorte estava ao meu favor.

O mundo inferior era muito pior do que as histórias contavam, é verdade. O cheio, o ar, a falta de luz, tudo, tornava o lugar assustador e pesado. Olhei a volta, imaginando que meus olhos deveriam estar brilhando no escuro e chamariam a atenção facilmente, mas não estava assustada... Só curiosa. Caminhei entre as montanhas de lixo e logo avistei pequenos barracos, entre eles crianças magricelas corriam com os braços nus... Brilhantes de tão brancos. Sorri. Nem todos tinham cabelos brancos como os meus, mas uma boa porcentagem era absolutamente igual a mim. Quando me aproximei pensei em me enturmar, brincar com eles, mas eles olharam para mim com seus olhos grandes e maus e em uma súbita explosão de gritos de alegria começaram a atirar pedras em minha direção. Sai correndo assustada, mas não demorou para que eu começasse a rir também e atirar pedras de volta.

Os pés-no-chão possuíam uma maldade curiosa em seu jeito de ser, as crianças apanhavam em casa e batiam nos mais novos, homens batiam em homens, que por sua vez violentavam mulheres que por sua vez humilhavam outras mulheres ou crianças, crianças mais velhas violentavam as mais novas, que por sua vez violentavam as mais novas, que por sua vez se aproveitavam das mães, que por sua vez enganavam seus homens. Se um juiz tivesse a paciência de julgar cada um dos infindáveis casos de suposta "injustiça", chegaria a conclusão que não existia culpados e vítimas. Todos sofriam as mesmas coisas e infringiam o mesmo sofrimento a outras pessoas e assim por diante e no entanto, todos eram incrivelmente indiferentes e fortes, não se via lágrimas, não se via reclamação. Só uma dança surreal de relações sem regra e maldade não reprimida. A sinceridade era extrema e por mais cruel que parecessem ser, de alguma for que um anjo nunca saberia entender, havia algo que os conectava, algo que os permitia sorrir e se reconhecer entre eles, existia algo que os tornava irmãos, um era totalmente capaz de se ver no outro.

A vida lá embaixo era horrível e feia e eu a adorava. Passei por muita coisas nas vezes que fugi para lá e aprendi a fazer os outros passarem por isso também, descobri o gosto da maldade, a atração pela dor. E levei isso para o mundo lá em cima. Me tornei uma hipócritazinha de primeira, aprendi a não me envergonhar pela minha aparência e a cativar os anjos, eles sentiam pena de mim e me davam uma chance, pelo meu sorriso infantil e suposta inocência e minha pobre pele, branca como neve. E eu os destruía um por um, com pequenas falas, pelas entrelinhas, por pequenas ações... Os mais fracos se mostravam vítimas fáceis, se matavam. Os mais fortes aprendiam a maldade sutil lindamente.

Eu rebaixei o céu ao nível do chão, eu cortei as asas dos anjos, eu matei a perfeição, eu apaguei o sol. Vocês devem me conhecer.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Tudo sob controle


Você já se sentiu como se não fizesse parte do mundo? Ou até mesmo como se você não existisse, ou fizesse parte de uma raça estranha e desconhecida? Você já se sentiu sozinha? Tão sozinha como se até mesmo a sua alma tivesse te abandonado. Você alguma vez já se sentiu triste? Tão triste que até as lágrimas desistiram de cair? Você alguma vez foi colocado em uma situação tão incômoda que a única coisa que você conseguia pensar é em como sair dali? Você alguma vez se sentiu injustiçada, tão injustiçada que começou a acreditar que tivesse culpa? Você alguma vez já sentiu um buraco negro em seu peito?

As vezes os dias são fáceis e a ansiedade toma conta de mim, fico agitada e irritadiça, esperando com medo os dias difíceis que eu sei que virão. As vezes os dias são difíceis e já é com naturalidade que eu vejo o mundo mudar diante de meus olhos. Com certa tranquilidade e desespero eu vejo as coisas ficarem em câmera lenta ou acelerada, coisas que não deveriam se mexer as vezes dançam diante de meus olhos, de repente eu posso sentir uma vontade súbita de chorar e me assustar com esse impulso e no momento seguinte estar rindo. Sinto como se os remédios, aumentados, sempre aumentando, estivessem me anestesiando, tapando o problema com uma peneira... Mas as vezes as coisas escapam levemente do controle, questões de segundos, minutos. Fico à beira de explodir então me acalmo, com um autocontrole que eu não consigo reconhecer como meu e dou um sorriso vazio. Em um segundo eu posso ter uma vontade incontrolável de fazer algo absurdo e terrível e no outro, tudo passa como uma brincadeira de mau gosto. As vezes olho para as pessoas e sinto que tem algo terrivelmente errado, como se fossem estranhos que pudessem me fazer algo ruim se eu continuasse a olhar. As vezes penso que estou sento perseguida, mas algo que eu também não reconheço como sento meu me diz que isso é coisa da minha cabeça.

Tem muitas coisas em mim e no que eu faço que eu tenho dificuldade de reconhecer como sendo parte de mim... Mas decididamente, essa Sabrina controlada, meio insensível e ausente... Não parece eu. Talvez eu esteja perigosamente me acostumando com a instabilidade e por isso, sempre que controlada, eu me sinto estranha e angustiada, como se cordas me amarrassem. Eu sei que quando os dias ruins realmente vierem e tudo fugir do controle eu vou implorar por essas cordas, vou implorar para ter algo que me controle... Mas enquanto estou controlada, quero a liberdade.

Talvez eu esteja perdendo um pouco do juízo crítico, talvez seja só por agora, talvez amanhã eu consiga voltar a pensar de forma perfeitamente racional. Eu não sei, não sei de absolutamente nada. Estou confusa e isso me deprime, estou inquieta... Parece que não importa do que eu faça sempre sobra um espinho a me espetar, sempre tem algo me incomodando. Eu me mexo, eu reclamo, eu mudo, eu mudo e eu mudo, tento falar mais, tento falar menos, tento fazer mais amigos, desisto deles, tento ser mais paciente, perco a paciência, tento ficar ocupada, perco a vontade de me mexer, choro, seguro o choro. Sempre mudando.

Tenho sorte de ter alguém que me ajuda a manter a lógica, que me diz a coisa mais certa a fazer e me ajuda a pensar antes de agir... Mas me preocupa o que eu posso fazer comigo mesma sem esse apoio. Não sinto que estou melhorando, faz umas duas semanas que eu não me corto, e isso é ótimo... Mas não sinto que minha cabeça está progredindo. Sinto que estou controlada. Só isso.

Povo marcado ê povo feliz!


Me dá dor de cabeça chegar em um lugar e ver todo mundo ser tão igual. Me irrita as milhões de patricinhas com seus cabelos compridos e lisos, loiros, castanhos claros ou escuros, com os mesmos rostos de princesas congeladas, as mesmas roupas, as mesma bolsas, com os mesmos sorrisos educados e irritantes, as mesma atitudes e maneirismos. Me mata de tédio seus olhares idiotas em direção aos garotos, também todos iguais, com roupas iguais, com cabelos iguais, com olhares iguais, alturas iguais, olhando de volta com a mesma cara de retardado.

Me deixa até confusa, acho impossível distingui-los, nem percam seu tempo tentando me apresentar a algum deles, nunca vou conseguir saber quem são. Nem figurantes parecem, parecem robôs saídos de uma linha de produção. É muito estranho... Talvez seja preconceito, mas me pergunto se essas criaturinhas idênticas possuem opinião, uma visão diferente, qualquer coisa! Para que possamos chamar de pessoas. Agindo como agem, absolutamente programadas, parecem que não. É incrível como reagem exatamente igual a tudo, como falam as mesmas coisas, como riem das mesmas coisas e se incomodam com as mesmas coisas.

Ah... Mas são pessoas boas, são ótimas pessoas. Vou ficar rica como muita gente já ficou vendendo o mesmo produto idêntico para todos. É genial.